image1.pngOnline Brazilian Journal of Nursing | ISSN: 1676-4285

Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa – UFF

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PESQUISA DE INOVAÇÃO

 

 

InfectoPrev – Aplicativo móvel para vigilância pós-alta de infecção de sítio cirúrgico: um estudo metodológico*

 

Núbia Souza Correia1,2, Elaine Drehmer de Almeida Cruz2, Letícia Pontes2, Tânia Maria Araujo2,3, Bárbara Cris Skora Antunes2,3, Francisco Mateus Lima da Silva1,2

 

1 Secretária de Saúde do Estado de Rondônia, Porto Velho, Rondônia, Brasil.

2 Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Práticas do Cuidados em Saúde, Curitiba, Paraná, Brasil.

3 Complexo Hospitalar de Clínicas, Curitiba, Paraná, Brasil.

 

RESUMO

Objetivo: Desenvolver um aplicativo móvel para a vigilância pós-alta hospitalar de infecção de sítio cirúrgico. Método: Estudo metodológico de construção tecnológica realizado em três etapas: levantamento de fundamentações científicas, análise situacional de aplicativos existentes e desenvolvimento de um protótipo. Resultados: Foi criado o aplicativo móvel InfectoPrev, que inclui conceitos e orientações, além de possibilitar a interação com o paciente. O aplicativo permite o registro da evolução cirúrgica e o envio de informações ao profissional de saúde, incluindo fotografias da ferida cirúrgica. Conclusão: O InfectoPrev é um aplicativo digital pioneiro no Brasil para acompanhamento, registro e elaboração de indicadores epidemiológicos relacionados a infecções de sítio cirúrgico.

 

Descritores: Tecnologia; Enfermagem Perioperatória; Infecção da Ferida Cirúrgica; Vigilância em Saúde Pública; Aplicativos Móveis.

 

Como citar: Correia NS, Cruz EDA, Pontes L, Araujo TM, Antunes BCS, Silva FML. InfectoPrev – Mobile application for post-discharge surveillance of surgical site infections: a methodological study. Online Braz J Nurs. 2024;23:e20246793. https://doi.org/10.17665/1676-4285.20246793

 

INTRODUÇÃO

As infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) podem ocorrer durante a internação, em procedimentos invasivos ou após a alta hospitalar do paciente(1). Dentre elas, as infecções do sítio cirúrgico (ISC) afetam o local da intervenção cirúrgica, abrangendo tecidos, órgãos e cavidades manipulados durante o procedimento. Conceitualmente, as ISC são consideradas quando se manifestam até 90 dias após a incisão cirúrgica(2), com ou sem a inserção de dispositivos.

As taxas de incidência e prevalência de ISC são indicadores de qualidade frequentemente subestimados. Em países menos desenvolvidos, estima-se que a ocorrência de ISC seja até nove vezes maior do que em países desenvolvidos(3). Pacientes que desenvolvem ISC têm um risco cinco vezes maior de readmissão hospitalar e duas vezes maior de desfecho fatal em comparação com aqueles que não apresentam essa complicação(4).

Investigar, acompanhar e disponibilizar feedback dos desfechos cirúrgicos, em especial de ISC, é importante componente na cadeia preventiva de complicações, com destaque à vigilância pós-alta como relevante estratégia(3). A revisão dos arquivos e resultados de análises clínicas e imagens, assim como de diagnósticos associados às manifestações clínicas de ISC, e entrevistas telefonadas são exemplos de métodos de vigilância empregados(2).

Todavia, a vigilância após a alta hospitalar apresenta desafios complexos, especialmente em países em desenvolvimento, com vastas extensões territoriais e recursos operacionais e estratégicos limitados para notificação de casos. Nesse contexto, o acompanhamento telefônico dos pacientes tem sido incentivado(4). Com o avanço da globalização e a ampla disseminação de dispositivos móveis, o uso criativo e eficaz de celulares surge como um recurso valioso na educação e assistência ao paciente cirúrgico. Esses dispositivos oferecem uma maneira prática de compartilhar informações relevantes para o cuidado em saúde(5), tornando-se ferramentas úteis para o rastreamento de ISCs.

