Integrality and attention to the population’s health care in brazilian district. A qualitative study 

La integridad y la atención a la salud de la población en distrito brasileño. Un estudio cualitativo

A integralidade e a atenção à saúde da população em distrito brasileiro. Um estudo qualitativo

 Selma Maria da Fonseca Viegas *; Cláudia Maria de Mattos Penna * 

* Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. 

Abstract: This is a qualitative case study which aimed to describe the conceptions of health-illness and the needs for attention to the population’s health care discussing them under the Integrality principles and the implantation of the Family Health Care strategy. The setting of this research was a Jequitinhonha District in Vale do Jequitinhonha, in the northeast of Minas Gerais, Brazil. Open interviews were done and to analyze the data it was used the Content Analysis technique and the pieces of information collected was organized in two thematic categories: the health-illness conceptions of people from Caju, Minas Gerais and the search for  solutions of the attention problems of local population’s health care. The data analyses enabled to recognize integrality as an organizational axis of health care practices whose objective is to meet the needs of the populations’ health care such as guaranteeing access to the health care system. It is necessary to prioritise this principle to face the health care problems suffered by the population as a social, environmental, sanitary, epidemiological and assistencial gross.

Key words: Comprehensive Health Care, Family Health, Health-Illness Process. 

Resumen: Estudio de caso cualitativo cuyo objetivo fue describir los conceptos de enfermedad y la salud de las necesidades de atención de la salud de la población, discutiendo en el marco del principio de la plena implantación y la Estrategia de Salud de la Familia. El escenario de la encuesta fue un distrito de Jequitinhonha, Valle de Jequitinhonha, al noreste de la región de Minas Gerais, Brasil. Libre entrevistas fueron realizadas y para el análisis de los datos se utilizó para análisis de contenido y la información recogida se organizaron en dos categorías temáticas: "Las concepciones de salud / enfermedad de la población local de Caju-MG" y "La búsqueda de soluciones para la atención a la salud de la población". El análisis de los datos ha reconocido toda la organización como un eje de las acciones de salud para satisfacer las necesidades de salud de la población y garantizar el acceso a la atención de la salud. Es necesario dar prioridad a este principio para hacer frente a los problemas de salud sufridos por la población como social, ambiental, sanitaria, epidemiológica y la atención de la salud.

Palabras clave: Atención Integral de Salud, Salud de la Familia, Proceso Salud-Enfermedad 

Resumo: Trata-se de um estudo de caso qualitativo cujo objetivo foi descrever as concepções de saúde-doença e as necessidades de atenção à saúde da população, discutindo-as sob o princípio da integralidade e a implantação da Estratégia Saúde da Família. O cenário da pesquisa foi um distrito de Jequitinhonha, Vale do Jequitinhonha, região nordeste de Minas Gerais, Brasil. Foram realizadas entrevistas abertas e para a análise dos dados foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo e as informações coletadas foram organizadas em duas categorias temáticas: “As concepções de saúde/doença dos moradores de Caju-MG” e “A busca de soluções para os problemas de atenção à saúde da população de Caju-MG”. A análise dos dados permitiu reconhecer a integralidade como um eixo organizativo de ações em saúde para atender as necessidades de saúde das populações como garantia do acesso à atenção à saúde. É necessário priorizar este princípio para o enfrentamento de problemas de saúde vividos pela população como uma totalidade social, ambiental, sanitária, epidemiológica e assistencial.

Palavras-chaves: Assistência Integral à Saúde, Saúde da Família, Processo Saúde-Doença. 

Introdução

O desenvolvimento da atenção básica à saúde no Brasil experimentou um crescimento expressivo a partir de 1980, com a ampliação dos serviços de atenção básica, com significativo aumento na produção de serviços, acessibilidade e cobertura populacional, especialmente em áreas antes não assistidas.

Ressalta-se a persistência da falta de acesso da população à atenção a saúde, principalmente residentes em pequenos distritos brasileiros, apesar de alguns avanços alcançados devido ao processo de democratização e descentralização, demarcando uma situação incompatível com o direito constitucional(1). Isto se torna visível quando se busca atendimento em um serviço de saúde sem a resolutividade desejada. Na busca de reversão das dificuldades de acesso aos cuidados em saúde, os municípios investiram na implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF), que se disseminou e resgatou, para a sociedade e para os sistemas locais de saúde, a figura da equipe de saúde da família e da comunidade.

