Nursing care facing the recognition of patients’ belief or religion: undergraduates’ perceptions

O cuidado de enfermagem em face do reconhecimento da crença e/ ou religião do paciente: percepções de estudantes de graduação

El cuidado de enfermería delante del reconocimiento de la creencia y/o religión del paciente: percepciones de estudiantes de graduación

Janei Rabello de Souza 1 ; Mariluci Alves Maftum1; Dulce Dirclair Huf Bais1 

1. Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil. 

ABSTRACT: Descriptive-exploratory research carried out in 2006 with 10 nursing undergraduates from the tenth term. Data were collected by means of a semi-structured interview and results were organized in 5 theme-categories: Featuring subjects. The importance for human beings to believe in a superior entity. The nurse as a facilitator for patients to bond whatever may provide them strength to face suffering. Knowing and respecting patients’ belief / religion for effective nursing care. Students’ understanding of human beings’ spiritual dimension. It was evidenced that students value all forms of people’s spiritual expression and were concerned to deliver nursing care in human beings’ spiritual dimension, even those who stated not to have a specific belief or religion, acknowledged the significance of such care. They pointed out the importance of believing in a superior entity for human beings and man usually believes in something, in a god. They considered indispensable for nurses to help those who believe in something that make their lives meaningful, to connect with such a force in order to face and overcome crises, disease and even death. They pondered that an effective care deems necessary for caregivers to use empathy and by means of actions such as listening and talking, nurses may foster comfort and help for patients and their families, which is a significant expression of nursing care.

Keywords: Care; Students; Nursing; Religion; Belief.  

RESUMO: Pesquisa exploratória-descritiva, realizada em 2006, com 10 estudantes de décimo período de graduação em enfermagem. Coletou-se os dados mediante entrevista semi-estruturada e os resultados foram organizados em cinco categorias temáticas: Caracterização dos sujeitos. A importância da crença em um ser superior para o ser humano. O enfermeiro como facilitador para o paciente se ligar àquilo que lhe dá força para o enfrentar o sofrimento. Conhecer e respeitar o credo/religião do paciente para um cuidado de enfermagem efetivo. A compreensão do estudante quanto à dimensão espiritual do ser humano. Obteve-se que os estudantes valorizam todas as formas de expressão da espiritualidade da pessoa e que foram sensibilizados para prestar cuidado em enfermagem na dimensão espiritual do ser humano, mesmo aqueles que afirmaram não possuir um credo ou religião específica, reconheceram a relevância desse cuidado. Destacaram a importância da crença em um ser superior para o ser humano e que o homem, de uma forma geral, acredita em algo, em um “Deus”. Consideraram indispensável o enfermeiro ajudar a pessoa que tem fé e crê em algo que lhe dá sentido à vida, a conectar-se a essa força que poderá encorajá-lo no enfrentamento e na superação de crises, doença e mesmo da morte. Ponderaram que para que o cuidado seja efetivo é necessário que o cuidador utilize a empatia e que por meio de ações como escutar e dialogar, o enfermeiro pode promover conforto e amparo ao paciente e aos familiares sendo essa uma expressão importante do cuidado de enfermagem.

Unitermos: Cuidado; Estudantes; Enfermagem; Religião; Crença. 

RESUMEN: Esta es una investigación exploratoria y descriptiva, realizada en 2006, con 10 estudiantes de décimo periodo de graduación en enfermería. Los datos fueron recogidos por medio de entrevista semiestructurada y los resultados fueron organizados en cinco categorías temáticas: caracterización de los sujetos; importancia de la creencia en un ser superior para el ser humano; el enfermero como facilitador para el paciente recurrir a lo que le da fuerzas para enfrentar el sufrimiento; conocer y respetar el credo/religión del paciente para un cuidado de enfermería efectivo; la compresión del estudiante por la dimensión espiritual del ser humano. Se concluyó que los estudiantes valoran todas las formas de expresión de la espiritualidad de la persona y fueron sensibilizados a prestar cuidado en enfermería en la dimensión espiritual del ser humano. Mismo los que afirmaron no poseer credo o religión específica reconoceron la relevancia de ese cuidado. Se resaltó la importancia de la creencia en un ser superior para el ser humano y que el hombre, de una forma general, cree en algo, en un “Dios”. Se consideró indispensable la ayuda del enfermero a la persona que tiene fe y cree en algo que da sentido a su vida, a conectarse a esa fuerza que podrá encorajarlo en el enfrentamiento y en la superación de crisis, enfermedad e incluso la muerte. Se reflexionó que, para que el cuidado sea efectivo, es necesario que quien cuida utilize la empatía y que, por medio de acciones, como escuchar y dialogar, el enfermero puede promover confortación y amparo al paciente y a los familiares, siendo esa una expresión importante del cuidado de enfermería.

