Concepts of health and sickness in families living with arterial hypertension: a qualitative study
Concepções sobre saúde e doença de famílias que convivem com a hipertensão arterial: um estudo qualitativo. 
 

Mislaine Casagrande de Lima Lopes1, Sonia Silva Marcon1

1 Universidade Estadual de Maringá, PR, Brasil;         

Abstract: Introduction: Arterial hypertension is a chronic disease of multi-factorial nature and, for its control the importance of changing life habits related with feeding, regular physical exercises, quit smoking, and the correct use of the medication has been emphasized. The incorporation of the family in the care of members with hypertension constitutes important factor for the control and prevention of complications. Objective: The purpose of the study was to know and understand the concepts of health and sickness in families experiencing Arterial Hypertension (AH). Material and Methods: A study of qualitative nature carried out in Maringá - PR, using the Grounded Theory as a methodological referential. Data was collected from March to July 2007, through open interviews and observation, carried out with 14 families undergoing different stages of Arterial Hypertension. Results: Families revealed that for them, health and sickness are conceived as two poles marked by the presence or absence of physical symptoms; that the family members conceive hypertension as a silent illness, but they do not consider themselves as sick for possessing such condition, whose origin is attributed to intrinsic factors (family inheritance) and extrinsic (feeding and sedentariness). Implications for Nursing: The results emphasize the importance of taking the family concepts into consideration on the daily care adopted by the family, and the need of having health professionals valuing these concepts, in order to provide a more singular and specific assistance to the real needs of the family unit.  

Keywords: Hypertension; family; health behavior; Health knowledge, attitudes, practice

 Resumo: Introdução: A hipertensão arterial é um agravo crônico de natureza multifatorial e, para o seu controle tem-se ressaltado a importância da mudança de hábitos de vida relacionados com alimentação, exercícios físicos regulares, abandono do tabagismo e a utilização correta dos medicamentos. A incorporação da família no cuidado aos membros com hipertensão constitui importante fator para o  controle e prevenção de complicações. Objetivo: O objetivo do estudo foi conhecer e compreender as concepções das famílias que convivem com a Hipertensão Arterial (HA) sobre saúde e doença. Método: Estudo de natureza qualitativa, desenvolvido em Maringá – PR, utilizando como referencial metodológico a Grounded Theory. Os dados foram coletados no período de março a julho de 2007, por meio de entrevistas abertas e observação, junto a 14 famílias que convivem com a HA em diferentes estágios. Resultados: As famílias revelaram que para elas, saúde e doença são concebidas como dois pólos marcados pela presença ou ausência de sintomas físicos; que os membros familiares concebem hipertensão uma doença silenciosa, mas não se consideram doentes por possuir esta condição, cuja origem é atribuída a fatores intrínsecos (herança familiar) e extrínsecos (alimentação e sedentarismo).  Implicações para a enfermagem: Os resultados ressaltam a importância das concepções familiares na condução do cuidado adotado pela família no cotidiano e a necessidade de os profissionais de saúde valorizarem e considerarem estas concepções, com vistas a uma  assistência mais singular e específica às reais necessidades da unidade familiar.  

Palavras chave:. Hipertensão; família; comportamento em saúde; conhecimentos, atitudes e prática em saúde. 

Introdução

A hipertensão arterial é um agravo de grande magnitude em termos econômicos, sociais e de qualidade de vida. Estima-se que 11 a 20% da população adulta sofra com este agravo1; cerca de 85% dos pacientes com acidente vascular encefálico e 40 a 60% dos pacientes com infarto do miocárdio apresentam hipertensão arterial associada1.

 No controle desta condição crônica tem sido ressaltada a importância da mudança de hábitos de vida relacionados com alimentação, exercícios físicos regulares e abandono do tabagismo, além da utilização correta dos medicamentos2,3. E para que estas mudanças ocorram, torna-se imprescindível, por parte do setor saúde, o acompanhamento dos casos e as ações de caráter preventivo e educativo2.  As ações da equipe de saúde no combate à hipertensão, portanto, devem incluir a ênfase na redução dos fatores predisponentes e na orientação do indivíduo e de sua família3. Ademais, para atingir melhores resultados em relação ao cuidado em situações de doença é preciso considerar o indivíduo e a sua interação em um espaço social que inclui as relações humanas e afetivas, atendendo às necessidades de pacientes que dependem de cuidado, como também de seus familiares.