Diante disso, o presente estudo tem como objetivo desenvolver um aplicativo de tecnologia móvel para a vigilância pós-alta hospitalar de ISCs.

 

MÉTODO

Este é um estudo metodológico de construção tecnológica, desenvolvido em três etapas principais: (a) levantamento de fundamentações científicas; (b) análise situacional de aplicativos disponíveis; e (c) elaboração de um protótipo.

Na primeira fase, foram reunidas e sintetizadas evidências científicas sobre ISC presentes nas diretrizes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) do Brasil, dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Não houve delimitação temporal para a seleção dessas evidências.

Além disso, com o objetivo de incluir resultados voltados à educação em saúde, foi realizada uma revisão integrativa baseada em seis etapas adaptadas da metodologia proposta por Mendes et al.(6). A revisão foi guiada pela questão: “Quais documentos informativos educativos elaborados para o autocuidado de pacientes perioperatórios estão acessíveis na literatura?”.

Os descritores foram selecionados no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e no MeSH (Medical Subject Headings), abrangendo os termos: Cartilha (Primer, Folleto); Cartilha informativa (Information primer, Folleto informativo); Material educativo (Educational material, Material didáctico); Paciente cirúrgico (Surgical patient, Paciente quirúrgico); e Educação em Saúde (Health education, Educación sanitaria).

A busca foi realizada nas Bases de Dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), SCOPUS e U.S. National Library of Medicine (PubMed), e na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).

A coleta de artigos foi realizada em julho de 2022 por dois pesquisadores independentes, com base em critérios de inclusão que consideraram estudos publicados entre janeiro de 2018 e junho de 2022. Foram analisados artigos em português, inglês ou espanhol que abordassem materiais educativos para o autocuidado de pacientes no perioperatório. Apenas artigos originais foram incluídos, excluindo-se revisões, teses, dissertações e publicações em outros idiomas.

Inicialmente, foram identificados 80 artigos. As referências foram gerenciadas com o auxílio da ferramenta EndNote Basic®, que facilitou a organização e a identificação de duplicatas. Após essa etapa, 57 artigos foram excluídos por serem duplicados ou não atenderem aos critérios na triagem de títulos e resumos.

Com a aplicação dos critérios de elegibilidade, 23 artigos foram selecionados para leitura na íntegra. Desses, 10 foram excluídos por não responderem à questão norteadora e 5 por se tratarem apenas de resumos, resultando em 8 estudos incluídos. O processo de seleção seguiu o fluxograma adaptado do Transparent Reporting of Systematic Reviews and Meta-Analyses(7).

A classificação do nível de evidência seguiu o modelo de Melnyk e Fineout-Overholt(8), que organiza as evidências em sete níveis: 1) nível I, para revisões sistemáticas ou metanálises; nível II, para ensaios clínicos randomizados controlados bem delineados; nível III, para ensaios clínicos bem estruturados, porém sem randomização; nível IV, para investigações do tipo coorte e estudos de caso-controle bem delineados; nível V, para revisões sistemáticas de estudos descritivos e metas sínteses; nível VI, para estudos descritivos ou qualitativos; e nível VII, para opiniões de especialistas e consensos especializados.

Após a seleção, as principais informações dos estudos foram extraídas com o auxílio de um roteiro validado e ajustado(9). Esse instrumento contemplou a identificação do artigo, características metodológicas, análise do rigor, intervenções avaliadas, resultados obtidos, base de indexação, local de realização do estudo, país e área profissional do primeiro autor.

Na etapa seguinte, foi realizada uma avaliação situacional dos aplicativos disponíveis em junho de 2022. A busca utilizou o termo “cirúrgico” nas lojas virtuais da App Store (para o sistema operacional iOS) e Play Store (para o sistema operacional Android). Foram excluídos da análise aplicativos pagos, corrompidos, duplicados, jogos ou que estivessem fora da temática do estudo.

Os resultados foram registrados em um instrumento criado para a pesquisa, que incluiu os seguintes itens: título, idioma, tema abordado, sistema operacional e disponibilidade. Essa etapa teve como objetivo evitar a duplicação de aplicativos gratuitos e disponíveis, assegurando a pertinência à tecnologia proposta neste estudo.