Palabras claves: Cuidado; Estudiantes; Enfermería; Religión; Creencia.

INTRODUÇÃO

A responsabilidade da formação de profissionais na área da saúde, especificamente na enfermagem, tem se constituído constante desafio, em que os formadores envidam contínuos esforços com expectativas e esperanças de que esses empenhos venham contribuir para a formação de profissionais mais observadores, reflexivos, empáticos e sensíveis aos problemas de sua clientela. É preciso, também, que estejam conscientes da responsabilidade que terão no cuidar de seres humanos, com diferentes graus de complexidade, carência, crenças e valores.

 Desse modo a formação do enfermeiro deverá contemplar as dimensões que envolvem o ser humano, inclusive a dimensão espiritual, pois cuidar do espírito expressa o cuidado com valores que dão sentido à vida e das significações que geram esperança para além dela, pois o ser humano possui características próprias que o tornam único e o diferenciam de todos os outros seres1.

         O ser humano é um ser histórico porque possui a capacidade de contemplar o seu passado e o seu presente, o que colabora para que os aspectos de sua vida estejam ligados à sua história e às estruturas sociais. Isto o revela como um ser multidimensional, bio-psico-sócio-político e espiritual. Esses aspectos, que estão presentes em todas as situações fisiológicas e patológicas de sua existência, acabam por afetar profundamente o ser humano pelas condições em que vive; contudo ele possui a capacidade de se fazer a si mesmo, por intermédio de escolhas esclarecidas2.

         Considerando essas características do ser humano, torna-se indispensável que durante a formação de graduação o estudante de enfermagem adquira conhecimentos que o auxiliem no entendimento de que o cuidado permeia a integridade, a espiritualidade, a sensibilidade da pessoa. Dessa forma, torna-se fundamental que o cuidador promova a realização dessas necessidades na sua integralidade, pois cuidar da saúde significa contemplar as dimensões do corpo, da mente e do espírito a fim de promover a totalidade humana1.

         É importante ressaltar que a dimensão espiritual faz parte da totalidade do ser humano, porém ele tende a mobilizá-la e a expressá-la de forma mais intensa quando experimenta situações de crise, pois se percebe que quando a experiência da vida humana atinge patamares que foram delimitados pela segurança e pelo controle das situações vividas, automaticamente se buscam outros sentidos para assegurar tranqüilidade, esperança, conforto e melhor perspectiva de vida. 

         Pode-se entender por busca desses outros mecanismos - os quais mantêm o ser humano o mais ligado possível com o mundo que o rodeia - os aspectos da fé e da esperança, a sua espiritualidade, que consiste em um elemento inato do indivíduo, que contribui para o equilíbrio da saúde, visto que a necessidade de cuidado espiritual se apresenta mais intensamente em face da dor, do sofrimento e da morte. Para o ser humano a morte é um processo de difícil enfrentamento, uma vez que provoca intenso rompimento entre quem morreu e aquele que continua vivo e a necessidade de adaptações na maneira de perceber, viver e encarar a realidade vivida4. Dessa forma, o enfermeiro necessita entender que nessas circunstâncias, a pessoa poderá apresentar maior urgência em expressar suas necessidades de cuidado na dimensão espiritual, pois esta é real e importante como qualquer outra e, é desejável que tal necessidade de cuidado seja satisfeita para que se obtenha o melhor estado de saúde3.

         A compreensão do significado dos termos: espiritualidade, religiosidade e misticismo podem colaborar para que os futuros os enfermeiros percebam e distingam as diferentes formas de expressões da dimensão espiritual do paciente, considerando que muitas vezes ele poderá se deparar com manifestações de religiosidade, ou de experiência mística como forma de expressão dessa dimensão, pois essa dimensão é uma perspectiva que o ser humano possui e que se manifesta pelas expressões de crenças, valores, atitudes, comportamentos e sentimentos quando esse se encontra em situação de crise que requer a mobilização de recursos internos para o seu enfrentamento.

        O estudante de graduação em enfermagem poderá se beneficiar em sua formação, se puder perceber durante os momentos de aulas práticas e estágios em que presta cuidado, quando e de que forma as expressões da dimensão espiritual se manifestam, pois os ideais do efetivo cuidado de enfermagem ocorrerão, quando os profissionais de enfermagem estiverem preparados para cuidar de forma a transcender o fazer técnico, percebendo as ações expressivas do cuidar.

