Hypertension and Health Promotion: a qualitative study

Hipertensão Arterial sob a Ótica da Promoção da Saúde: estudo qualitativo

Clarice Marcolino1; Laura Maria dos Santos2

1Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil; 2Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, MG, Brasil

 

ABSTRACT . Introduction - The magnitude of the problem concerning arterial hypertension requires not only better diagnostic and treatment measures but also points out the urgent need of primary preventive strategies. Changes should start in childhood and focus on lifestyle modifications and cardiovascular risk factors. Objectives - To recognize the perceptions on arterial hypertension and the measures taken by a community living in the outskirts of Belo Horizonte to provide early diagnosis and treatment of the disease. Methods - This is a descriptive and qualitative study. Data was collected by three focus groups that followed a schedule with guiding questions. Content analysis method was used to organize data, and analysis took into account health promotion paradigms. Results and discussion - results show that interviewed people associate lifestyle with disease. Although they recognize risk factors related to hypertension, participants find it hard to have healthy habits. They also mention social and psychological stress as important risk factors for hypertension. Conclusions - It is necessary to include a quality of life evaluation to guide professional interventions in daily assistance regarding public health services.  

Keywords: hypertension, risk factors, health promotion, quality of life. 

RESUMO. Introdução A magnitude do problema da hipertensão requer que medidas não somente relacionadas ao diagnóstico e tratamento sejam melhoradas, como também aponta a urgência da prevenção primária, introduzindo medidas que se iniciem na infância, visando a modificações no estilo de vida e ao combate aos fatores de risco cardiovascular. Objetivos Conhecer as percepções de uma comunidade periférica da cidade de Belo Horizonte sobre hipertensão arterial e as medidas que a população adota para prevenção e detecção precoce. Metodologia Estudo descritivo de abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada por meio de três grupos focais, seguindo um roteiro com perguntas norteadoras. Os dados foram organizados pelo método da análise de conteúdo e analisados à luz do paradigma da Promoção da Saúde. Resultados e discussões Demonstrou-se que os entrevistados correlacionam modos de viver e adoecer. Em relação à hipertensão arterial, mostraram que conhecem os fatores de risco, porém têm dificuldades em adotar estilo de vida favorável a uma vida saudável; apontaram preponderância de fatores estressores de natureza social e psicológica como riscos para elevação da pressão arterial. Conclusão É necessário avaliar a qualidade de vida da população como base para as intervenções dos profissionais na prática assistencial cotidiana dos serviços de saúde pública. 

Palavras-chave: hipertensão; fatores de risco; promoção da saúde; qualidade de vida. 

INTRODUÇÃO

         A hipertensão arterial é o fator a que mais contribui para a carga de doenças globais. A prevalência da hipertensão em 2000 foi de aproximadamente 26%, totalizando 1 bilhão de pessoas. Pelo fato de se esperar uma grande proporção de pessoas idosas em 2025, a prevalência da hipertensão prevista será igual ou maior de 29%.(1)

A prevalência da hipertensão sofre a influência de fatores como idade, etnia, sexo e outros relacionados aos hábitos de vida e a fatores socioeconômicos. No Brasil, varia entre 23,3% a 43,9%, conforme a região estudada do País.(2)

É, também, o principal fator de risco para as complicações mais comuns das doenças cardiovasculares, como acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio, além da doença renal crônica terminal. No Brasil, são cerca de 17 milhões de portadores de hipertensão arterial, o que corresponde a 35% da população acima de 40 anos.(3)

         Dados do DATASUS(4) indicam que, em Minas Gerais, em 2007, as internações por problemas no aparelho circulatório corresponderam a 13,2% do total de internações da população. Se analisarmos somente a população maior que 60 anos, essas internações representaram 30,5%. No município de Belo Horizonte, as internações por doenças do aparelho circulatório corresponderam a 11,9% do total de internações, e na faixa etária maior de 60 anos, a 28,5% do total.

         Ainda segundo o DATASUS,(4) a proporção de óbitos por doenças do aparelho circulatório em 2006, em Minas Gerais, foi de 32,5% e, em Belo Horizonte, 30,3% nesse mesmo ano.