Na terceira e última fase, foi elaborado o conteúdo do aplicativo. Esse conteúdo foi estruturado e organizado com base em conceitos fundamentais e adaptado ao público-alvo específico. O desenvolvimento do software e das interfaces do aplicativo foi realizado por uma empresa especializada, resultando na criação do InfectoPrev.

A tecnologia desenvolvida é resultado do Mestrado Profissional – Turma Fora de Sede, no Estado de Rondônia, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Prática do Cuidado em Saúde da Universidade Federal do Paraná. Neste estudo, não houve recrutamento de participantes de pesquisa, portanto, não foi necessária submissão para apreciação por qualquer comitê de ética em pesquisa.

 

RESULTADOS

Foram identificadas como diretrizes quatro manuais da ANVISA (três de 2017 e um de 2022), três manuais da Organização Mundial da Saúde (2018) e um guideline dos CDC (2022). Durante a revisão integrativa, oito artigos atenderam aos critérios estabelecidos: dois (25%) da PubMed, cinco (62%) da SciELO e um (13%) da LILACS.

Na análise de aplicativos, foram identificados 149 na App Store e 263 na Play Store, classificados em diversas categorias: jogos (44 e 169, respectivamente), ferramentas para estudos e orientações profissionais (25 e 37), eventos na área da saúde (11 e 2), agendamentos de consultas e retornos (26 e 4), duplicidades (10), e cirurgia segura (8 e 3). Apenas dois aplicativos abordavam cuidados pós-operatórios. Um deles apresentava falhas técnicas (corrompido), enquanto o outro estava disponível em ambas as plataformas.

A análise dos resultados possibilitou a seleção de elementos para o desenvolvimento das interfaces do protótipo. Foram incluídos: registro pré-formatado da evolução cirúrgica, campo para registro de informações adicionais e a possibilidade de contato com profissionais de saúde via e-mail.

Com a perspectiva de utilização futura do aplicativo também no período pré-operatório, foi incorporado conteúdo voltado à orientação do paciente nas etapas pré, trans e pós-operatória. Esses elementos foram organizados no Menu Principal do aplicativo, junto com os Submenus, conforme representado na interface da Figura 1.

 

Item

Aba menu principal

Submenus

A

Apresentação

Objetivo do aplicativo

 

B

Informações gerais

Conceito de infecção de sítio cirúrgico Sinais de infecção

Cadastro do usuário

C

Informações direcionadas ao procedimento cirúrgico

Risco cirúrgico

Orientações pré operatórias

D

Informações direcionadas aos cuidados pós cirúrgicos

Cuidados com a ferida

Cuidados com o dreno

E

Informações direcionadas aos acompanhamentos da evolução cirúrgica

Importância do registro e transmissão das informações

Periodicidade

Registro da evolução cirúrgica

F

Informações direcionadas ao esclarecimento de dúvidas

Contato para esclarecimentos Acompanhamento da evolução cirúrgica

Referências

G

Material de apoio

 

Figura 1 - Descrição das abas de informações do aplicativo móvel InfectoPrev. Porto Velho, RO, Brasil, 2022

 

As interfaces do aplicativo móvel InfectoPrev estão ilustradas nas Figuras 2 a 5.

 

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Figura 2 Screenshots das interfaces de abertura e objetivo do aplicativo InfectoPrev. Porto Velho, RO, Brasil, 2022

 

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Figura 3 Screenshots das interfaces de como utilizar o aplicativo, cadastro e menu principal. Porto Velho, RO, Brasil, 2022

 

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Figura 4 Screenshots das interfaces da periodicidade de resposta e questionário. Porto Velho, RO, Brasil, 2022

 

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Figura 5 Screenshots das interfaces de finalização, contato com profissional de saúde e acompanhamento dos questionários respondidos. Porto Velho, RO, Brasil, 2022

 

DISCUSSÃO

O conteúdo do aplicativo InfectoPrev foi desenvolvido com base em orientações e recomendações de entidades de renome internacional. O objetivo é oferecer informações fundamentadas em evidências científicas, complementadas por publicações relacionadas a cartilhas de educação em saúde voltadas para pacientes cirúrgicos.