         Com a compreensão de que a prática do enfermeiro é influenciada pelas vivências que teve desde o início de sua formação na graduação, é que me propus a desenvolver um trabalho com estudantes de graduação em enfermagem a respeito da temática da dimensão espiritual no cuidado de enfermagem. Assim, o objetivo deste trabalho foi: Conhecer como o estudante de graduação percebe a crença/religião do paciente na sua relação com o cuidado de enfermagem. 

METODOLOGIA

         Trata-se de uma investigação exploratória e descritiva desenvolvida em 2006. As pesquisas exploratórias e descritivas têm como objetivo principal a descrição das características de determinada população ou fenômeno5. Os sujeitos foram dez estudantes matriculados no décimo período do curso de Graduação em Enfermagem de uma Universidade pública do Paraná. A delimitação do número dos sujeitos aconteceu por saturação dos dados informados. A opção de entrevistar estudantes, em processo de finalização do curso de graduação, ocorreu por acreditar que estes tenham, ao longo do curso, mediante as aulas práticas e estágios, vivenciado o cuidado de enfermagem em variadas áreas.      

         O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, com registro: CEP/SD: 02-0254 SI (029) 064-06 (06) 08 FR: 103134, CAAE 0034.0.910.000-0. Os sujeitos foram esclarecidos a respeito das etapas da pesquisa, ressaltando que lhes era facultada a participação e garantido o sigilo e anonimato, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido atendendo a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

         Os dados foram obtidos por meio de entrevista semi-estruturada, as quais foram gravadas e transcritas pelo pesquisador. A entrevista semi-estrutura permite uma flexibilidade maior de expressão do sujeito e até encoraja que o entrevistado aborde de forma livre, os assuntos que vão emergindo com o desdobramento do tema principal4. A análise dos dados se deu a partir da proposta de Minayo6:234-8 com os seguintes passos: 1- Ordenação dos dados; 2 - Classificação dos dados e, 3 -  Análise final.

 

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

               Os resultados serão apresentados pelas categorias temáticas: A) Caracterização dos sujeitos. B) A importância da crença em um ser superior para o ser humano. C) O enfermeiro como facilitador para o paciente se ligar àquilo que lhe dá força para enfrentar o sofrimento. D) Conhecer e respeitar o credo/religião do paciente para um cuidado de enfermagem efetivo. E) A compreensão do estudante quanto à dimensão espiritual do ser humano.  

A - Caracterização dos sujeitos

        Dos 10 sujeitos entrevistados, nove são do sexo feminino e um do masculino e quanto a idade, estão entre 22 a 26 anos. Em relação ao credo e/ ou religião, a predominância é a católica (seis), seguido da evangélica (dois), espírita (um) e não possui religião (um). No Brasil, há uma diversidade de credos e/ ou pluralidade de crenças, mas a predominância é a religião católica (73,6 %), seguida das evangélicas (15,4%), em terceiro lugar os que relatam não possuir religião (7,4 %), em quarto a espírita (1,3%), coincidindo com os dados desse estudo. O recenseamento de 2000 indica que houve um crescimento da religião protestante em número de adeptos nas últimas décadas, e que o Brasil é hoje o país que agrega maior número de espíritas. Outro dado do censo é o aumento de pessoas que declaram não possuir religião, e ainda, que muitos praticantes de religiões afro-brasileiras e do espiritismo também se denominam católicos7.  

B - A importância da crença em um ser superior para o ser humano

         Nos relatos dos participantes ficou evidenciado que eles consideram importante a crença em um ser superior para o ser humano e que o homem, de uma forma geral, acredita em alguma coisa, em um “Deus”. A força que emana deste ser superior, auxilia a pessoa a vencer os obstáculos e os problemas da vida, fortalecendo-a para vivenciar os momentos de dificuldades, inclusive de doença. Os estudantes relataram que, quando cuidaram de pacientes acometidos por situações inesperadas de urgência e emergência, perceberam que havia uma intensificação de busca de ajuda na crença deste poder superior.

