Nursing diagnoses identified  in homeless women.

 Diagnósticos de enfermagem  identificados em mulheres em situação de rua.

 Luciana Rossani Tiradentes 1; Rosa Aurea Quintella Fernandes 2

 1 Universidade Camilo Castelo Branco, SP, Brasil. 2 Universidade Guarulhos,Guarulhos,Brasil. 

Resumo:Estudo descritivo exploratório com abordagem quantitativa que teve como objetivo: identificar os diagnósticos de enfermagem em mulheres moradoras de rua, utilizando como estrutura básica os domínios e classes da Taxonomia II da NANDA.  A amostra foi constituída por 40 mulheres moradoras de rua que freqüentam instituições filantrópicas no centro da cidade de São Paulo.Os dados foram coletados no período de trinta e um de janeiro a trinta e um de julho de 2006.Foram identificados 41 diagnósticos de enfermagem,os mais freqüentes foram: manutenção ineficaz da saúde(80%); dentição prejudicada (78%); constipação(35%).Foram identificados, ainda 30 diagnósticos prováveis, uma vez que houve dificuldade em identificar com clareza as características definidoras e fatores relacionados. Além disto, foram identificadas outras situações muito peculiares a esta população, em sua maioria, de caráter social que não foram incluídas nos diagnósticos identificados, nem nos prováveis, pois faltaram elementos para classificá-los.

Palavras-chave: Diagnóstico de enfermagem ; sem teto;pobreza;saúde da mulher 

Abstract: An exploratory descriptive study with a quantitative approach whose objective were: to identify the nurses’ diagnoses in homeless women, using the domains and classes of the NANDA Taxonomy II as its basic structure. The sample was composed of forty homeless women, who attend philanthropic institutions in the downtown area of the city of São Paulo. The data were collected between January thirty first and July thirty first of 2006. As for the diagnoses, forty-one classified by the NANDA Taxonomy II were identified. The ten most frequent diagnoses were: inefficient health maintenance (80%); damaged dentition (78%); constipation (35%).We identified thirty other diagnoses, which we decided to call probable, since the defining characteristics and related factors did not match the NANDA Taxonomy. Moreover, other very particular situations were identified in this population; most of them were of a social character, which had neither been included in the identified diagnoses nor in the probable ones, due to the lack of elements to classify them.

Keywords ; Nursing diagnosis; homeless persons; poverty; women’s health 

Introdução 

O Brasil está situado entre uma das dez maiores economias industriais do mundo, entretanto, apresenta uma das piores distribuições de renda do planeta e é conhecido internacionalmente por ser uma das sociedades mais desiguais ou injustas onde a diferença na qualidade de vida de ricos e pobres é imensa1.

A desigualdade social, a má distribuição de renda e a falta de emprego conduzem o indivíduo a uma condição de impossibilidade de gerar o mínimo para a sua sobrevivência, o que pode ser caracterizado como pobreza.

            O conceito de pobreza é polêmico e relativo. Para alguns é quantificável e pode ser aferida  em termos de renda diária per capita e depende do índice que se adote para traçar a linha divisória entre pobres e não pobres. A linha de pobreza superior é arbitrariamente estabelecida em renda per capita de US$1 por dia2. 

Escorel3 considera dois conceitos de pobreza, a pobreza relativa e a pobreza absoluta. A falta de recursos ou de consumo em relação a padrões usuais ou aprovados do que é considerado essencial, pela sociedade, para uma vida digna, é denominada pobreza relativa. Enquanto que pobreza absoluta significa não ter acesso aos bens e serviços essenciais, é o afastamento de um mínimo necessário à manutenção da sobrevivência física de um indivíduo.

O fato é que a desigualdade social no Brasil é tão gigantesca quanto o seu território. O número de pessoas que vivem em condições de pobreza é alarmante e a perspectiva de recrudescimento da situação de exclusão não é das mais promissoras 4.

“No país a exclusão social é essencialmente caracterizada pela existência de milhões de brasileiros vivendo em condições de miséria extrema.” 5

“A fome é exclusão. Da terra, da renda, do emprego, do salário, da vida e da cidadania. Quando uma pessoa chega a não ter o que comer, é porque tudo o mais lhe foi negado.” Hebert de Sousa, apud Escorel. 5

A falta de condições de se reerguer econômica e socialmente leva as pessoas, gradativamente, a perderem sua cidadania, e caminharem para a exclusão e para a situação de rua.