A incorporação da família no cuidado aos membros com hipertensão, sejam eles portadores de alguma dependência ou não, tem sido descrita por alguns autores como sendo muito importante e capaz de aumentar as possibilidades de controle da hipertensão e a prevenção de complicações4-7.  Isto porque a família, além de uma unidade integrante da sociedade, tem sido identificada como capaz de promover a saúde de seus membros8. Sendo assim, em situação de doença, é a responsável pela continuidade do cuidado até a completa recuperação e quando isto não é possível, com as seqüelas da condição crônica. O cuidado familial envolve ações de proteção do indivíduo, promoção, prevenção e recuperação da saúde e tem em vista garantir segurança física, emocional e social da família e promover a vida e o bem-estar de seus integrantes9

Em relação à hipertensão arterial, a unidade familiar pode interferir positivamente no controle dos níveis pressóricos do membro portador, por meio da adesão aos meios de tratamento da doença e estímulo para que estes aconteçam. Além disso, como ela assume a responsabilidade pela saúde de seus integrantes, também precisa ser ouvida em suas dúvidas e ter sua opinião relevada, sendo necessário incentivar sua participação em todo o processo profissional do cuidado4. Por este motivo, a família não deve ser vista apenas como aquela que deve cumprir as determinações dos profissionais de saúde, e sim como agente ativo no processo de cuidado de seus membros10.

O cuidado familiar (com o apoio do sistema de saúde), associado a medidas preventivas e curativas relativamente simples é capaz de prevenir ou retardar o aparecimento de complicações crônicas da hipertensão arterial e prevenir a ocorrência desta doença em outros membros da família11.

Para os profissionais de saúde, o controle da hipertensão e a assistência à família tem sido visualizados como fundamentais, mas também preocupante por dois motivos12. O primeiro diz respeito ao elevado número de casos de pessoas com hipertensão e das complicações decorrentes da doença e seus aspectos limitantes. Sendo assim, o manejo e a busca pelo aumento da resolutividade nas ações voltadas a esta condição têm se caracterizado como alguns dos principais desafios para o sistema de saúde12,13. O segundo motivo é que trabalhar com o grupo familiar não é tarefa fácil e exige bastante dedicação, capacitação e “jogo de cintura”13. Algumas estratégias, então, precisam ser colocadas em prática. Por exemplo, para assistir a família muitas vezes é necessário que pelo menos parte da assistência seja desenvolvida no domicílio e para atuar neste ambiente, se faz necessário o rompimento de barreiras, o conhecimento da família em seu cotidiano e o respeito a suas crenças, culturas e valores, pois a família possui seu próprio ponto de vista sobre o processo saúde/doença, sobre o modo de cuidar e age de acordo com estas concepções13,14.

            Neste sentido, a forma da família cuidar precisa ser entendida e respeitada pelos profissionais com ela envolvidos, visto que o conhecimento de suas necessidades, crenças, valores e costumes ajuda a delinear o trabalho profissional, além de possibilitar uma assistência digna e individualizada14. Além disso, o cuidar envolve a reformulação de conceitos e repensar velhas atitudes e pensamentos, o que tem se tornado um desafio para os profissionais de saúde ao cuidar da família15.

Assim, com o intuito de ampliar o conhecimento dos profissionais de saúde sobre costumes, crenças e valores de famílias que convivem com a hipertensão arterial, foi desenvolvido um estudo utilizando os pressupostos da Teoria Fundamentada nos Dados e esta comunicação traz um recorte deste estudo, tendo como objetivo conhecer e compreender as concepções destas famílias sobre saúde e doença, enfatizando seus conceitos sobre a hipertensão.  