A magnitude do problema da hipertensão requer que medidas não somente relacionadas ao diagnóstico e tratamento sejam melhoradas, como também aponta a urgência da prevenção primária, introduzindo medidas que se iniciem na infância, visando a modificações do estilo de vida e o combate aos fatores de risco cardiovasculares.    

A prevenção primária constitui um dos manejos mais importantes nas doenças cardiovasculares.(5)

A hipertensão pode ser prevenida por meio de estratégias de modificação dos fatores de risco, uma delas baseada na população em geral e outra, nos indivíduos ou grupos de maior risco para pressão alta. As duas estratégias enfatizam seis enfoques: realização de atividade física moderada; manutenção do peso corporal normal; limitação no consumo de álcool; redução na ingestão de sódio, manutenção da ingestão adequada de potássio; consumo de dietas ricas em frutas e vegetais, baixa quantidade de gorduras saturadas e gorduras totais. Whealton et al(6), enfatizam que essas recomendações direcionadas à população geral, na saúde pública e na prática clínica, ajudam a prevenir o aumento da pressão sanguínea e a reduzir os níveis pressóricos das pessoas com pressão normal elevada (sistólica: 130 – 139; diastólica: 85 – 89) ou hipertensas.

A promoção da saúde, no sentido moderno, sustenta-se na constatação do papel protagonista dos determinantes gerais sobre as condições de saúde e no entendimento de que esta é produto de amplo espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida,(7) superando a ênfase anteriormente dada aos estilos de vida.

A Carta de Otawa é um marco de referência para a promoção da saúde, que a define como “o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo maior participação da comunidade no controle desse processo”. (8:19) Ela preconiza cinco campos de ação para a promoção da saúde: elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis; criação de ambientes favoráveis à saúde; reforço da ação comunitária – empowerment comunitário; desenvolvimento de habilidades pessoais; e reorientação do sistema de saúde.

O objetivo com este estudo é conhecer as percepções que uma comunidade periférica da cidade de Belo Horizonte tem sobre hipertensão arterial e as medidas que a população adota para prevenir, adiar e fazer detecção precoce, analisando-as à luz do paradigma da Promoção da Saúde. 

METODOLOGIA

          Estudo descritivo de abordagem qualitativa.

Participantes

A amostra foi composta de 24 sujeitos, distribuídos em 3 grupos, formados por homens e mulheres, jovens e adultos, moradores da área de abrangência do Centro de Saúde do Bairro Lagoa – região periférica da cidade de Belo Horizonte – que aceitaram participar da pesquisa. O critério de seleção foi o de não ser portador de hipertensão. 

Desenho e instrumentos

O método utilizado foi o de pesquisa qualitativa. Com a finalidade de captar informações sobre as variáveis, utilizou-se um roteiro semi-estruturado, que passou por um teste piloto. O roteiro de entrevista iniciou-se com uma pergunta geral: Quais os principais problemas de saúde das pessoas que moram neste bairro?; para, em seguida, focalizar a hipertensão: O que é? Como as pessoas fazem para preveni-la ou adiá-la? Como uma pessoa pode saber se está com pressão alta? O que ajuda vocês a terem vida mais saudável? finalizando com a pergunta: O que os profissionais do Centro de Saúde podem fazer para ajudar a evitar ou adiar o aparecimento da pressão alta nas pessoas do bairro? 