Se de um lado, a expansão da ESF tem favorecido a eqüidade e universalidade da assistência, uma vez que as equipes têm sido implantadas, prioritariamente, em comunidades antes restritas quanto ao acesso aos serviços de saúde; de outro a cobertura populacional prevista para equipe da ESF, de 600 a 1.000 famílias com limite máximo de 4.500 habitantes, pode-se tornar um fator agravante da questão do acesso. Pois, muitos distritos rurais brasileiros não possuem número suficiente para implantar uma ESF, necessitando agrupar-se a outros distritos, constituindo uma equipe itinerante para a cobertura assistencial. É importante considerar ainda, o difícil acesso a muitas localidades rurais onde faltam estradas, pontes, transporte, limitando a abrangência e cobertura da população residente em áreas isoladas.

Diante disso, faz-se necessário análises qualitativas do trabalho da ESF realizado nos municípios brasileiros, particularmente quanto às práticas de saúde e aos processos de trabalho cotidianos(2), pois não é somente com a expansão do número de equipes, que a integralidade do cuidado em saúde será efetivada.

Entendemos que a integralidade consiste em um conceito polissêmico, guardando uma dimensão plural, ética e democrática, que se revela em diferentes saberes e práticas, operados no cotidiano de trabalho e vivência dos sujeitos (educadores, trabalhadores de saúde, usuários e gestores), e se expressa de forma particular e própria em diferentes contextos(3-4).

A integralidade como um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) assume uma definição legal relacionada à integração dos atos preventivos, curativos, individuais e coletivos, nos diferentes níveis de complexidade situados em cada caso, segundo a dinâmica do processo saúde-doença(5). Na ESF, a equipe de saúde está capacitada para executar desde ações de busca ativa de casos na comunidade adscrita, mediante visita domiciliar, até acompanhamento ambulatorial de pessoas com diversas enfermidades. Seguindo o princípio da integralidade, as atividades de educação em saúde estão incluídas entre as responsabilidades dos profissionais da ESF(2).

Neste contexto indagamos: como construir a integralidade da assistência considerando as especificidades de cada lugar? O que deve ser considerado para a implantação da ESF neste distrito, cenário do estudo?

Este artigo tem por objetivo descrever as concepções de saúde-doença e as necessidades de atenção à saúde da população residente no distrito de Caju, discutindo-as sob o princípio da integralidade e a implantação da Estratégia Saúde da Família.

 

O Percurso Metodológico

Trata-se de um estudo de caso qualitativo, como parte de um estudo ampliado que teve a finalidade de compreender as concepções de saúde e doença de moradores e a relação cultural que se estabelece quando eles buscam atendimento às suas necessidades de atenção à saúde. O cenário desse artigo, aqui apresentado, foi em Caju, distrito do município de Jequitinhonha, situado no Vale do Jequitinhonha, região nordeste de Minas Gerais, Brasil.

Os sujeitos da pesquisa foram dez pessoas residentes em Caju, a maioria do sexo feminino e maior de 18 anos. A coleta de dados se deu por meio de entrevistas abertas, nas residências dos sujeitos, em horário pré-determinado por eles, a partir de um roteiro básico sobre saúde e doença e a relação com o espaço onde vivem. As entrevistas foram gravadas, com permissão prévia, garantindo a confiabilidade das informações. Eles foram informados dos objetivos da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assegurando-se dos direitos devidos enquanto informantes de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Pesquisa. O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais de acordo com o Parecer n. ETIC 088/07.

A análise de dados foi realizada com base no referencial de Análise de Conteúdo(6). As informações coletadas foram organizadas em duas categorias temáticas: “As concepções de saúde/doença dos moradores de Caju-MG” e “A busca de soluções para os problemas de atenção à saúde da população de Caju-MG”. 