Nos estudos analisados para a construção do aplicativo, observou-se um foco predominante na criação e validação de conteúdos de orientação para pacientes cirúrgicos no formato de cartilhas. Contudo, identificou-se uma carência de estudos que disponibilizem o conteúdo completo dessas cartilhas. Nesta pesquisa, enfrentou-se dificuldade para acessar os materiais indicados por meio de links fornecidos(10-13). O acesso integral a esses produtos pode ser valioso para o desenvolvimento de novas tecnologias, pois eles servem como inspiração e modelo. Assim, é essencial que esses materiais sejam disponibilizados na íntegra para leitores.

A busca por aplicativos móveis em língua portuguesa relacionados ao tema, realizada nas plataformas iOS e Android, revelou uma escassez de resultados. Esse achado reforça a relevância do InfectoPrev produzido neste estudo, além de destacar a oportunidade para sua replicação e adaptação a outros temas relacionados à vigilância e educação em saúde.

No contexto da vigilância das ISC, é importante considerar que as hospitalizações de pacientes cirúrgicos têm se tornado cada vez mais curtas, o que contribui para a subnotificação de casos devido às manifestações tardias(14). Esse cenário é agravado pela escassez de dados sobre o período pós-alta, consequência do acompanhamento insuficiente dos pacientes nessa fase.

Entretanto, algumas publicações destacam a relevância da busca ativa de casos de ISC no período pós-operatório. Um estudo realizado na Índia(15) revelou que 66% dos casos foram diagnosticados após a alta hospitalar, sendo 71% identificados durante consultas ambulatoriais e 29% reconhecidos por entrevistas telefônicas.

Outro estudo, conduzido na região amazônica do Brasil, acompanhou 106 pacientes submetidos a cirurgias eletivas por meio de contatos telefônicos. Foi registrada uma taxa de infecção no local da cirurgia de 7,5%, com 88% dos pacientes relatando retorno ao atendimento devido a complicações relacionadas à ferida operatória(16).

Nesse contexto, o aplicativo InfectoPrev facilita o acompanhamento de sinais preditivos de infecção, a intervenção precoce e a notificação de casos de ISC. Além disso, ele permite a análise de riscos e o planejamento de ações preventivas gerais.

Embora a avaliação direta da incisão cirúrgica por um profissional de saúde seja amplamente reconhecida como o “padrão ouro” para a identificação de ISC, essa prática pode ser onerosa tanto para as instituições quanto para os pacientes. Isso ocorre devido à necessidade de retorno ao serviço de saúde para reavaliação(13,17) ou da realização de visitas domiciliares no período pós-operatório. O InfectoPrev surge como uma solução para essas limitações, especialmente as geográficas. Ele possibilita que o profissional de saúde analise a incisão cirúrgica por meio de fotografias enviadas pelo paciente ou por seus familiares diretamente pelo aplicativo.

Os dados relacionados às infecções pós-cirúrgicas enfrentam problemas de insuficiência e falta de confiabilidade, devido à subnotificação desses eventos(18). Um estudo realizado em Gana revelou que 49% das ISC foram detectadas durante a vigilância pós-alta hospitalar(19). Esse dado é consistente com estudos realizados em seis hospitais na capital do Irã, que mostraram que 76% das ISC foram diagnosticadas apenas no período pós-cirúrgico(3), evidenciando falhas no monitoramento intra-hospitalar.

Nesse cenário, o aplicativo InfectoPrev surge como uma ferramenta promissora, capaz de oferecer informações precisas para um sistema de monitoramento pós-alta hospitalar. Ele busca preencher lacunas no acompanhamento e fornecer dados confiáveis para apoiar as instituições de saúde.

É amplamente reconhecido que a maioria das ISC se manifesta tardiamente, após a alta hospitalar, resultando em subnotificação de casos e comprometendo a elaboração de ações preventivas eficazes. Assim, é fundamental adotar uma abordagem proativa para identificar essas infecções no período pós-alta, o que pode ser realizado por meio de estratégias como o contato telefônico(2).

Um estudo(13) envolvendo 100 pacientes acompanhados por telefone após a alta hospitalar revelou que 26% deles relataram pelo menos um sinal ou sintoma indicativo de infecção cirúrgica. Após uma avaliação física realizada por enfermeiros e cirurgiões, confirmou-se que 20% desses casos eram realmente ISC. Esses resultados demonstram que a vigilância ativa por telefone é uma estratégia eficaz para a identificação precoce de ISC, reforçando a necessidade de unificar manuais e aprimorar continuamente as práticas de monitoramento pós-alta hospitalar.