Todo mundo acredita em alguma coisa além da terra, então a gente pode alcançar um pouquinho dessa força, unindo o céu à terra, pois Deus está aqui. (E.5)

Eu creio que a maioria das pessoas tem necessidade de crer em alguma coisa, de ter fé, seja lá no que for, mas ter fé e crer em algo. (E.2)

No Pronto Socorro isso era visível assim que eles chegavam, você percebia que eles falavam muito em Deus; pelo desespero deles parece que só naqueles momentos eles se lembravam que Deus existia. (E.2)

Eu vejo que na hora do sofrimento as pessoas se reportam muito á questão espiritual; na UTI eu vejo terços e os pacientes rezam; eles pedem a Deus para melhorar para que possam retornar para seu lar. (E.8)

 

         Pode-se observar nos relatos dos participantes que eles atribuem a crença em um ser superior como algo inerente ao ser humano. Essa característica humana é descrita por Frankl8, ao conceber que o ser humano possui uma espiritualidade inconsciente e a definiu como sendo a parte da mente em que são tomadas as decisões mais autênticas da existência e que estas são produzidas nas regiões mais profundas do inconsciente humano. Continuando seus estudos, percebeu existir, dentro da espiritualidade inconsciente do homem, algo que ele denominou, uma religiosidade inconsciente, caracterizado por um relacionamento inconsciente com Deus, condição inseparável da pessoa, que muitas vezes permanece de forma latente. Para o autor, o inconsciente não é composto unicamente de elementos instintivos, mas também de elementos espirituais.

         Essas considerações permitem ao enfermeiro entender que o ser humano, apesar de muitas vezes não reconhecer ou concordar, possui uma capacidade de relacionar-se inconscientemente com valores religiosos. Assim, é importante que o enfermeiro por meio de detalhada observação esteja atento e pronto a suprir as expectativas do ser humano referentes a essas necessidades, providenciando meios para a concretização deste cuidado8

No estudo realizado com estudantes de graduação de enfermagem de uma universidade norte americana, encontramos o relato de uma experiência de cuidado na dimensão espiritual, em que uma paciente balbuciava repetidas vezes palavras aparentemente desconexas, apresentando agitação psicomotora e puxando os lençóis da cama, como se procurasse algo. Procurando aproximar-se uma estudante compreendeu que a paciente não estava falando inglês e sim francês canjun, no qual a estudante era fluente. Percebeu que a paciente estava pedindo e, ao mesmo tempo procurando seu terço que havia perdido entre os lençóis da cama. A estudante providenciou o rosário e indagou-lhe o que lhe dava forças naquele momento de sofrimento, uma vez que pela manhã o médico já havia comunicado à família que o prognóstico da paciente havia piorado, ao que lhe respondeu que era a oração. A estudante rezou o rosário com a paciente, que permaneceu tranqüila durante toda à tarde, vindo a falecer à noite9

O relato dessa experiência permite a compreensão de que a consciência transcende à simples condição humana e possibilita ao homem compreender melhor sua existência iniciando pela sua transcendência. O homem irreligioso ignora a transcendência da consciência do ser humano, apesar de possuí-la, contudo não a questiona, não vai além e não inquire pelo que é responsável ou de onde sua consciência procede, porém o ser religioso não se detém antes do tempo e busca sentido ao longo do caminho de sua vida8. 

C – O enfermeiro como facilitador para o paciente se ligar àquilo que lhe dá força para o enfrentar o sofrimento

         Ao explicitar a importância da crença em um ser superior, os estudantes externaram que o enfermeiro tem papel relevante em auxiliar a pessoa a conectar-se com aquilo que lhe dá força para prosseguir lutando. Consideraram importante ajudar a pessoa, que no seu âmago crê em algo, a se religar a essa crença, e que por meio dela pode obter forças para a superação de crises e problemas, principalmente no enfrentamento de doença. Ponderaram que o enfermeiro participa de forma decisiva dos conflitos e nas necessidades espirituais dos pacientes, e que para o cuidado tornar-se efetivo é necessário colocar-se no lugar do outro, o que caracteriza a empatia, que pode ser comunicada por meio de um sorriso. Ainda, que por meio de ações como escutar e dialogar, o enfermeiro pode promover conforto e amparo ao paciente e aos familiares e que essa é uma expressão importante do cuidado de enfermagem.

O enfermeiro pode alcançar como se fosse uma cordinha para que o paciente possa se ligar ao que ele crê. Você [se referindo à pesquisadora como enfermeira] e eu temos esse papel. (E.4)

Só fiquei conversando e escutando; A gente tem que conversar, tem que amparar, não tem que esperar pelo auxiliar de enfermagem. Creio que isso também é cuidado; Tem que cuidar no que ele está precisando. (E.10)

Acredito que o profissional tem que se colocar no lugar do paciente, porque a partir daí ele vai fazer aquilo que gostaria que fizessem para ele; se não for assim vira só técnica, como o curativo e, a parte humana é deixada de lado. (E.6)

Penso que quando chegar a hora de partir, o paciente vai querer ter alguém com ele; penso também na perda da família; acho que é espontâneo cuidar assim, não só na dimensão física; acho que o físico e o espiritual caminham juntos. (E.5)