A existência da população de rua é um aspecto grave da extrema pobreza, representando a linha final de um processo crônico de empobrecimento. Essa população é altamente vulnerável a múltiplos fatores de risco para a saúde, os quais estão associados à sua condição. Seus problemas físicos e mentais podem, em parte, ser explicados por sua condição desfavorável de vida 6.

      As pessoas que passam pelo processo de ruptura social acumulam problemas de todo tipo, o afastamento do mercado de trabalho, problemas de saúde, falta de moradia, perda de contato com a família, ou seja, uma sucessão de fracassos.

A definição de população de rua não é fácil, pois envolve uma multiplicidade de situações e condições pessoais, assim como arranjos diversos para solucionar as questões diárias relativas à subsistência como moradia e alimentação 7.

A rua pode ter pelo menos dois sentidos: o de se constituir num abrigo para os que sem recursos dormem circunstancialmente sob marquises de lojas, viadutos ou bancos de jardim ou pode constituir-se em um modo de vida, para os que já têm na rua o seu hábitat e que estabelecem com ela uma complexa rede de relações. Uma classificação para permanência na rua seria: ficar na rua: circunstancialmente; estar na rua: recentemente; ser de rua: permanentemente 8.

A problemática da exclusão e da pobreza está fortemente vinculada ao gênero, a mulher é excluída nos dois sentidos: gênero e pobreza.

Segundo as Organizações das Nações Unidas, 70% dos pobres do mundo são mulheres que sofrem todo tipo de discriminação desde a dificuldade de acesso à educação, ao emprego, até a adequada capacitação para o trabalho entre outras. 9

As questões gênero e pobreza têm conseqüências graves  sobre a saúde das mulheres porque, de maneira geral, elas têm menos fontes de recursos do que os homens. A Organização Mundial de Saúde estima que 60% das mulheres nos países pobres são mal nutridas e conseqüentemente anêmicas, o que aumenta sua predisposição a agravos em relação à saúde 4.

Fatores associados ao gênero influenciam a saúde da mulher, independentemente da cultura ou classe social em que ela está inserida. Assim, a coerção e a violência sexual, incluindo o estupro, a esterilização involuntária, o aborto, representam sérios riscos à saúde das mulheres, potencializados pela impossibilidade econômica das mulheres excluídas 4.

A exclusão ligada ao gênero traz duras conseqüências especialmente para meninas e mulheres, porque elas têm menos fontes do que seus equivalentes masculinos, em todas as idades.

A exclusão social tem sido motivo de inquietações para mim  desde a adolescência por estar desde esta época em contato com obras de assistência social voltadas à população carente, onde desenvolvo trabalho voluntário, com moradores de rua da cidade de São Paulo.

O atendimento que realizo como voluntária não está estruturado  e percebi que não poderia continuar oferecendo aos assistidos apenas, medicamentos ou cuidados curativos de maneira isolada e esporádica, pois a situação tomou outros contornos em decorrência do Curso de Mestrado em Enfermagem que realizei.

 No Mestrado surgiu meu interesse em realizar uma pesquisa que agregasse duas disciplinas cursadas: sistematização da assistência de enfermagem (SAE) e o cuidar da mulher socialmente excluída, e que se relacionam com as atividades que  desenvolvo  como voluntária.

Com uma nova perspectiva sobre  exclusão , acreditei ser  imperativo conhecer as necessidades de saúde das pessoas moradoras de rua visualizando-os  em sua totalidade, oferecer orientações e dar continuidade à assistência.

 Assim, para que isto ocorresse seria preciso implementar a sistematização da assistência de enfermagem para acompanhá-los, pois sua aplicação possibilita identificar, e predizer como a clientela responde aos problemas de saúde ou aos processos vitais, possibilitando determinar que aspectos necessitam de nosso cuidado profissional, para alcançar resultados pelos quais somos responsáveis.10

Como o trabalho de voluntária era com mulheres moradoras de rua, decidi trabalhar somente com a mulher para melhor delinear o estudo e trazer à tona os problemas implícitos ao gênero.