Procedimentos de coleta de dados

Os dados foram coletados por meio de grupos focais, seguindo as orientações de Krueger.(9) Para esse autor, os grupos focais produzem dados qualitativos que fornecem insights sobre atitudes, percepções e opiniões dos participantes a respeito do tema em foco. O grupo focal apresenta um ambiente mais natural do que na entrevista individual porque os participantes são influenciados e influenciam um ao outro, como fazem na vida real. Atitudes e percepções relacionadas a conceitos, produtos e serviços ou a programas são desenvolvidos em parte pela interação com outras pessoas:  

Grupo focal é uma técnica de pesquisa que utiliza sessões grupais como um dos foros facilitadores da expressão de características psicossociológicas e culturais; diz respeito a uma sessão grupal em que os sujeitos do estudo discutem vários aspectos de um tópico específico.(10) 

Os grupos focais foram realizados nas dependências da unidade de saúde no período noturno. Uma vez que os membros do grupo aceitaram participar da pesquisa, inicialmente foi lido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, em seguida, informados sobre a confidencialidade dos dados. Cumprindo as exigências e disposições da Resolução nº 196/96, do Ministério da Saúde, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos, o objetivo da pesquisa foi explicado a todos os participantes, que, em seguida, assinaram os TCLEs.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG (COEP) e recebeu Carta de Aprovação nº 283/03.

A avaliação das informações coletadas baseou-se na “saturação teórica”. Esse conceito deriva da teoria de grounded, ou seja, cada categoria da investigação fica saturada quando não aparece nenhuma informação nova ou relevante.(9) Consideramos, ainda, que quando as informações se tornaram repetitivas, era o momento de parar as entrevistas.  

Processamento e análise dos dados

O material de análise consistiu de notas de campo e transcrições das fitas dos grupos focais. Os dados foram organizados pelo método de análise de conteúdo e técnica de análise temática(11). Da análise de conteúdo emergiram as categorias empíricas: qualidade de vida, o processo de adoecimento, maneiras de prevenir ou adiar a hipertensão, fatores de risco para a hipertensão, compreensão da hipertensão arterial e sintomas da hipertensão arterial, que foram analisadas à luz do paradigma da promoção da saúde e, a seguir, apresentadas.  

RESULTADOS E DISCUSSÃO 

Qualidade de vida e saúde

         A qualidade de vida tem uma dimensão subjetiva e multidimensional. Conceitualmente, a expressão apresenta duas tendências: qualidade de vida no sentido genérico e qualidade de vida relacionada à saúde.(12,13)

         A World Health Organization Quality of Life Assessement (WHOQOL)(14) definiu qualidade de vida como “a percepção do indivíduo sobre a posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.

         É nesse contexto e fundamentados na análise das entrevistas que apreendemos o significado de qualidade de vida para os participantes do estudo, para os quais há vários sentidos, que apresentamos a seguir. 

Vida saudável

            Viver saudavelmente foi mencionado pelos participantes dos grupos focais como uma das formas que contribuem para a qualidade de vida. De acordo com os participantes, viver saudavelmente é ter uma alimentação equilibrada, sem excesso de gordura nem de açúcar, comer verduras, usar óleo de girassol, pouco sal, reduzir o uso de carnes vermelhas e frituras, e comer mais frango e peixe. Recomendaram, ainda, evitar o abuso dos alimentos para não engordar.

         Outro ponto ressaltado pelos entrevistados foi o lazer como forma de viver saudável. Dentre as atividades, incluíram: passear, ir à igreja, cantar, ver coisas boas, praticar esportes, não fumar e não beber. Disseram, também, que viver saudavelmente é saber viver com o que se ganha e saber conviver com a família e com as situações adversas, não ter dívidas e ter tranqüilidade. Achar o ponto de equilíbrio na alimentação e nas finanças como a chave para viver; ou melhor, uma arte de viver bem, de forma saudável.  

Prática de atividade física e diversão

             As atividades realizadas pelos participantes do estudo tidas como forma de viver saudável foram agrupadas em: atividades físicas e esportivas, como hidroginástica, caminhada, andar, carregar peso, jogos de vôlei, futebol, peteca e queimada, trabalho doméstico, ginástica, andar enquanto se executa um serviço, sinuca; atividades religiosas, como, freqüentar a igreja e fazer passeios com a comunidade cristã, ouvir e cantar hinos evangélicos; atividades com a família e amigos, como ir para roça nos finais de semana, freqüentar parques, restaurantes, grupos da terceira idade, conversar com amigos e filhos, bordar, cantar, tomar cerveja, participar de almoço beneficente, brincar com os filhos, pescar, conversar com amigos, fazer caridade, fazer cursos, freqüentar bar, ir para a pizzaria, sorveteria, clube, zoológico, parques, shopping e quadra de pagode, visitar parentes, fazer churrasco e reunir a família. Alguns mencionaram o trabalho como forma de diversão e outros ainda afirmaram que não têm diversão dada a falta de espaços de lazer no bairro onde vivem, à falta de dinheiro e também porque têm de cuidar dos filhos.