A partir do momento que você faz qualquer coisa é possível ajudar o paciente. Só que hoje em dia a enfermagem não faz isso, não conversa com o paciente. Se você der um sorriso verdadeiro, poderá está ajudando a ele. (E.7)

 

Os estudantes atribuem importância à “pessoa” do enfermeiro, reconhecendo que a relação profissional acontece com pessoas, com um ser completo, de natureza racional e responsável por seus atos. Essa afirmação parte da premissa de que o ser humano é digno por seu valor intrínseco e que sua substancialidade e racionalidade humanas, identifica-o e o torna responsável por seus atos. Dessa forma o enfermeiro como cuidador da pessoa tem relevante papel, pois é ele que imprime a marca humanizante ou desumanizante na sua prática profissional, que é evidenciada pela relação de pessoa a pessoa que transcende a relação enfermeiro e paciente10.

Torna-se necessário, contudo, que o estudante possa captar que a atividade profissional é focada na pessoa que sofre. Há, portanto, necessidade de que, ao oferecer cuidado, a “pessoa” do profissional deva estar acima do profissional. Assim, deve ser dado realce à integração das dimensões do ser humano para que o enfermeiro possa cuidar daquele que necessita de cuidado como pessoa, pois a ausência dessa percepção poderá reduzir o relacionamento a uma relação meramente profissional10.

É indispensável que o enfermeiro tenha consciência dos sentimentos que poderão afetar o processo de interação e as ações planejadas para o cuidado com a pessoa, pois a ele cabe a responsabilidade do cuidado integral e não somente dirigido à parte do corpo em que há desequilíbrio. Reconhecer essa responsabilidade significa destacar que as relações interpessoais são essenciais para a prática de enfermagem e que, para tanto, o enfermeiro deverá concentrar suas habilidades interpessoais no relacionamento terapêutico com o paciente11.

         Nos relatos dos estudantes evidencia-se que, no cuidado de enfermagem, as atitudes de empatia são consideradas por eles como uma possibilidade de captar ou perceber a experiência de alguém. A comunicação empática poderá acontecer de forma verbal e não-verbal e envolve também a comunicação de emoções subjacentes do seu comportamento, nem sempre trazidas à consciência do paciente, sendo, portanto de suma importância para o enfermeiro, comunicar-se de forma empática. Outro aspecto a ser considerado e bem enfatizado pelos participantes é o “ouvir reflexivamente”, ação que demanda concentração da atenção para que o profissional possa focar-se no que o paciente está pretendendo comunicar, procurando abstrair-se de suas preocupações. Nesse sentido o foco deve ser a identificação dos pontos comuns que são referidos ou repetidos e que podem demonstrar sua inquietação10:79.

         É importante que o enfermeiro esteja sensível para captar as necessidades de cuidado espiritual do doente, de modo a prestar um cuidado integral, colaborando para que encontre sentido, mesmo em situações de doença, sofrimento, culpa e morte; contudo esse auxílio deve ser isento de atitudes que possam tendenciar a alguma religião ou credo.

         A teoria Frankliana colabora com essa temática enfatizando que o ser humano atinge a auto-realização a partir do momento que passa a esquecer-se de si próprio e a dedicar-se a amar a outrem ou a uma causa nobre; por esse motivo considera que a autotranscendência é a essência da vida do ser humano. Por meio dela o homem alcança a auto-realização que não se concretiza por um simples auto-realizar-se, mas sim no fato de que passará a concentrar sua energia e pensamentos em algo ou alguém que lhe dê sentido e a auto-realização passará a ter importância secundária. A mesma afirmação é feita pelo autor em relação à felicidade; ela se manifesta na medida em que o ser humano autotranscende2.

         O relacionamento que se estabelece entre o enfermeiro e o paciente colabora para que a profissional viva uma experiência única e verdadeira de autotranscendência, pois esse encontro é propício para que seja estabelecido a prática de autoexpressão. Contudo, se o enfermeiro desejar exercitar sua experiência técnica e o paciente limitar-se somente a receber cuidado técnico, não haverá troca e sim um relacionamento impessoal no qual não existe busca e nenhum sentido é encontrado. A relação de transcendência permite a ambos uma possibilidade de encontrar sentido que satisfaçam as necessidades de cada um, alcançado segundo Frankl, a capacidade de tornar-se verdadeiramente humano2

D – Conhecer e respeitar o credo/religião do paciente para um cuidado de enfermagem efetivo

         Para os estudantes é importante respeitar e buscar compreender a religião do paciente. A despeito de discordarem ou desconhecerem a religião dos pacientes, eles se esforçavam para evitar qualquer tipo de atrito gerado pela diferença de opinião a respeito do assunto. Procuravam dar conforto espiritual buscando falar de forma geral em “Deus” e não em determinada crença, respeitando os valores religiosos e espirituais de cada pessoa. Os relatos a seguir nos permitem conhecer um pouco de suas vivências.