Acredito que com a consulta de enfermagem estruturada, teremos condições para identificar as necessidades cuidativas e os diagnósticos de enfermagem mais freqüentes nesta parcela excluída da população.

Objetivo

Identificar os diagnósticos de enfermagem em mulheres moradoras de rua, utilizando como estrutura básica os domínios e classes da Taxonomia II da NANDA.  

Método

Estudo descritivo-exploratório com abordagem quantitativa, que foi realizado na Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP), Sede Santo Amaro, (região central do Município de São Paulo) e Casa de Convivência Metodista do Povo de Rua, situado no bairro da Liberdade. Estas instituições prestam assistência a pessoas  em situação de exclusão, servem refeições, permitem o pernoite, oferecem medicamentos aos que necessitam e cuidados de saúde isolados, como curativos. A assistência é desenvolvida por profissionais de saúde voluntários, mas não está estruturada ou sistematizada. Como voluntária da instituição decidi estruturar a assistência de enfermagem, montei um consultório, desenvolvi os instrumentos para a consulta de enfermagem e iniciei o atendimento. Na elaboração do histórico de enfermagem para as consultas de enfermagem para as  mulheres moradoras de rua, utilizou-se como base estrutural os Domínios e Classes propostos pela Taxonomia II da North American Nursing Diagnosis Association (NANDA)11, tendo em vista que os estudiosos do Sistema  de Assistência de Enfermagem (SAE) recomendam que os instrumentos de coleta de dados, para a consulta de enfermagem, sejam orientados por um referencial teórico que viabilize a delimitação e abrangência dos dados a serem coletados.12 .

A população da pesquisa foi constituída  por todas as  mulheres que freqüentam as duas instituições descritas anteriormente.

A amostragem foi por conveniência e dela participaram as mulheres, carentes, que solicitaram atendimento (demanda espontânea) no período de trinta e um de janeiro a trinta e um de julho do ano de dois mil e seis, período estabelecido para a coleta de dados.

A amostra constou  de quarenta mulheres que atenderam aos seguintes critérios de elegibilidade:

- Ser moradora de rua, estar em albergue ou ocupação;

- Ter no mínimo 18 anos;

- Não estar gestante;

- Aceitar que os dados de sua consulta,  fossem utilizados no estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As mulheres gestantes que passaram em consulta de enfermagem, não foram incluídas na amostra, pois a gravidez representa por si só uma fase na vida da mulher que envolve profundas modificações físicas e psíquicas. 

Atendendo a Resolução 196/96 que regulamenta a pesquisa com seres humanos, o projeto da pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Guarulhos( SISNEP/124). Em cumprimento às demais exigências éticas, foi solicitada autorização formal às instituições onde a pesquisa foi realizada e, como já referido, as mulheres que passaram por consulta de enfermagem foram informadas da utilização do impresso da consulta para a pesquisa, e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. 

Resultados

Pode-se dizer que as participantes desta investigação caracterizam-se pelo nomadismo e pela transitoriedade, tanto no que se refere ao local de moradia, como de trabalho13. Por isso, é importante a apresentação de seu perfil, que poderá servir para comparações em trabalhos realizados futuramente, com populações semelhantes.

Tratou-se de mulheres na faixa etária entre 19 e 63 anos, com  média de 41,2 anos de idade, sendo que o  maior percentual  encontra-se  entre 30 e 39 anos. As de  cor branda corresponderam a  37,5%,  as negras a 35% e  as pardas a 27,5%.

 No que tange ao estado civil 60% referiram ser solteiras. O nível de escolaridade destas mulheres era baixo, pois a maioria (55%), ou era analfabeta (15%) ou não completou o ensino fundamental (40%).

Quanto à procedência 57,5%, procederam das regiões Sul / Sudeste do país, 25% das regiões Norte/ Nordeste, 5% da região Centro-Oeste e 7,5% eram estrangeiras.

Ao que se refere ao número de filhos a maioria (60%) tinha filhos, 65% estavam desempregadas  e sem nenhuma atividade que pudesse lhes garantir o mínimo para a subsistência, 27,5%  tinham atividades informais como catadoras de material de reciclagem ou vendedoras  de artesanato entre outras e 7,5% eram aposentadas.