Método

Trata-se de um estudo qualitativo que utilizou os pressupostos da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) para orientar a coleta e análise dos dados. O propósito da TFD é construir um modelo teórico que facilite o entendimento dos fenômenos sociais, ou seja, dos aspectos relacionados ao comportamento humano. Utiliza-se um conjunto de procedimentos sistemáticos para desenvolver este modelo, que constitui uma formalização teórica da realidade em observação e é fundamentado nos próprios dados por ele gerados16.

A pesquisa foi realizada no município de Maringá - PR, no período de agosto de 2006 a novembro de 2007, junto a 14 famílias, contactadas a partir de algumas unidades de saúde do município, as quais integraram cinco grupos amostrais: famílias que convivem com a HA controlada; famílias que convivem com a HA não controlada; famílias que possuem um familiar com dependência física decorrente da HÁ; famílias que têm um membro falecido em decorrência de complicações da HÁ; e famílias que convivem com criança hipertensa. Duas famílias foram inseridas em mais de um grupo.

Para obtenção dos dados utilizou-se a entrevista aberta, com a seguinte questão norteadora: “Como tem sido a vivência da família com relação à hipertensão arterial?” Também foi elaborado um diário de campo para registro das observações e impressões da pesquisadora e do comportamento dos membros familiares durante a entrevista.

Mediante o consentimento dos participantes, as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra e enriquecidas com as informações do diário de campo e com as lembranças do comportamento não verbal. Após a transcrição e incansáveis leituras, realizou-se o processo de codificação aberta e a categorização dos dados, o que permitiu a identificação do fenômeno central denominado “A família convivendo com a Hipertensão arterial”, o qual é cosntituído por cinco temas.  Nesta comunicação é apresentado um dos temas do trabalho que refere as concepções familiares sobre saúde e doença identificadas nos relatos das famílias.

O desenvolvimento do estudo respeitou todos os preceitos éticos que envolvem pesquisa com seres humanos estabelecidos pela Resolução 196/96 do Ministério da Saúde. Assim, foi solicitada autorização para a realização do estudo junto à Secretaria Municipal de Saúde de Maringá - PR e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer n.º 034/2007).  Todos os membros das famílias que participaram da entrevista assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) em duas vias. 

Apresentação e discussão dos dados

            As famílias, ao relatarem sua experiência de conviver com a hipertensão arterial,  revelaram suas concepções sobre saúde e doença, dando origem a três categorias: Concebendo saúde e doença; Diagnosticando a hipertensão arterial; e Sentindo-se saudável com a hipertensão arterial.  

·         Concebendo saúde e doença

            Observou-se que as famílias possuem percepções semelhantes sobre o que é “possuir uma doença” e sobre o “estar saudável”. Sobre as concepções de doença, as famílias revelam que esta é percebida predominantemente a partir da existência de sintomas físicos:

Eu acho que no meu caso é doença, porque é meio difícil a respiração, tenho tosse, tenho dor, aperto no peito, dor nas costas [...](Hipertensa - F9).

 O bronquite {é doença}, porque se dá aquela crise[...], a gente não pode levantar, a gente não pode andar, e se eu não tiver a bombinha ou a inalação, aí eu não consigo nada [...](Avó cuidadora - F13). 

            Em alguns casos, além da presença de sintomas físicos, a doença também foi concebida como a existência de sintomas de origem emocional, como pode ser observado no relato abaixo:

 Eu acho que doente é uma pessoa que tem um problema assim físico [...].e que tem uma doença interior também [...] (Hipertensa -F11). 

            Algumas famílias também referem que a doença é algo inevitável, sendo esta uma conseqüência da vida do homem:

Doença é conseqüência da vida. Deus não fez nós pra ficar doente, pra morrer. Mas teve Adão e Eva e pôs eles no jardim e pois uma árvore, com frutas, eles comiam [...]. Então veio a morte... E a morte vindo, veio as doenças. A doença é conseqüência do pecado (Esposo cuidador e hipertenso - F5).  