Um Distrito Brasileiro

Caju está distante 40 Km da zona urbana de Jequitinhonha e o acesso a essa localidade se dá por estrada não pavimentada e pela travessia do rio Jequitinhonha por uma balsa manual, de difícil acesso na época de chuvas. A localidade possui uma população de 600 habitantes, sendo 200 residentes em aglomerados de casas à beira de córregos e seus afluentes, localizados em média entre três a oito quilômetros de distância da Vila Caju. Em 2005 o vilarejo tinha Escola de Ensino Fundamental, um Centro de Saúde com uma auxiliar de Enfermagem que fazia atendimento de pequenas urgências como curativos, além de distribuição de medicamentos. O atendimento médico era realizado quinzenalmente, e o atendimento de maior complexidade em saúde era realizado na área urbana do município de Jequitinhonha. É importante ressaltar que nem sempre havia disponibilidade de medicamentos e material de curativo e o transporte até a zona urbana é por ônibus e nos casos mais graves por uma única ambulância que serve à região e que nem sempre está disponível.

O distrito não dispõe de saneamento básico, a água utilizada para uso doméstico era proveniente de córregos e/ou cisternas, ou do chafariz comunitário. As casas de Caju são em geral, construções simples e possuem luz elétrica. A principal atividade econômica é a pecuária e a agricultura de subsistência. A maioria das famílias recebe auxílio governamental através da Bolsa Família. Em 2005, período da coleta de dados, não era área coberta por equipe da ESF. A partir de agosto de 2006 passou a receber atendimento de uma equipe de Saúde da Família na própria Vila, uma vez por semana, pelo médico e enfermeira, e diariamente pela auxiliar de enfermagem e os Agentes Comunitários de Saúde que residem na Vila, os quais são referência para essa população. Em situações de urgência as pessoas são encaminhadas e atendidas na zona urbana ou em outros municípios.

Vale ressaltar que a região é endêmica para helmitoses, e foi neste cenário que buscamos a compreensão das concepções de saúde e doença em uma realidade vivida e convivida, principalmente com a esquistossomose, entre outros agravos à saúde. 

As concepções de saúde/doença dos moradores de Caju-MG

            O processo de ser saudável e de adoecimento das pessoas está relacionado com as questões sócio-culturais, ambientais, além das biológicas e das interações estabelecidas com o espaço onde vivem. Daí a necessidade de compreender o cotidiano das pessoas, como elas o vivenciam e enfrentam as adversidades que se apresentam em seu dia a dia na construção de seu processo de viver(7).

            No distrito de Caju as concepções de saúde e doença denotam a experiência de vida, as dificuldades e prioridades de um povo que possuía limites para acesso e cuidados integrais à saúde. Saúde não é entendida como o oposto qualificado da doença, a experiência vivida relaciona-se com noções que ampliam as concepções de saúde.

Se para a Constituição Brasileira de 1988, saúde é conceituada como resultado das condições de vida das pessoas, não conseguida apenas com assistência médica, mas principalmente pelo acesso das pessoas a emprego, salário justo, educação, habitação, saneamento, transporte, alimentação, cultura, lazer e acesso a um sistema de saúde digno e de qualidade, a experiência vivida em Caju apresenta tais condições relacionando com a “harmonia” – corpo e espaço:

Saúde? Acho que é uma harmonia que o corpo tem que responder pra você desenvolver todas as suas tarefas. As pessoas só estão bem quando tem saúde, o corpo tem que estar em harmonia, psicologicamente. (A harmonia depende da) Alimentação boa, né? Além da alimentação, aqui na comunidade eu acredito que o essencial é ter água tratada, ter saneamento básico, que não temos. Então isso tudo contribui pra que o corpo, pra que a gente tenha saúde. (E9)

Saúde é referenciada pelos entrevistados como vida ativa, “fazer tudo”, com associação ao cotidiano e isso se reflete nas relações com as pessoas mais próximas e a condição de “vida”, não apenas como a somatória de tantas outras condições, mas como uma necessidade básica para se alcançar aquilo que se deseja(8):

(Saúde) Eu acho que é tudo. Acho que se a gente, não tem saúde, a gente não vai conseguir trabalhar, não vai ter ânimo pra nada. Eu acho que saúde é a vida né? (E10)

Uai! Serve (saúde) pra ajudar a gente a cuidar das pessoas da gente, do trabalho, que infelizmente se a gente não tiver com saúde boa, infelizmente a gente não pode fazer nem bem o serviço da casa, a gente, não pode cuidar bem (E6).  

É dormir bem, comer bem, não sentir nada, viver bem dentro de casa (E3).