O desemprego se inscreve em mais um dos problemas sociais vividos por homens e mulheres no Brasil e atinge, especialmente as mulheres e entre elas, mais intensamente as mulheres negras. O desemprego de mulheres negras em 2000, era 25%.2  

A concepção do descarte social aproxima as pessoas do lixo urbano e tal fenômeno pode estar relacionado com o aumento do número de pessoas que passaram a sobreviver com os materiais descartados pela cidade.14

O trabalho torna-se, ao lado da questão da moradia, sempre uma referência na fala das “moradores de rua”, que procuram fazer notar que há algum tempo estavam empregadas e continuam a buscar a possibilidade de se empregarem novamente.

A inserção dentro do circuito rua/ albergue, a própria deterioração da apresentação pessoal e a ausência de endereço, entretanto, tornam-se obstáculos para a recuperação do emprego 14.

Quanto ao tempo que estão vivendo na rua, para metade das mulheres (50%) a situação de rua ocorria há menos de 2 anos, sendo que para (27,5%) esta situação era relativamente nova, pois perdurava há menos de 1 ano, o que demonstra que estas pessoas, não há muito tempo, possivelmente tinham condições de manter um teto, um abrigo, por mais precárias que fossem as condições. Para (25%) das mulheres o tempo de rua variava entre 3 e 10 anos e (15%) viviam nesta situação há mais de 11 anos, sendo que a média foi de 5 anos, com uma variação  de 1 a 34 anos.

Uma média de 5 anos para estas mulheres viverem na rua pode significar que  as políticas públicas e os programas sociais não estão sendo efetivos.

Os programas sociais desenvolvidos neste contexto trazem a marca ideológica do descarte social de uma população que é tratada como excedente. São programas marcados pela institucionalização de práticas que visam à retirada destas pessoas das ruas, oferecendo, entretanto poucas possibilidades de uma reestruturação para suas vidas.14

Na Tabela 1 encontram-se os resultados dos  problemas de saúde referidos pelas mulheres que compuseram a amostra. 

Tabela 1. Número e percentual das patologias e problemas de saúde  referidos, pelas

                 mulheres moradoras de rua.São Paulo- 2006

VARIÁVEIS

 

 

Patologias ou problemas de saúde referidos

N

%

Anemia

14

35

Hipertensão Arterial

10

25

Tuberculose

4

10

HIV/Aids

3

7,5

Diabetes Mellitus

2

5,0

Hepatite B

2

5,0

Colesterol

2

5,0

Candidíase

2

5,0

Colelitíase

1

2,5

Hepatite C

1

2,5

Asma

1

2,5

Câncer de mama

1

2,5

Vitiligo

1

2,5

Fibromialgia

1

2,5

Jogadora patológica

1

2,5

Rinite alérgica

1

2,5

Mioma útero

1

2,5

Labirintite

1

2,5

Bronquite

1

2,5

 

 

Os problemas de saúde mais referidos por elas foram: anemia (35,0%), hipertensão arterial (25,0%) e tuberculose (10,0%), HIV (7,5%),  doenças previamente conhecidas, com ou sem tratamento relatado.

Apesar dos problemas de saúde e de muitas terem referido dependência a substâncias nocivas ao organismo, apenas  47,5% das mulheres caracterizaram sua saúde como regular. Isto porque elas têm uma visão distorcida do que seja o processo saúde-doença, pois só acreditam estarem realmente doentes quando não conseguem mais andar, em situações graves ou emergenciais.

 

Tabela 2. Número e percentual de mulheres moradoras de rua que referiram
dependência de  substâncias nocivas à saúde. São Paulo- 2006

Dependência  Referida

N

%

Drogas (maconha, cocaína, crack)

2

5,0

Bebida alcoólica

13

32,5

Tabaco

21

52,5

Ex usuária de drogas

7

17,5

Ex usuária bebida alcoólica

7

17,5

Ex  tabagista

3

7,5

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na literatura, os problemas de saúde mais citados, na população de rua, estão em geral ligados ao alcoolismo e ao uso de drogas. Neste estudo o alcoolismo foi referido por 32,5% das mulheres que fizeram parte da amostra e o uso de drogas por 5% delas.

Trabalho desenvolvido refere que mais da metade da população de rua é atingida  pelo problema de álcool e droga. 15  Talvez, no presente estudo o fato de não ter havido tempo para o estabelecimento de vínculo entre a pesquisa e as mulheres, este dado esteja  mascarado, assim como sua real magnitude, sobretudo no que diz respeito ao uso de drogas.