Neste caso, doença é vista como um castigo de Deus resultando de atitudes pecaminosas do indivíduo e independente da pessoa cuidar da sua saúde física, esta sofrerá algum agravo em sua saúde durante sua vivência.

             Ao contrário das concepções de doença, a saúde é concebida como a ausência de sintomas físicos, mesmo quando a pessoa possui algum tipo de doença ou condição crônica:

Não, ela não sentia nada não. Ela tinha uma saúde que era beleza. Aí depois que descontrolou, que deu esse segundo derrame, aí acabou mesmo (Esposo  cuidador - F3). 

            Esta família convive com a esposa/mãe que apresentou dois Acidentes Vascular Encefálico (AVE), sendo que o segundo deixou maiores seqüelas em relação ao primeiro. Entretanto, mesmo após o primeiro episódio de AVE, a família considerava o familiar saudável, pois, além de não apresentar sintomas, era independente e realizava todas as atividades diárias.

A relação entre ausência de sintomas e a percepção de bem estar e a concepção de ser-estar saudável tem sido identificada em vários estudos, inclusive em um estudo realizado com uma população ribeirinha, em que se observou que, para a maioria das pessoas (51,7%), a idéia de ser saudável está relacionada à ausência de sintomas de doenças e a uma percepção de bem-estar17.

            Em um estudo sobre os conhecimentos e crenças de pessoas a respeito da hipertensão arterial, verificou-se que “ter saúde” foi enfocada sob duas formas. Uma delas destaca que saúde está relacionada à inexistência de sintomas que, para os entrevistados do estudo, significa estar bem, com saúde e poder comer qualquer coisa. A outra forma refere que saúde está relacionada ao tipo de alimento ingerido pela pessoa18, que pode favorecer ou não sua saúde física.

A necessidade de realizar cuidados para a prevenção de doenças também foi destacada por algumas famílias que consideram que para manter a saúde, se faz necessário se cuidar, tomar os medicamentos corretamente e alimentar-se saudavelmente:

Eu acho que a gente tem que se cuidar, tomar os remédios certinho, porque, senão você fica doente [...]. Tirei o sal, o óleo (Esposa cuidadora e Hipertensa - F1).

            Por outro lado, foi possível identificar pessoas que não realizavam cuidados preventivos antes do diagnóstico da hipertensão:

Antigamente era descuidado com o sal, principalmente quando morava com a mãe, não tinha controle (Filho cuidador e hipertenso - F10).

A gente não cuidava naquele tempo. Era aquela comidinha normal, que a gente fazia sempre, do sítio [...]. Depois que a gente descobriu, é que eu fui tendo os cuidado [...]. (Hipertensa - F11).  

            Observa-se que nas famílias em estudo, o hábito de se cuidar para prevenir a ocorrência da HÁ bem como de suas complicações, normalmente não está presente, sendo importante o estímulo a práticas saudáveis, com vista a evitar ou distanciar o aparecimento de condições crônicas. Cabe ao profissional da saúde a transmissão das informações e a adequação das práticas em saúde tanto para a preservação da saúde dos membros que possuem uma patologia, quanto ao que se refere aos métodos de prevenção das doenças18. 

·         Diagnosticando e concebendo a hipertensão arterial

            Ao relatarem sua experiência de convivência com a HÁ, as famílias revelaram desde seu aparecimento no seio familiar até o seu tratamento, o que deu origem às subcategorias: A hipertensão como doença (as)sintomática; A origem da hipertensão; Sentindo-se saudável com a hipertensão arterial; A hipertensão como fator de risco para outras doenças.  

- A hipertensão como doença (as)sintomática

            As famílias revelaram que para elas, a HA se caracteriza por ser uma condição assintomática e por esta razão, dificilmente é diagnosticada a partir de sintomas físicos. Isto por sua vez, faz com que muitas pessoas fiquem anos sem diagnóstico. A inexistência de sintomatologia característica faz com que esta condição seja considerada uma doença silenciosa:

Bom, pelo menos ele não falava {dos sintomas} [...]. Eu mesma não sinto nada, e quando vê já está bem alta assim [...](Esposa cuidadora e hipertensa - F1). 