Neste estudo, a concepção do aplicativo InfectoPrev baseou-se substancialmente na análise de guias, preceitos e guidelines relevantes. Contudo, apesar da ampla disponibilidade de literatura sobre boas práticas e estratégias preventivas para ISC, identificou-se uma lacuna significativa quanto ao papel ativo dos pacientes na identificação precoce de sinais de infecção cirúrgica.

Essa deficiência é particularmente notável, considerando a crescente ênfase na participação dos pacientes na promoção de sua própria segurança em contextos de saúde. O InfectoPrev busca preencher essa lacuna, ao incluir os pacientes no processo de vigilância pós-alta hospitalar. Ele utiliza uma abordagem simples e acessível, permitindo a inspeção indireta da ferida cirúrgica por meio do envio de imagens fotográficas.

Oliveira e colaboradores(20) destacam que, entre os métodos de vigilância pós-alta de ISC, além do acompanhamento telefônico, o uso de aplicativos de saúde específicos tem ganhado espaço. Um exemplo é a plataforma digital de vigilância pós-operatória denominada Isla, implementada em 2020 em dois hospitais terciários de Londres. Essa plataforma funciona como um dispositivo de registro médico visual, permitindo que os pacientes façam o upload de imagens (fotografias) da ferida cirúrgica. Além disso, ela oferece à equipe de saúde informações sobre cicatrização, sinais visuais e sintomas não visuais, como dor e calor próximo à incisão(21).

Contudo, são escassos os relatos de estudos que incluam informações voltadas ao paciente sobre o processo perioperatório. Assim, no desenvolvimento do InfectoPrev, buscou-se ir além dos dados técnicos destinados a profissionais de saúde, incorporando também informações específicas para o paciente cirúrgico. O objetivo foi transformar o aplicativo em uma ferramenta de educação em saúde. Entre os conteúdos incluídos, destacam-se orientações para o período pré-operatório, bem como a funcionalidade de agendamento cirúrgico. Isso permite que o paciente tenha acesso a informações preparatórias essenciais para um ato cirúrgico seguro, promovendo um acompanhamento mais completo e educativo.

Desse modo, as orientações fornecidas pelo InfectoPrev buscam promover o autocuidado e o reconhecimento precoce de sinais infecciosos pelo paciente, incluindo-o ativamente no processo de prevenção de complicações e favorecendo uma recuperação mais eficiente. O aplicativo combina diversos métodos de vigilância, entre eles: o uso do artefato mais amplamente adotado para vigilância pós-alta hospitalar, a alta acessibilidade dos aparelhos celulares, a participação do paciente no monitoramento da evolução cirúrgica por meio de observação, registro e reporte, e o fornecimento de informações para o autocuidado.

Adicionalmente, o aplicativo permite que o paciente fotografe a ferida cirúrgica e envie as imagens para o agente de saúde. Essa funcionalidade aproxima o uso do celular ao padrão ouro desejado, pois possibilita a observação indireta e o acompanhamento contínuo da evolução da ferida cirúrgica pelo profissional. O seguimento sugerido ao longo de 30 dias no pós-operatório, com quatro ocasiões de relato pelo paciente, está alinhado a recomendações consolidadas(22).

Caso haja suspeita de infecção, o enfermeiro ou outro profissional de saúde responsável pelo monitoramento poderá orientar o paciente para cuidados adicionais ou para o retorno ao serviço de saúde, garantindo avaliação e tratamento adequados.

Reitera-se, neste estudo, a importância dos meios eletrônicos de dados como ferramentas para embasar a tomada de decisões e promover a adoção de normas de qualidade dentro das organizações de saúde. Esses recursos abrangem desde o gerenciamento administrativo até os cuidados assistenciais(23), aproximando-se da implementação de tecnologias que facilitam as atividades clínicas, contribuindo para a melhoria da qualidade dos serviços prestados(24).