O abuso de substâncias químicas é um fator importante na população estudada, mas não é identificado por elas  como um problema de saúde, representa no  relato das mulheres “uma maneira de esquecer, de apagar um pouco os problemas, fugir desta vida que levam.”

No que tange aos diagnósticos de enfermagem foram identificados 41  diagnósticos, com   uma média de 4,5 por mulher.

Há que se ressaltar que no processo de identificação dos diagnósticos percebeu-se que muitos dados não encontraram ressonância na linguagem utilizada para a classificação dos diagnósticos, talvez por tratar-se de uma população com características bastante diversas das que serviram de parâmetro para a construção da classificação da NANDA. Estão demonstrados abaixo  os dez diagnósticos  mais freqüentes e apresentadas, apenas as características definidoras dos três mais freqüentes.

 

Quadro 1. Demonstrativo do número e freqüência dos dez diagnósticos mais encontrados. São Paulo - 2006

 O diagnóstico com maior percentual de ocorrência (80%) foi Manutenção ineficaz da saúde. Para a formulação deste diagnóstico foram identificados as seguintes características definidoras e fatores relacionados: dificuldade relatada de conseguir atendimento médico por impossibilidade de agendar consulta em unidade básica de saúde (UBS); desconhecimento de alguns aspectos básicos relacionados à prevenção e promoção da saúde; relato de não procurar atendimento de saúde por não julgar necessário ou por falta de vontade; déficit de conhecimento por dificuldades relacionadas ao analfabetismo; falta de busca de atendimento de saúde por referir  que nunca obtêm o remédio que necessita nas UBS e falta de recursos para aquisição de medicamentos; discriminação no atendimento pelos profissionais de saúde e prejuízo observado dos sistemas de apoio pessoais.

O percentual deste diagnóstico foi elevado (80%), pois há um direcionamento deficitário das políticas públicas na promoção da saúde desta parcela da população e o atendimento é comumente precário, seja pelo preconceito do profissional de saúde, que encontra dificuldade em se relacionar com os moradores de rua, seja pelo tratamento proposto. As recomendações e intervenções propostas são praticamente inviáveis para estas pessoas  por suas condições de vida, padrão de higiene e horários estabelecidos para  os medicamentos.

O segundo diagnóstico de enfermagem mais freqüente foi dentição prejudicada. Os aspectos que envolvem esse diagnóstico na população de rua são: higiene oral ineficaz ou ausência de higiene devida a dificuldades ligadas à falta de ambiente para realizar o cuidado diário, déficits nutricionais, barreiras econômicas ou acesso ao cuidado profissional, hábitos alimentares, uso crônico de tabaco e café, déficit de conhecimento da saúde bucal.

As mulheres quando abordadas sobre este cuidado referiam que não tinham recursos para adquirir a escova ou local onde o cuidado pudesse ser realizado, “não tenho lugar para guardar a escova e muito menos lugar para escovar”. Muitas atribuíram dificuldade em conseguir se recolocar no mercado de trabalho pelo fato de terem a aparência prejudicada e um dos fatores que contribui para isto, é a ausência de dentes, está é parte da discriminação que elas  sofrem.

O diagnóstico de enfermagem constipação apresentou uma freqüência de (35%) e foi o terceiro mais encontrado.

Neste estudo, este diagnóstico está relacionado ás mulheres moradoras de rua com hábitos irregulares de refeições, refeições pobres em fibra, baixa ingesta hídrica, privacidade inadequada para evacuar, dentição e higiene inadequadas. O desconhecimento da necessidade de evacuação diária é freqüente entre elas.

Algumas mulheres relataram permanecer sem evacuar por até 15 dias. Uma dos fatores, fortemente ligado à identificação deste diagnóstico é a dificuldade de acesso à  alimentação, o que muitas vezes as conduz a uma alimentação errada.

 Assim, foi apontado por elas, por vezes descontentamento com a refeição servida nas instituições, pois alegam que não há variação do cardápio. “A sopa tem sempre o mesmo gosto” o que as leva a enjoar da refeição, com o passar do tempo. Desta maneira, embora a sopa ofereça nutrientes variados e importantes para sua nutrição e sustento, não satisfaz ao paladar. Isto leva algumas mulheres, mesmo em situações extremamente precárias, a cozinhar a própria comida.