Respeito muito qualquer religião, de qualquer pessoa, pois ela é livre para escolher. Vou dar força de qualquer maneira, vou buscar o que ela precisa, afinal ela tem que ir em frente não importa sua religião. (E.2)

Acho que não devo impor os meus valores, como por exemplo: que só Jesus Cristo é o certo, ou qualquer outra coisa que eu acredite. Se tiver alguém que queira se levantar da cama e ficar rezando em direção à Meca, ou que acredite em pirâmides, se for uma experiência importante para ele, eu vou respeitar. (E.1)

Eu ouvia os pacientes, mas não falava nada em relação a nenhuma religião, eu falava em Deus. Acho que cada um tem uma religião que deve ser respeitada e mesmo que ele tivesse a minha religião eu não tocava nessa parte. (E.2)

Acho que tinha que falar só em espiritualidade, em momento algum tocar em religião; assim, todo mundo poderia ser ajudado, porque é muito difícil encontrar alguém que seja ateu, que não acredite em nada. (E.4)

Religião já se sabe que não se deve discutir, então a gente tem que compreender e tentar levar para a crença em Deus. Todos pregam um Deus que é único, e as religiões, apesar de algumas diferenças, têm Deus em comum. (E.3)

Os pacientes falavam mais da religiosidade, já não era nem de espiritualidade e do significado que isso tinha na vida dele. (E.2)

        

        Quanto ao respeito às crenças e religiões das pessoas, Frankl7 enfatiza a importância de se respeitar o livre arbítrio, ou seja, a liberdade que o ser humano tem até para não aceitar estar ligado a Deus ou não. O homem religioso, mais do que outro qualquer deveria entender e aceitar a possibilidade da pessoa negar a existência ou sua dependência de Deus. Sendo assim, o enfermeiro deve aceitar a idéia de que a forma como o ser humano expressa sua crença, ou como ele se conecta com a dimensão espiritual é tão própria e específica como o é cada pessoa e expressar ou exigir provas lógicas da existência de Deus é inconcebível no cuidado de enfermagem na dimensão espiritual.

         Dessa forma, o homem não religioso poderá revelar-se reticente a qualquer demonstração de transcendência em relação à situação que vivencia, pois sente que seu equilíbrio pauta-se na facticidade psicológica. Ao buscar o significado final da vida, o homem não religioso não chega ao âmago da questão por temer buscar aquilo que não consegue ver. Já o homem religioso poderá se aventurar por meio da fé a adentrar nessa atmosfera2. Em virtude disso, a pessoa religiosa apoiará e respeitará a decisão de seu próximo de não continuar buscando sentido, pois ele vai respeitar a liberdade de escolha de cada um, mesmo que seja descartada qualquer possibilidade de abordagem religiosa2.

         Nesse olhar, a análise existencial, que para Frankl representa a existência humana na dimensão espiritual, entende que a liberdade vai além da oratória, ela existe por meio das atitudes, dos comportamentos e da própria maneira de existir. O enfermeiro, portanto, deverá estar atento às diversas formas de expressão das subjetividades pessoais relativas à dimensão espiritual do ser humano, pois é possível, por exemplo, que apesar de não aparentar necessidade de falar de um “deus” alguns ateus ou agnósticos não se melindrem em aceitar a transcendência; por outro lado, existirão aqueles que utilizarão naturalmente a palavra Deus para expressar sua transcendência7.

         Nessa altura, é importante ressaltar que o enfermeiro que presta cuidado espiritual esteja consciente de que esse cuidado, por vezes, está associado às práticas confessionais, voltado para a experiência cristã de cada um. Vale destacar que quando isso ocorre, a pessoa cristã está sendo priorizada em detrimento da não cristã, sendo necessário que o cuidado espiritual seja oferecido despreconcebidamente, livre de dogmatismos, a fim de atender tanto o ser humano religioso como o irreligioso2.

         Existe uma evidente proximidade entre religiosidade e espiritualidade, contudo elas não se equivalem, pois a prática religiosa pode ser incompatível com a espiritualidade e até mesmo a excluir. A espiritualidade independe de práticas religiosas. Por envolver a plenitude da existência da pessoa como ser espiritual, a espiritualidade vai muito mais além do que a religiosidade7. E espiritualidade equivale a uma tenda de proteção, em que estão abrigadas a religiosidade e as necessidades espirituais2. 