Os entrevistados revelam, ainda, que saúde “é ser tratado no que está precisando”, remete ao conceito de compensação, pois a falta da terapêutica e água tratada é estar na condição de doente:

Saúde pra nós aqui é muito bom, porque o que nós tava precisando era tratamento da esquistossomose, porque o que estraga a gente aqui é a esquistossomose e verme né? Porque nós tudo aqui deu esquistossomose. Tomamos medicamento, que dizem que a saúde nossa ficou boa (E4).

Principalmente sobre saúde, a água, que a gente tem que ter uma água boa... Que a gente espera que eles cuidem dessa água porque se a gente não tiver uma água boa não vai ter uma boa saúde (E6).

Infelizmente ainda se convive com a prestação de assistência à saúde agindo sobre um determinado vetor, ou sobre uma determinada doença infecciosa, sem uma visão ampla e uma ação integral, segundo os problemas que afetam as comunidades. A partir dessas constatações, as ações programáticas necessitam ser repensadas no sentido de desenvolver ações que reduzam, concomitantemente, os múltiplos fatores relacionados ao adoecimento.

O enfrentamento de problemas cotidianos da população de baixa renda e sua relação com as situações de vida apontam para a falta de “saúde”, reconhecendo a alimentação como necessidade humana básica para se ter saúde:

Porque o dia de serviço da gente não paga o que se come num dia. Então você só continua sendo devedor... saúde a gente num tem, num tem (E8).

A partir do momento em que não nos contentamos em saber que o estado de saúde de uma população é reflexo "passivo" das condições de vida materiais, torna-se indispensável considerar as respostas sociais dadas aos problemas que se apresentam, sob a forma de gestão social, não exclusivamente da saúde e da doença, mas também da vida cotidiana como um todo. O que implica a um esforço de compreensão dos problemas ligados à alimentação e a capacidade de mobilização de "recursos sociais", capazes de dar um tipo de resposta aos problemas encontrados e das trajetórias sociais que levam os indivíduos a se encontrarem em tal situação(9).

É necessário situar-nos além das interpretações para a compreensão de fatos vividos neste espaço, onde a assistência básica à saúde é insuficiente, e onde as crenças, os chás e a religiosidade estão acima de muitas outras práticas não concebidas no processo de adoecer, pois onde falta o essencial, entregar-se a Deus pode ser a solução para se ter saúde:

Eu só posso responder que saúde é muito importante pra gente. Com saúde a gente consegue fazer tudo. Abaixo de Deus é a saúde (E1). 

A gente vive num país que infelizmente só Deus pra podê tomá conta das pessoas de bom senso né? (E8)

As pessoas se deparam com sofrimento, desafios e transições ao longo da vida, o que as impulsiona para além de suas próprias capacidades, levando-as a um processo dinâmico de enfrentamento no qual, crenças e práticas religiosas podem estar inseridas. A afirmação de que a religiosidade possa ser uma fonte rica para encontrar propósitos de vida, assim como para formular orientações cognitivas e avaliações de situações vitais, evidencia seu potencial como função mental de buscar sentidos para viver(10).

Desta forma, a fronteira entre a saúde e a doença é imprecisa se considerada simultaneamente, mas para um indivíduo é perfeitamente preciso se considerado sucessivamente. E as concepções de “doença” retratam o sofrimento cotidiano e as crenças de uma população interiorana onde o sofrimento é expresso como vivenciado: “doença dói”.

(Doença) Não sei, às vezes dói, eu sinto uma coisa, dói as pernas, a pressão, deve ser isso (E2).

O sujeito neste processo de estar doente é que consegue avaliar essa transformação, porque é ele que sofre suas conseqüências, no próprio momento em que se sente incapaz de realizar as tarefas que a nova situação lhe impõe(11). Doença é vivida, pelos entrevistados, como uma gravidade, que dá medo, como se fosse um começo da morte; todas essas especificações revelam a situação de dificuldades para adquirir cuidado e procedimentos terapêuticos:

Ah, doença, tem vários tipos de doença. Às vezes, uma mínima coisa a gente leva assim como se fosse uma doença né? Mas uma doença mesmo, que eu imagino, é não estar bem e se trata também de uma gravidade (E5).