A WHOQOL(14) testou um instrumento para avaliar a qualidade de vida, mensurada em quatro dimensões: física – percepção do indivíduo sobre sua condição física; psicológica – percepção do indivíduo sobre sua condição afetiva e cognitiva; relacionamento social – percepção do indivíduo conforme os relacionamentos sociais e os papéis sociais adotados na vida; do ambiente – percepção do indivíduo conforme os aspectos diversos relacionados ao ambiente onde se vive.

         Como podemos verificar, algumas dessas dimensões foram apontadas pelos entrevistados, o que reafirma a natureza multidimensional da qualidade de vida e como esta se relaciona com a saúde das pessoas. Considerar essa categoria na análise é oportuna, pois reforça o paradigma da determinação social do processo saúde-doença e amplia as possibilidades de propor intervenções nos campos da promoção e proteção, particularmente em doenças crônico-degenerativas, cujos esforços de redução têm sido grande nos últimos tempos, pois essas e/ou suas conseqüências ocupam quase um terço da mortalidade do País. O acréscimo dos aspectos da qualidade de vida possibilita avançar em direção à superação da hegemonia do modelo biomédico, pois incorpora aspectos socioeconômicos, psicológicos e culturais importantes nas ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação em saúde.(12) Assim, torna-se necessário incorporar a avaliação da qualidade de vida na prática assistencial cotidiana dos serviços de saúde, com o propósito de obter resultados na promoção da saúde e na prevenção de doenças. 

O processo de adoecimento

         Os entrevistados relacionaram o processo de adoecimento com aspectos ligados ao meio ambiente e às pessoas. Em relação ao meio ambiente, mencionaram córrego a céu aberto, com a presença de lixo e poluição, bem como que as pessoas desconhecem as doenças em geral e as respectivas formas de se protegerem.

Vejamos uma fala que expõe um desses aspectos: 

Nós que moramos perto do córrego, por ser a céu aberto, tem ratos. Não vêm a nossa casa porque é limpa, mas se deixar um pouco suja, vai até a casa da gente. Crianças, menino jogando bola, a bola cai lá, vai lá e pega mesmo. Esses esgotos... O lixeiro passa, eles esquecem de jogar o lixo, de pôr lá fora e jogam depois no córrego. Estão jogando no córrego e isso vai trazer doenças para eles mesmos. 

         Acrescentaram, ainda, a falta de autocuidado, o estresse e a depressão. Os dois últimos, decorrentes da situação financeira e da situação da mulher, respectivamente.

Em estudo realizado em Porto Alegre,(15) os autores afirmam que para as mulheres, donas de casa, a sensação de estarem fechadas em casa, de não poderem controlar e transformar certos aspectos da realidade poderia estar relacionada com o desenvolvimento da hipertensão.

 A obesidade também foi apontada pelos sujeitos deste estudo como um dos fatores de risco para doenças. Eles disseram ser um desafio fazer uma alimentação equilibrada para controlar a obesidade  

Doenças prevalentes

            Parte dos entrevistados afirmou desconhecer os agravos que mais acometem a comunidade. Alguns afirmaram que as doenças acometem as crianças e os idosos. As crianças são acometidas por doenças do aparelho respiratório, tais como gripe e bronquite, por causa da poeira e da poluição ambiental. Outras doenças mencionadas foram a hipertensão e o diabetes que acometem adultos e idosos, porém disseram que elas ocorrem em menor proporção do que a gripe, e que a bronquite em crianças da comunidade. Uma das entrevistadas relacionou a situação de vida da comunidade com a situação de saúde decorrente. A entrevistada mencionou que as pessoas da comunidade, até mesmo as crianças, enfrentam vários problemas socioeconômicos, como desemprego e falta de dinheiro, o que causa outros problemas, como depressão e pressão alta. 