Embora aplicativos digitais de saúde ofereçam benefícios significativos e sejam acessíveis aos usuários, promovendo o autocuidado e o conhecimento sobre a própria saúde, é importante destacar que seu uso não substitui a assistência presencial(25).

Esta metodologia também contribui para a educação continuada de profissionais de enfermagem, integrando-os ao acompanhamento da evolução de feridas cirúrgicas com base nos dados fornecidos pelos pacientes. Além disso, coloca o paciente como protagonista do autocuidado e da segurança no processo de recuperação.

O InfectoPrev é compatível com as plataformas iOS e Android e está registrado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob o número BR512023000692-0. Pretende-se que o protótipo seja testado na prática em saúde para refinamento e aplicação efetiva na vigilância epidemiológica de infecções cirúrgicas e na educação em saúde de pacientes no perioperatório. No entanto, uma limitação importante é que o uso dessa tecnologia está restrito a usuários com acesso a smartphones e conectividade à internet.

A relevância do desenvolvimento do InfectoPrev está diretamente relacionada aos resultados favoráveis que ele pode gerar para os serviços de saúde, para os profissionais e para a sociedade. Esses benefícios incluem a redução de custos associados a complicações decorrentes de diagnósticos tardios. O uso do aplicativo tem o potencial de promover a excelência das informações fornecidas a pacientes pós-cirúrgicos, utilizando métodos de controle consistentes e contribuindo para o conhecimento de índices de qualidade. Além disso, o InfectoPrev auxilia na tomada de decisões gerenciais, oferecendo subsídios para melhorias contínuas nos processos assistenciais. Espera-se que essa tecnologia estimule avanços nas boas práticas de assistência perioperatória, incentivando a produção de indicadores e apoiando medidas de prevenção e identificação precoce de ISC.

 

CONCLUSÃO

O aplicativo InfectoPrev, fundamentado em evidências de organizações reconhecidas na área, foi desenvolvido como um protótipo digital original no Brasil, com o objetivo de contribuir para a vigilância de ISCs no período pós-alta. Baseado em um fluxo bem estruturado, o aplicativo oferece orientações ao paciente, permite a avaliação da incisão cirúrgica pelo próprio usuário e facilita o monitoramento pelos profissionais de saúde.

As informações integradas no aplicativo promovem a educação em saúde e incentivam a participação ativa do paciente em prol de sua segurança. Inicialmente, essa tecnologia fortalece a segurança individual do paciente e, em um segundo momento, viabiliza a geração de métricas realistas para avaliar a qualidade dos cuidados perioperatórios. Essas métricas podem embasar diretrizes institucionais e melhorias nas práticas assistenciais.

O InfectoPrev é uma inovação no processo de diagnóstico precoce de ISC. Possui alta complexidade e com potencial de aplicação em âmbito nacional. Além disso, sua metodologia é replicável para outros processos de investigação em saúde.

 

* Artigo extraído da Dissertação de Mestrado “Aplicativo móvel para vigilância pós-alta de infecção de sítio cirúrgico”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Prática do Cuidado em Saúde do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil, em 2022.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

FINANCIAMENTO

O presente trabalho foi financiado pelo Acordo de Cooperação Técnica nº 30/2016, firmado entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), conforme previsto no Edital 28/2019.

 

REFERÊNCIAS

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Submissão: 06-Abr-2024

Aprovado: 03-Nov-2024

 

Editores:

Ana Carla Dantas Cavalcanti (ORCID: 0000-0003-3531-4694)

Paula Vanessa Peclat Flores (ORCID: 0000-0002-9726-5229)

Thalita Gomes do Carmo (ORCID: 0000-0002-5868-667X)

 

Autor correspondente: Núbia Souza Correia (E-mail: nubiacorreia9@gmail.com)

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Correia NS, Cruz EDA.

Obtenção de dados: Correia NS, Cruz EDA.

Análise e interpretação dos dados: Correia NS, Cruz EDA, Pontes L

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Correia NS, Cruz EDA, Pontes L, Araujo TM, Antunes BCS, Silva FML.

Aprovação final do texto a ser publicada: Correia NS, Cruz EDA, Pontes L, Araujo TM, Antunes BCS, Silva FML.

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Correia NS, Cruz EDA, Pontes L, Araujo TM, Antunes BCS, Silva FML.

 

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