E agora eu explicar o que é doença... Hum, quando o corpo não está bem você tem alguma manifestação, sente algum mal estar. De qualquer forma tá doente, eu entendo isso assim né? (E9)

Ah, sei lá. Acho que doença é ruim né? Dá medo, eu tenho medo de falar que eu tô doente. Ah, imagina se me falasse que eu tivesse câncer, eu ia saber que a cada dia eu ia tá morrendo um pouquinho e eu não queria saber por que eu acho que é pior, e num lugar igual esse que não tem médico, a gente não vai ter ajuda. Muitas vezes, quando alguma pessoa tem alguma doença aqui eles já olham com desprezo, com medo, eu acho que doença seria o começo da morte (E10).         

            O ser humano, mesmo sob o aspecto físico, não se limita a seu organismo. O ser humano só se sente em boa saúde – que é, precisamente, a saúde – quando se sente mais do que normal, isto é, não apenas adaptado ao meio e às exigências, mas, também normativo, capaz de seguir novas normas de vida. A saúde é uma maneira de abordar a existência com uma sensação não apenas de possuidor ou portador, mas também, se necessário de criador de valor, de instaurador de normas vitais(11).

            As noções de bem-estar, ou qualidade de vida, termo por nós atribuído, dependem das escolhas feitas, das ponderações realizadas, das valorizações relativas. Em poucas palavras, dos sentidos atribuídos aos valores confrontados. O mesmo vale para a saúde(12).

            Segundo os entrevistados, o viver em Caju revela saúde e doença com conceitos vivenciados na dimensão física, social e ambiental, carregados de uma compreensão dolorosa e ao mesmo tempo valorativa de que viver com saúde é desejável, mas não totalmente pleno.

 

A busca de soluções para os problemas de atenção à saúde da população de Caju-MG

No processo de construção de ambientes, indivíduos e comunidades saudáveis são fundamentais alguns conceitos como direitos de cidadania: lazer, moradia, trabalho, eqüidade, responsabilidade social pela saúde, participação, etc. Essa dinâmica necessita de determinadas ferramentas técnicas, como o acesso à informação, à educação e à gestão dos recursos disponíveis(1).

Saúde não é uma totalidade em si, nem uma relação imediata com a doença ou um estado definido biologicamente. Ela é a possibilidade de ter esperança e potencializar esta esperança em ação. Nesta perspectiva, a expressão mais correta para designar o cuidado em saúde não é nem prevenção e nem promoção, mas potencialização que demanda ações no plano biológico, subjetivo, social e ético, transformando figuras eliminadas das políticas públicas em espaços e estratégias privilegiadas como a emoção, a intimidade e a temporalidade(12).

Em Caju as dificuldades encontradas para desenvolver ações na assistência à saúde são relatadas por uma profissional de saúde:

Eu sou auxiliar de enfermagem, e eu encontro em situação muito difícil porque cê vê paciente sofrendo, dependendo de uma assistência médica imediata, e você fica numa situação muito difícil, às vezes têm pessoas que não têm condições financeiras nenhuma de tá arrumando um carro particular (E5).

Nesta situação, as pessoas em Caju são destinadas aos cuidados na sede do Município ou para outros municípios, onde o acesso se torna o fator limitante para as ações integrais. Desta maneira, as formas para tratar as desigualdades, a partir dos diferentes perfis que são traçados diante das necessidades de cada grupo, deveriam ser diversificadas. Planejar políticas em saúde para a população é preocupar-se igualmente com a saúde de todos, entretanto deve-se atentar para o fato de que o processo saúde-doença tem maior impacto nos grupos sociais mais vulneráveis, de forma diferenciada(13).

Em conseqüência da forma como é organizada a assistência e o processo de trabalho em saúde, ao invés do espaço comunitário em que se busca a integração da ação curativa com a de promoção e de prevenção à saúde, é comum a existência de filas de usuários, desde a madrugada, em busca de "uma ficha" para atendimento médico. Parece haver, nesses casos, a importação da lógica dos serviços de emergência e de urgência ao trabalho da atenção primária à saúde:

A gente, às vezes, sai de lá do assentamento (MST) pra poder ir ao Hospital, no Posto de Saúde. Quando a gente chega lá, a gente num tem prioridade, porque as fichas já... Tem a quantidade de fichas que é marcada. Então quando a gente chega lá, dificultou né? Quando as pessoas têm alguma casa para poder dormir, mas mesmo assim tem que acordar quatro, três horas da manhã, pra tá no jeito pra poder marcar, senão não consegue. Por isso que eu não acredito nisso. Eu não acredito no nosso país não. Eu ainda me recordo, é na época que Cazuza falava que país é esse? Que a gente nunca vai entender (E8).