O diagnóstico muitas vezes foi feito por acaso, quando o indivíduo comparece ou afere esporadicamente a pressão e se depara com níveis alterados:

[...] .à medida que foi medindo, quando eu peguei uma certa idade, a gente freqüenta mais o posto, aí então mede, vê que tá meio alta (Hipertensa - F9). 

 Um aspecto importante a ser considerado é que mesmo após o início do tratamento os sintomas podem continuar obscuros, dando à pessoa a impressão de que ela utiliza medicamentos sem necessidade:

Às vezes tava com 17-18 de pressão, e eu tava a mesma coisa de agora [...] (Hipertenso - F7). 

Como as pessoas geralmente se consideram doentes apenas quando sentem algum sintoma físico e a hipertensão é uma condição que geralmente não apresenta sintomas, pode-se considerar que estes fatores podem interferir na adesão ao tratamento medicamentoso e nas mudanças de hábitos, podendo, inclusive, ocasionar complicações maiores.

            Por outro lado, entre algumas famílias que já convivem com familiares que possuem uma complicação decorrente da hipertensão arterial, existe a concepção de que esta condição, mesmo não possuindo sintomas, é tão perigosa quanto outros problemas de saúde:

Ela é uma doença perigos [...] traiçoeira [...].porque ela acaba com a pessoa. Você não ta sentindo nada, mas a danada te derruba [...].(Esposa cuidadora -F1). 

            Nota-se que os familiares, diante da experiência de acompanhar de perto as complicações decorrentes da hipertensão arterial em seus membros e com elas conviver, passam a entender que esta doença necessita ser cuidada e que maior atenção deva ser dada às pessoas que tiveram AVE, a fim de evitar a recorrência deste mal.

Entre as pessoas que possuem o diagnóstico, pode-se observar que a convivência com a hipertensão permite que estas percebam algumas modificações ou sensações que são associadas ao aumento da pressão arterial. Os principais sintomas referidos foram cefaléia, tontura, cansaço, palpitação, edema e tumefação dos vasos no pescoço:

Aqui pegou uma dorzinha de cabeça, uma dor na nuca [...].(Hipertensa - F9).   

Agora [...] 17 deve estar, porque eu to sentindo que aqui no pescoço tá mais inchado (Hipertenso - F7).  

[...] Eu comecei a inchar, ter palpitação[...].(Hipertensa - F12). 

Estes sintomas também foram destacados por outros estudos19, sendo a cefaléia o mais freqüente. Ademais, alguns autores alertam que uma conseqüência indireta deste fato é que alguns pacientes acabam por ingerir os medicamentos somente quando apresentam sintomas que os incomodam, aumentando assim a possibilidade de ocorrência de complicações17. 

- A origem da hipertensão

Nesta segunda subcategoria verificou-se que várias causas foram atribuídas à ocorrência desta doença; entretanto, a maioria delas eram tidas como originárias de fatores geradores de estresse físico ou emocional, tais como condições de trabalho, uso do cigarro e atritos familiares:

[...]  Foram trinta e poucos anos de trabalho, e parado no caminhão, e calorias e a perna sempre encolhida ali, a alimentação, porque a gente comia na estrada, não sabia nem o que comia; o estresse, passava noites sem dormir[...](Hipertenso - F8).  

Eu acho que é o estressamento, atrito na família, porque eu fiquei 10 anos morando junto com o meu irmão e a gente brigava muito (Filho cuidador e hipertenso - F10).  

A hipertensão também foi concebida por alguns familiares como proveniente de fatores inerentes ao ser humano, como o envelhecimento, a menopausa, a obesidade e a predisposição genética:

A pressão, quando chega uma certa idade, já começa essa doença (Hipertensa - F9).   

Eu percebi que eu tive problema da pressão depois que eu passei da menopausa (Filha cuidadora - F9).  

[...] Eu acredito que parte venha da obesidade e acredito que o cigarro ajudou nisso aí [...] (Hipertenso - F8).  