E - A compreensão do estudante quanto à dimensão espiritual do ser humano

         Os estudantes referiram-se à importância do conforto ao pacientes, durante o cuidado de enfermagem, entretanto nos seus relatos, fica evidente a ênfase da menção no psicológico como sendo conforto na dimensão espiritual. Assim, observa-se que eles demonstram dificuldade na compreensão da dimensão espiritual como uma dimensão diferenciada da psicológica. Percebe-se ainda que os sentimentos relacionados à dimensão psicológica, às crenças e às expressões de religiosidade se equivaliam, e que as manifestações e comportamentos indicativos de alteração emocional também eram concebidos como manifestação da dimensão espiritual. A maioria dos alunos não diferenciou uma dimensão da outra; houve os que mostraram ter compreensão dessa diferença, mas ponderaram que cuidavam somente na dimensão psicológica por não se sentirem preparados para tal. Essa dificuldade na compreensão das dimensões específicas do ser humano, bem como as expressões delas advindas e, o fato de o paciente ter uma religião diferente do estudante, imprimia-lhes insegurança na decisão de prestar cuidado espiritual.

Quando você está tratando da dimensão psicológica, acredito, que está tratando também a espiritual, pois as duas andam juntas; eu não estou conseguindo diferenciar a dimensão psicológica da espiritual. (E.3)

A gente aborda o paciente infelizmente mais na dimensão biológica, talvez na psicológica, social, mas a abordagem espiritual é um pouco deixada de lado, nunca abordei um paciente nessa dimensão. (E.6)

Compreendo que a questão espiritual acontece quando você aborda especificamente para falar da religião da pessoa. Acho que isso é um bloqueio para mim, pois sou evangélico e o paciente pode ser católico, ou muçulmano e posso estar falando alguma coisa da minha religião em que ele não acredita. (E.6)

Foi muito difícil para eu enfrentar a morte do paciente; a professora até falou que o paciente estava morrendo, e ensinou a identificar os sinais. Mas para o cuidado espiritual a gente não recebe suporte, nem o paciente. (E.1)

Se o paciente está vivendo um momento difícil, e já não acredita em mais nada e a gente vai falar em Deus, em espiritualidade, ele pode se revoltar. (E.7)

         O ser humano possui uma tridimensionalidade: a dimensão biológica, que envolve o organismo e seus processos fisiológicos; a dimensão psicológica com seus impulsos, emoções, instintos, sensações, padrões comportamentais e costumes sociais; e a dimensão espiritual que é o núcleo das dimensões humanas, considerada Frankl, como a dimensão especificamente humana (no sentido noético mente/espírito), na qual se revela a instância livre do ser humano. Cada dimensão caracteriza a totalidade em determinada especificidade, sem perder a interligação das dimensões que determinam a unidade do ser humano. O homem, não é pré-determinado, mas tem a capacidade de decidir espiritualmente o destino de seus impulsos2.

         O espírito não adoece. Ele é uma força potencial que colaborará no processo de transição da doença e que sustentará a estrutura física e emocional, uma vez que a dimensão espiritual apoiará o ser humano no enfrentamento da doença.  A ”Força de obstinação do espírito”, termo utilizado por Frankl, poderá proteger o homem de pré-condições psicofísicas e dessa forma, a doença que atinge o psicofísico da pessoa com conseqüentes alterações no organismo, não atingirá a dimensão espiritual, pois mesmo havendo abatimento psicológico, essa força definirá a maneira como o ser humano passará a enfrentar as adversidades da vida2.

         Como já citado anteriormente, a compreensão da dimensão espiritual do ser humano em sua experiência de vida, não representa uma simples análise da existência humana, mas dirigida para a existência da existência, em virtude disso surge no lugar do automatismo psíquico a autonomia da existência espiritual. A busca de sentido e valores é impulsionada pela dimensão espiritual, que contribui para a realização humana seja por meio do amor, da criatividade e mesmo em decorrência das vivências de sofrimento do ser humano2.

         A análise existencial do ponto de vista antropológico direciona o sentido da vida, o que a torna diferente de uma análise existencial pura e simples, que enfatiza a existência no sentido do esclarecimento do ser; a análise existencial vai além do esclarecimento das realidades do ser, em busca das possibilidades de sentido. Essa análise não concebe o ser humano somente nas esferas biológica e psicológica, mas visa conhecer melhor a essência desse ser e do que é humano2.       