A forma como se organiza a sociedade e suas práticas sociais é por si só, determinante para a definição dos problemas de saúde e do modo de solucioná-los. Para alguns moradores de Caju a “melhoria” tem de vir primeiramente deles, tinha que ter alguém que corresse atrás, que buscasse água, transporte, saúde:

Às vezes, entra um administrador, saí outro administrador. Esse melhorar, esse interesse de melhorar é muito pouco, você entendeu? Então você acaba desiludindo... É uma situação... Hoje quem trabalha na saúde no meu caso, há 27 anos... Sei lá mexe muito com a gente. É isso aí, essa tentativa de querer melhorar, mas é difícil (E5).

(Melhoria) Aí, eu acho que depende muita das vezes de nós mesmos. Porque se a gente ficar só esperando que Prefeito tem que fazer, que vice, que aquilo, nunca vai acontecer. Acho que a gente mesmo deve começar a buscar a melhoria pra gente. Igual tem muita gente aí que pega o lixo e joga dentro do córrego, isso aí não é bom! Pega e queima né? Tem tanta coisa melhor pra fazer. Porque jogar dentro do córrego, pra poluir a água? Eu acho que essa melhoria tem de vir primeiramente de nós mesmos né? Mas eu acho que tinha que ter alguém que corresse atrás, que buscasse água, transporte, saúde (E10).

Desde quando eu vim pra cá eu percebo que as pessoas atribuem esses problemas a falta de transporte, a falta de assistência à saúde, eles esperam muito pela administração do Município tomar a frente. A própria comunidade ela não toma iniciativas pra poder talvez tá resolvendo esses problemas, eu vejo assim. Então é preocupante pra nós e é preciso mudar essa realidade que a gente vive né? Porque essa vontade de mudar não é suficiente quando faltam recursos, talvez recursos mesmos assim financeiros pra poder tá mudando essa realidade que faz que a gente acomode (E9).

É conhecido que esse tipo de proposta de melhoria de assistência à saúde depende de inúmeras variáveis, tendo a secretaria de saúde uma responsabilidade apenas limitada para o seu alcance. Muitas vezes, vai depender de múltiplas estratégias, iniciando-se pela própria consciência dos indivíduos e famílias de que isto é possível e desejável. O setor saúde não pode, de forma isolada, alcançar esta meta. Mas, ao mesmo tempo, deve exercer um papel de liderança, decisiva para estabelecer esta agenda.

As respostas aos problemas e necessidades de saúde não devem ser de responsabilidade de uma única pessoa. Considera-se a resolutividade como resultado da ação conjunta do usuário e dos diversos setores envolvidos na produção da saúde e, mais ainda, é fazer uso da interdisciplinaridade para dar solução aos problemas da população. Ressalta-se que a interdisciplinaridade refere-se à ação de troca que perpassa as áreas de conhecimento quando se há um fim comum. Para tanto é necessário um inconformismo mediante a realidade, um movimento de dinamicidade, uma atitude de questionar e ser questionado. Não é algo que se ensina ou se aprende; é algo que se vive e se exerce(13).

O estabelecimento de ações intersetoriais deve permitir que, em cada área, surjam contribuições para a solução dos problemas de saúde. Esses problemas devem ser aqueles que emergem de discussões comunitárias. As prioridades poderão assim transformar-se em pautas positivas, promotoras de saúde, nas quais a educação e a informação para a saúde passam a ser fundamentais nesse processo, na medida em que aumentam a consciência sanitária dos cidadãos e intensificam a participação dos mesmos na definição de prioridades. O desenvolvimento sustentável vê o ambiente como realidade e totalidades integradas, e vê o homem como parte das mesmas, que são vivenciadas segundo lugares singulares, segundo uma base territorial, segundo processos sociais vividos localmente. Assim é possível constituir-se um processo de reflexão coletiva sobre as condições de vida das comunidades e sobre como estas condições contribuem para o estado de saúde e para a qualidade de vida(1).