Nas cozinhas improvisadas “mocós” (abrigo simples, esconderijo, barraco de baixo do viaduto) cozinham uma refeição “queima-lata” que na linguagem da rua significa refeições em grupo, cozida em lata de óleo. Estas refeições paupérrimas que se constituem apenas em feijão cozido, contribuem para o agravamento do problema, pois aumentam os períodos de constipação e pioram o estado nutricional das mulheres.

Foram identificados 26  situações que denominamos diagnósticos  “prováveis” , pois ao término da análise dos dados  não foi possível concluí-los, com base nos diagnósticos da Taxonomia da NANDA, por falta de pistas ou características definidoras, fatores relacionados e fatores de risco que os apoiassem e lhes dessem sustentação. No entanto, não poderia deixar de apresentá-los devido à sua importância na caracterização do processo-saúde doença desta população.

Na prática clínica, freqüentemente, a enfermeira tem que trabalhar com um número reduzido de manifestações, interpretando-as para afirmar um diagnóstico.16 No caso das mulheres moradoras de rua as manifestações além de serem reduzidas, em alguns casos, eram novas, diferentes das já descritas e não se encaixavam nas indicações da classificação adotada para este estudo, o que dificultou sua definição. 

Quadro 2. Número e freqüência dos diagnósticos nomeados como prováveis. São Paulo, 2006.

 

Além disto foram encontrados problemas (29) para os quais não existem diagnósticos na Taxonomia II da NANDA, mas  foram extraídos das entrevistas, são referidos pelas mulheres e foram considerados muito peculiares às que estão em situação de  rua.Assim, considerando-se sua relevância para esta população entendeu-se importante apresentá-los.

Quadro 3. Número e freqüência dos dados levantados nas consultas e não-classificados.São Paulo -2006

Dentre as situações consideradas peculiares a mais mencionada foi a busca diária de alimento em instituições filantrópicas como forma de sobrevivência e de satisfazer a necessidade humana básica de alimento (95%).

A expressão “itinerários terapêuticos” já é utilizada na saúde coletiva e está relacionada á procura de cuidados em saúde, realizados pela população de baixa renda como estratégia para solucionar seus problemas.17

Entretanto, na sua grande maioria o processo de deslocamento diário a procura de alimento foi marcante na pesquisa e em NANDA não foi encontrado um diagnóstico que representasse essa dificuldade. Talvez “itinerários de sobrevivência” na população de rua possa ser empregado para as situações de busca de alimentação, proteção, abrigo, higiene, e segurança, pois representa a estratégia utilizada por eles para sobreviverem na rua. 

Considerações finais

Trata-se de um estudo preliminar, tem lacunas a serem preenchidas  e os aspectos aqui discutidos são apenas um pequeno recorte de uma realidade muito mais ampla. Não é possível fazer generalizações e mesmo os diagnósticos identificados, devem ser confrontados em estudos semelhantes, que se recomenda, sejam realizados, pois muitos dados não puderam ser classificados e não foram identificados diagnósticos de enfermagem. O enfermeiro que optar por trabalhar com população de rua, deverá buscar conhecimentos suplementares à sua formação, pois o maior contingente de dificuldades destas pessoas está relacionado a problemas psicossociais, área em que sabidamente a formação básica do enfermeiro é falha.

Por outro lado, é fundamental o trabalho em conjunto com outros profissionais, na busca de soluções efetivas e não só paliativas para os inúmeros problemas. Na união de forças e conhecimentos, talvez seja possível dar esperanças e encontrar caminhos a muitos que estão sedentos de inclusão, ainda têm esperanças e sonhos a realizar. Eles são gente e têm direito a cidadania.

 Ser morador de rua pode, em si significa a escolha de um caminho de resistência, uma revolta pessoal, um agir anárquico, ou pode apenas significar um processo de marginalização do qual as perspectivas de desvencilhamento são praticamente inviáveis.

Trabalhar com morador de rua enquanto enfermeiro é assumir enquanto cidadão o compromisso com a saúde dos excluídos, no sentido de conhecer suas reais necessidades e de colaborar para fornecer apoio e promover o cuidar. 

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