         O espiritual se constitui de dupla maneira: o logos, que é subjetivo e a existência. Logos diz respeito ao subjetivo e pode tanto significar sentido como espírito, e para o autor o ser humano tem necessidade de buscar seu sentido de vida muito além da dimensão psicofísica. Por meio de sua existência, o homem pode tornar-se consciente de sua liberdade e de assumir a responsabilidade por sua liberdade de escolha2.

            A primeira forma de descobrir sentido na vida ocorre quando o ser humano experimenta a sensação de que tem algo a dar ao mundo e pode colaborar com seu desenvolvimento por meio dos valores da criatividade. A outra maneira vai além da possibilidade de poder dar algo, pois ele também pode vivenciar os valores por meio de suas experiências. A última possibilidade de descobrir sentido na vida ocorre quando as circunstâncias forçam o homem às suas limitações físicas, psicológicas e sociológicas, em que a pessoa se encontra impossibilitada de realizar seus valores. Essa realidade é determinante para que haja um posicionamento frente às vicissitudes da vida em que há predominância de situações de crise2 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

        Os estudantes externaram valorização de todas as formas de expressão da espiritualidade da pessoa, pois evidenciaram por meio de seus relatos, que foram despertados e sensibilizados para o oferecimento do cuidado em enfermagem na dimensão espiritual do ser humano, uma vez que mesmo aqueles que afirmaram não possuir um credo ou religião específica, posicionaram-se na relevância desse cuidado.

Destarte, também os estudantes afirmaram que consideram importante a crença em um ser superior para o ser humano e que o homem, de uma forma geral, acredita em alguma coisa, em um “Deus”. A força que emana deste ser superior, auxilia a pessoa a vencer os obstáculos e os problemas da vida, fortalecendo-a para vivenciar os momentos de dificuldades, inclusive de doença, pois quando os pacientes são acometidos por situações inesperadas como as de urgência e emergência, puderam perceber que havia uma intensificação de busca de ajuda na crença deste poder superior.

         Essas considerações permitem ao enfermeiro entender que o ser humano, apesar de muitas vezes não reconhecer ou concordar, possui uma capacidade de relacionar-se inconscientemente com valores religiosos. Dessa forma é importante que o profissional por meio de detalhada observação esteja atento e pronto a suprir as expectativas do ser humano referentes a essas necessidades.

         Ponderaram que o enfermeiro, na sua prática profissional, participa dos conflitos e das necessidades espirituais dos pacientes; para tanto consideraram indispensável o enfermeiro ajudar a pessoa que tem fé e crê em algo que lhe dá sentido à vida, a conectar-se a essa força que poderá encorajá-lo no enfrentamento e na superação de crises, da doença e mesmo da morte. Dessa forma, consideraram que o cuidado de enfermagem deve ser oferecido de forma empática, podendo ser expresso por intermédio do toque, do diálogo, da comunicação não-verbal, da escuta, do sorriso, que deverão ser realizados de forma sincera e interessada. Ainda, que por meio de ações como escutar e dialogar o enfermeiro pode promover conforto e amparo ao paciente e aos familiares sendo essa uma expressão importante do cuidado de enfermagem.  

REFERÊNCIAS

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3. Daniel LF. Atitudes interpessoais em enfermagem. São Paulo: EPU; 1983.

4. Carvalho LS, Silva CA, Santos ACPO, Olivieira MA, Portela SC, Regebe CMC. Percepção de morte e morrer na ótica de acadêmicos de enfermagem. OBJN 2006; 5(3). Disponível em:  http://www.uff.br/objnursing/index.php/nursing/article/view/507/116

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11. Stefanelli MC, Carvalho EC, organizadores. A comunicação nos diferentes contextos da enfermagem. Barueri: Manole; 2005.

 

Nota: Artigo a partir da Dissertação “A dimensão espiritual no cuidado de enfermagem: vivência do estudante de graduação”. Defesa. 2006.

Endereço para correspondência: Mariluci Alves Maftum. Rua Dr. João ClementeTesseroli, 90 – Jardim das Américas – Curitiba-PR. CEP: 81.520-190. Telefone: (41) 9921-9887/3360-72509. maftum@ufpr.br

  Contribuição dos autores:- Concepção e desenho: Janei Rabello de Souza; Mariluci Alves Maftum; Dulce Huf - Análise e interpretação: Janei Rabello de Souza; - Escrita do artigo: Janei Rabello de Souza; Mariluci Alves Maftum - Revisão crítica do artigo: Mariluci Alves Maftum,  Dulce Huf - Aprovação final do artigo: Mariluci Alves Maftum,  Dulce Huf - Colheita de dados: Janei Rabello de Souza - Pesquisa bibliográfica: Janei Rabello de Souza; Dulce Huf