Maneiras de prevenir ou adiar a hipertensão

            Os entrevistados relataram que, de modo geral, a prevenção da hipertensão está relacionada com o indivíduo e com os serviços de saúde.

         Quanto ao indivíduo, mencionaram alguns cuidados como: verificar a pressão arterial; diminuir as preocupações; controlar a irritação e o nervosismo; evitar estresse; ficar tranqüilo; ingerir pouco sal e gordura; freqüentar a igreja; fazer caminhadas; ouvir música, pois alivia a alma; distrair e conversar com amigos.

         Um dos entrevistados defendeu o uso do café e do álcool moderadamente e afirmou que a ingestão moderada de álcool ajuda a reduzir a pressão.

         Outros entrevistados afirmaram que é impossível evitar a hipertensão, uma vez que há falta de médico, além d o fato de não ter como evitar as preocupações.

         Alguns entrevistados afirmaram que não sabiam o que fazer para prevenir a hipertensão arterial.

         Em relação aos serviços, apontaram que a unidade de saúde deve garantir consulta médica regular; treinar os Agentes Comunitários de Saúde para orientarem as famílias; distribuir panfletos explicativos sobre hipertensão, pois a comunidade não tem interesse em participar de palestras; verificar a pressão de idosos em casa e esclarecer dúvidas; colocar mais médicos no Centro de Saúde e oferecer mais explicações de como lidar com a hipertensão.

As formas de prevenção citadas durante as entrevistas correspondiam ao que o grupo entendia como fator de risco. A educação em saúde foi uma delas, assim como a medir a pressão arterial em determinado intervalo de tempo. 

Fatores de risco para a hipertensão

            Os entrevistados apontaram que os riscos para a hipertensão arterial estão ligados a estilos de vida, como a alimentação inadequada: abuso do açúcar, sal e gordura, gerando sobrepeso e obesidade e, no caso da gordura, causando também elevação do colesterol. Vejamos algumas falas dos participantes do grupo que mostram essa percepção:  

Não pode exagerar na alimentação. E a gente tem vasos sangüíneos que são finos. Aí a gente fica comendo fritura; elas vão para os vasos e não agüenta, não, estoura tudo. A pressão vai a mil. 

Gordura. A pessoa que é gorda tem mais facilidade de ter pressão alta. 

Engordar provoca pressão alta mesmo. 

Uma das formas é o sal, que é um veneno mesmo, principalmente para quem tem pressão alta. E para quem não tem, tem que prevenir, porque ajuda a ter a pressão alta. 

Os entrevistados apontaram, também, fatores de risco, tais como: aumento da idade, uso de fumo, sedentarismo e situações como irritação, nervosismo, ansiedade, tensão, estresse, problemas familiares e fatores emocionais. Alguns deles ainda mencionaram que esses fatores são decorrentes da difícil situação socioeconômica. Vejamos algumas falas para exemplificarem essas perspectivas: 

A situação que a gente está vivendo ultimamente está muito difícil, então é por isso que a pressão vai lá para cima, quem não tem, passa a ter, depressão, acho que é isso mesmo. 

Não sei, mas acho que pressão alta é causa de muita ansiedade. Essas pessoas que são muito explosivas. 

Os filhos da gente dentro de casa sem serviço, já fica preocupado, ali eles já pensa em partir para outro mundo, que é a droga; a droga está atacando... algum problema dentro da família... o marido talvez chega cansado, a gente vai passar um problema, ele já fica nervoso... acho que isso causa pressão alta, estresse que resume numa coisa só. 

Observamos que os fatores de risco são conhecidos pela população do estudo, mas ao mesmo tempo, ficou clara a dificuldade deles em introduzir mudanças no estilo de vida, principalmente quanto à qualidade da alimentação, ao estresse, ao sedentarismo e ao sobrepeso. Questões sociais como o desemprego, a violência e as drogas, nessa população, são consideradas fator para o surgimento da doença.