Para a promoção da saúde em Caju seria imprescindível trabalhar a consciência sanitária por meio da educação para a saúde, a intervenção sobre o lixo domiciliar, sobre a qualidade da água, do saneamento e das condições de moradia.

Os entrevistados relatam sobre a falta de assistência à saúde, e que a comunidade é deixada de lado, e vêem que é preciso mudar essa realidade que a comunidade vive. Em se tratando do setor saúde, porém, é justificável a impaciência verificada com relação à lentidão com que se dão as mudanças, frente às urgências da população por mais saúde:

Só Deus pra poder dá um jeito, eles (políticos) prometem, mas num cumpre nada. Dá um remedinho, aqui pra tomar, num cura a situação. O jeito é conformar, né? Porque num tem outro jeito. Tem que ter fé em Deus e tocar a vida pra frente (E8).

Cortou tudo. Médico mesmo não veio nenhuma vez, e remédio aqui no Posto não tinha nada, e a única coisa que ainda continuou tendo foi o transporte aqui para pegar menino assim, aqui mesmo no Caju, mas pra levar pra fora, igual a gente estudava segundo grau mesmo, não teve (E10).

Principalmente sobre saúde, a água, que a gente tem que ter uma água boa. É, toda vez que entra um novo Prefeito fala aquela conversa bonita que vai fazer um tratamento de água pro moradores do Caju. Infelizmente a gente, até hoje nunca alcançou essa boa vontade do Prefeito. Que a gente espera que eles cuidem dessa água porque se a gente não tiver uma água boa, não vai ter uma boa saúde (E6).

Apesar de promissora, a promoção saúde é, ao mesmo tempo, desafiadora e complexa, tanto do ponto de vista político quanto do ponto de vista técnico. Muitas de suas ações envolvem instâncias que se encontram fora do setor saúde. A promoção da saúde implica o estabelecimento de agendas públicas com a participação de diversos atores, envolvendo pessoas e comunidades para se alcançar mais saúde e uma melhor qualidade de vida(1).

Nesse contexto as questões políticas, principalmente as questões de promessas eleitoreiras são mencionadas como soluções para os problemas de atendimento local, mas que não se concretizam frente à realidade de um povo que se reconhece como doente:

A saúde liga à política né? Porque quando chega na época da política eles prometem, manda médico todo dia, e faz isso, mas não existe isso não, aqui na realidade, aqui as pessoas acham que não tem doença e que tá bom de saúde, mas acho que 100% daqui é tudo doente. Eu mesmo não posso falar que tenho boa saúde (E10).

Entretanto, mesmo sem essa “boa saúde”,

a saúde é uma coisa prioritária. Se você num tem saúde, você nem tem nada. A gente só vê as pessoas dizendo, os políticos, são eles que dizem né? Vão melhorar a saúde... Mas a gente nunca vê isso não... na realidade é complicado. Eu já num acredito mais em político não. Porque a vida da gente é sofrida. Promete emprego, a gente sabe que não tem condições de dar emprego, eles ficam prometendo emprego, 10 milhões de emprego, Lula prometeu. Sô Fulano promete dali, Sô Sicrano promete daqui.  E a situação desse povo aqui, que eu conheço há muito tempo, é sofrida (E8).

           Reconhecendo que nenhuma organização reúne a totalidade dos recursos e competência necessária para a solução dos problemas de saúde de uma população, em seus diversos ciclos da vida, e considerando que as barreiras de acesso entre os diversos níveis de atenção à saúde ainda existem, como alcançar respostas? Para apresentar respostas às necessidades de saúde dos usuários de Caju, é necessário compartilhar essas experiências pessoais com a comunidade, os profissionais de saúde da equipe local e as autoridades competentes para a integração de serviços, em favor de um interesse comum: a integralidade em saúde. A concretização dessa imagem ideal de um sistema de saúde "sem barreiras ou muros", tem se mostrado de difícil realização, mas é necessária uma interação democrática entre os atores – usuários no cotidiano, e os atores – profissionais na oferta do cuidado em saúde e os gestores em saúde.