Além do estilo de vida como fator de risco, os entrevistados levantaram outros pouco considerados tanto por profissionais de saúde quanto nos estudos a esse respeito. Assim, com base nos dados desta pesquisa, depreende-se a importância de vincular níveis diferentes de análise no entendimento do risco de doenças.

A distribuição da pressão alta na população varia segundo padrões culturais e há um número considerável de pesquisas sobre variáveis sociais, culturais e psicológicas como fatores de risco para essa doença.(16,17)

Os dados desta pesquisa mostram a percepção de fatores sociais e psicológicos como fontes de estresse e de risco para a elevação da pressão arterial da comunidade estudada.

O processo de mudanças culturais de uma sociedade menos complexa para uma mais complexa – aculturação ou modernização – conduz ao aumento da pressão sangüínea.(16)

A principal inspiração para os modelos de influências sociais na pressão arterial deriva de estudos clássicos de estresse e doença, iniciado por Selve, citado Dressler e Santos (2000).(16)

O estresse pode ser entendido como um modelo de adaptação individual, no qual o indivíduo tenta manter um balanço psicobiológico. Cada indivíduo gasta energia para responder aos desafios ambientais. A maioria desses desafios é rotineira e de fácil manejo. Algumas vezes, entretanto, eles podem ameaçar ou colocar em perigo o bem-estar do indivíduo, dada a magnitude ou a duração deles. A estratégia individual para manejar com sucesso ou adaptar-se pode não ser efetiva, e o resultado pode ser uma falência no sistema adaptativo individual, produzindo alterações no estado fisiológico, como elevação na pressão sangüínea.(17)

Os mecanismos acima se relacionam ao indivíduo, entretanto é necessário considerar o suporte social como um amortecedor contra os efeitos estressores.(16)

Outro fator apontado pelos pesquisadores como produtor de efeitos estressores diz respeito à posse de bens materiais, além dos recursos financeiros.

Os entrevistados também apontaram essa faceta. Vejamos uma afirmação que exemplifica esse aspecto: 

A vida da gente é saber gastar o pouco que ganha, não adianta ficar nervoso se você não sabe controlar o que ganha, quer conseguir algo além do que você ganha, você acaba estressando. Quer possuir um carro, morar bem, ter boa alimentação, você acaba estressando por não ter condição... o estresse diminui o tempo de vida dele aqui na terra. 

         Alguns estudos mostram que a discrepância entre a aspiração de status social e os recursos necessários para alcançar essas aspirações provoca uma circunstância crônica estressante que conduz à elevação da pressão sangüínea. Esse tipo de discrepância é típica do processo de modernização.(17) 

Compreensão da hipertensão arterial

A maioria dos participantes do grupo focal afirmou que não sabia o que era hipertensão e que estava participando do grupo para aprender sobre esse assunto. Disseram, também, que a maneira de saber se uma pessoa tem pressão alta é verificar a pressão arterial e que os idosos têm de fazer isso com maior freqüência. Um dos participantes afirmou que a hipertensão arterial não tem sintomatologia, entretanto, outros afirmaram que as pessoas têm sintomas diferentes. Apontaram, também, que a hipertensão tem conseqüências graves, como acidente vascular cerebral e infarto. Outros ainda afirmaram que essa não é uma doença e que está relacionada à raiva e ao nervosismo. Alguns participantes do grupo tentaram explicar o que é hipertensão da seguinte forma: 

O coração da gente é uma máquina tipo carro. Tá funcionando, tem um carburador, por exemplo, mas se entra um cisquinho ele começa a querer afogar, se você não tirar, ele afoga mesmo. Assim também é o coração da gente. Tem as veias que alimenta o corpo da gente. E se o sangue engrossa muito, pode entupir uma veia e traz problema. Traz pressão alta.

 

[...] é uma agitação no sangue... [Ele] circula mais forte nas veias, a pessoa fica mais agitada, não é, não? Eu acho que é isso. Bate, dá mais batimento cardíaco, subindo, descendo, eu acho que deve ser isso, porque eu nunca senti , né? 