Foi abordado pelo entrevistado que a saúde local é péssima, porque o tratamento é muito difícil, por ser referenciado:

A saúde aqui é péssima. O tratamento aqui é muito difícil, tem que sair pra fora. Aí tem hora que as condições não dão. Aí tem que ficar pelejando. Agora quebrei a perna. Nem consegui a revisão mais em Teófilo Otoni. Os papéis tão até lá na Secretaria, só falta eles encaminharem. Eu vou ter que fazer outra cirurgia na perna, é difícil demais ir pra lá (E7).

Há urgência de se corrigir a tendência a uma assistência exclusivamente voltada para a atenção básica, em virtude da pequena capacidade, dos municípios, de proverem os investimentos necessários para se prestar serviços de assistência hospitalar, ou serviços especializados(1). Havendo problemas na referência para especialidades, o mais complexo torna-se também difícil. Estes fatos podem comprometer os avanços na construção dos sentidos da integralidade.

 

Considerações finais

Os dados permitem reconhecer a integralidade no cuidado de pessoas, grupos e coletividade como um eixo organizativo de ações em saúde para atender as necessidades de saúde das populações, como garantia do acesso aos níveis de atenção à saúde, sendo o mais complexo seu principal desafio. Para se alcançar a integralidade no sistema de saúde faz-se necessário que os gestores municipais, estaduais e federais passem a dar prioridade à concretização deste princípio. Especialmente pela necessidade de se enfrentarem os problemas de saúde vividos pela sociedade brasileira como uma totalidade social, ambiental, sanitária, epidemiológica e assistencial.

Sem mudanças nos pressupostos e paradigmas a nortearem o modelo assistencial brasileiro, não se pode esperar resposta satisfatória aos problemas que se apresentam no dia-a-dia da interação da população com os serviços de saúde. Para que as ações de saúde atendam ao princípio de integralidade mediante a demanda de serviços dessa população, implica uma assimilação deste princípio em prol da reorientação do modelo assistencial: integral, humanizado e compromissado.

Os sujeitos da pesquisa residentes em Caju-MG relatam a necessidade de atenção à saúde, referindo-se à figura do médico e a água tratada, entre outras demandas em saúde. Após a coleta de dados em 2005 foram alcançados alguns benefícios como água tratada e a equipe rural da ESF. Esta equipe que atualmente atende a essa população semanalmente chegou a esse distrito, em agosto de 2006.

No distrito de Caju as pessoas ainda morrem vítimas de esquistossomose e a integralidade pressupõe atuar sobre os determinantes e os riscos de adoecimento, caberá, então, salientar para todos os indivíduos e famílias que o quadro não é irreversível e que pode ser superado. A riqueza desse processo de trabalho fundado na integralidade está em poder estabelecer novos elos causais e soluções que podem extrapolar o atendimento pontual e fragmentado dos problemas de saúde e contribuir para a organização da comunidade no esforço de melhorar as condições de saúde. Atualmente Caju está coberto por uma equipe rural da ESF, a equipe local é, portanto, responsável por todos os aspectos implicados com a saúde e deve ter o compromisso de partilhar com a comunidade os possíveis caminhos e as decisões a respeito da promoção, da prevenção e do atendimento à saúde das famílias a ela referidas, buscando o princípio constitucional da integralidade. 

Referências

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Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Selma Maria da Fonseca Viegas, Cláudia Maria de Mattos Penna. Análise e interpretação: Selma Maria da Fonseca Viegas, Cláudia Maria de Mattos Penna. Escrita do artigo: Selma Maria da Fonseca Viegas, Cláudia Maria de Mattos Penna. Revisão crítica do artigo: Selma Maria da Fonseca Viegas, Cláudia Maria de Mattos Penna. Aprovação final do artigo: Cláudia Maria de Mattos Penna. Obtenção de suporte financeiro: Cláudia Maria de Mattos Penna. Pesquisa bibliográfica: Selma Maria da Fonseca Viegas. Suporte administrativo, logístico e técnico: Cláudia Maria de Mattos Penna.

Endereço para correspondência: Selma Maria da Fonseca Viegas. Rua Eurita, 462/102 – Santa Teresa – CEP: 31010-210 – Belo Horizonte MG. selmamfv@yahoo.com.br

Financiamento: Projeto financiado pela FAPEMIG