Péres, Magna e Viana(18) constataram, em estudo com portadores de hipertensão, que 41% deles não souberam definir o que é pressão arterial; mencionaram como principal sintoma dor de cabeça e na nuca, sendo as possíveis conseqüências o derrame e o infarto, mencionado por 39% dos participantes do estudo. Os fatores emocionais foram os mais referidos como os que dificultam o controle da pressão arterial.

Sintomas da hipertensão arterial

Os entrevistados mencionaram alguns sintomas da hipertensão como: corpo inquieto, desmaio, insônia, sonolência, pulso acelerado, náuseas, dores de cabeça, dor de cabeça na região da nuca; outros afirmaram que a hipertensão arterial tem sintomas próprios e que é preciso ir ao médico apenas para confirmá-la.

Nenhum dos indivíduos entrevistados sabia a definição de hipertensão arterial. Relataram que é uma doença grave, que deve ser prevenida e que esperavam adquirir esse conhecimento quando receberam o convite para participar da entrevista. Alguns exemplos foram citados, como a tentativa de criar um conceito como a “agitação do sangue” e “sangue grosso”.

Ao analisarmos as representações da população sobre a hipertensão, concluímos que o conceito da doença não está definido para essa população, mas ela o cria com a associação de sintomas que julgam serem específicos da doença.

Os entrevistados acreditam que a hipertensão possui sintomas próprios e bem definidos. Afirmaram que o paciente sabe quando a pressão está alta pelo aparecimento desses sintomas e que, muitas vezes, não há necessidade de mensurar a pressão arterial para confirmar que ela está alta. Isso pode significar um risco para o adoecimento, já que sabemos da inexistência de sintomas específicos para a hipertensão.

CONCLUSÃO

         Os dados apresentados neste estudo revelaram a necessidade de enfatizar os componentes da vida social que contribuem para a qualidade de vida em direção à melhoria no perfil de saúde dos indivíduos e das comunidades.

          No que tange à hipertensão, a análise dos dados orienta claramente para a necessidade de também considerar outros fatores de risco além dos já sabidamente conhecidos e bem difundidos na comunidade. As respostas dos entrevistados se concentraram no aspecto emocional. Eles repetidamente apontaram situações como nervosismo, irritação, ansiedade, tensão, problemas familiares e emocionais como estressores e como risco para a hipertensão. Apontaram também as situações do contexto social e de vida que conduzem ao estresse. Os dados sugerem, portanto, a importância de vincular os fatores psicológicos e sociais como riscos de doenças, particularmente na hipertensão arterial.

Os dados desta pesquisa nos autorizam a trazer para a cena o debate da saúde como resultante do modo de viver e ser das pessoas, contrapondo o reducionismo da saúde como uma concepção estritamente biomédica. Acenar, ainda, para a possibilidade de, na prática, incorporar esse conhecimento para cuidar das pessoas, das famílias e da comunidade, incluindo a qualidade de vida como parte integrante da maneira como os profissionais de saúde fazem suas intervenções, nos remete, inevitavelmente, ao campo da promoção da saúde e da interdisciplinaridade. 

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Contribuição dos autores: concepção e desenho: Clarice Marcolino; análise e interpretação dos dados: Clarice Marcolino, Laura Maria dos Santos; escrita do artigo: Clarice Marcolino, Laura Maria dos Santos; revisão crítica: Clarice Marcolino; aprovação final: Clarice Marcolino; coleta de dados: Clarice Marcolino, Laura Maria dos Santos, Gizele Pereira Augusto ; provisão de pacientes, materiais ou recursos: Laura Maria dos Santos, Clarice Marcolino, Gizele Pereira Augusto; pesquisa bibliográfica: Clarice Marcolino, Laura Maria dos Santos, Gizele Pereira Augusto; suporte administrativo, logístico e técnico: Clarice Marcolino.

e-mail dos autores: claricemarcolino@uai.com.br; laurasantos_monteiro@yahoo.com.br

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