[...].O médico falou que quando tem sempre na família, costuma, se a mãe tem, a filha tem e aí passa pra outra filha [...] (Hipertensa - F12). 

Alguns autores5,19,20 destacam como causa da HA fatores intrínsecos, tais como herança familiar, obesidade, os aspectos emocionais; e extrínsecos: hábitos alimentares inadequados, sedentarismo, estresse e o tabagismo. Também é conhecido que as condições crônicas realmente estão relacionadas com o aumento da idade; entretanto, elas podem ocorrer mais tardiamente se forem realizados alguns cuidados preventivos durante a vida das pessoas. A prevenção de doenças é abordada como uma das metas dos serviços públicos de saúde.

Algumas famílias no entanto fizeram referência ao fato de atribuírem a algumas situações pontuais a ocorrência de doenças:

Eu sei que é isso, foi uma vez que ele trouxe uma viagem de São Paulo, a carga inteirinha de veneno [...]. Desde aquela vez ele ficou com o problema da pressão (Esposa cuidadora - F1).  

Na etiologia popular é comum aparecerem causas “mágicas” para os problemas de saúde. Em um trabalho sobre as concepções da HÁ em pessoas da terceira idade, verificou-se que alguns dos participantes também relacionavam o aparecimento da hipertensão a causas pontuais. Um dos idosos entrevistados associou a origem desta doença a um momento em que ele ingeriu um vinho licoroso, sendo que, em sua concepção, a partir desta situação sua pressão começou a subir17. 

- A hipertensão como fator de risco para outras doenças

            Esta subcategoria foi derivada da concepção de algumas famílias em que a HÁ é a causa de outras doenças. A conseqüência mais conhecida e temida pelas famílias é o AVE.

Para as famílias que convivem com membros portadores de AVE, verifica-se que os cuidadores, que muitas vezes também possuem hipertensão, sentiam receio de que se elevassem seus níveis pressóricos, pois relacionam a ocorrência do AVE  à manutenção da pressão alterada:

Esse negócio de pressão alta: a pressão subiu, a gente fica com medo [...] Para dar o derrame, é só atacar a pressão (Esposo cuidador e hipertenso -F3). 

            Já entre as famílias que não conviviam com uma pessoa com dependência decorrente da hipertensão não encontramos referência a este medo:

Nessas coisas eu não penso não (Hipertenso - F7). 

            Muitas vezes, nos casos em que a hipertensão não causa preocupações, pode haver a negligência dos cuidados com a condição, o que pode também levar à ocorrência de vários internamentos, como foi o caso do membro que possui hipertensão na família 7. Este fato pode levar a suposição de que existe uma negação do estado de doença pela pessoa que possui a hipertensão arterial. 

·         Sentindo-se saudável com a Hipertensão Arterial

Nesta subcategoria encontram-se os relatos que revelam que para as famílias a HÁ não é uma doença, pois além de não apresentar sintomas físicos, pode ser controlada, sendo possível conviver com ela sem alterações bruscas na rotina diária. Mais uma vez é revelado que ser doente é concebido pelas famílias como ter sintomas físicos que impossibilitem a realização de suas atividades:

Disso aí {hipertensão} eu não me considero doente não (Hipertensa - F9).   

[...] Não, hoje eu não considero (a criança doente). Ele faz tudo o que tem que faze [...]. Eu também tenho pressão alta e não me considero, porque se a gente sente que tá ruim, a gente tem um comprimidinho, põe debaixo da língua [...] (Avó cuidadora e Hipertensa - F13). 

 Outros acreditam que a HA não é uma doença porque o indivíduo pode mantê-la controlada, tanto por medicamentos quanto pela adequação de hábitos alimentares:

Não sou doente, porque depois da gente acostumar a ter uma alimentação controlada, bem cuidada, aí a partir desse tempo eu tenho me sentido bem (Hipertenso - F11).  

Eu não me considero doente [...] porque eu acho que a pessoa não é doente. Ela tem um problema, mas ela tomando o remédio, ela controla, ela é normal [...] (Hipertensa - F12).  

Geralmente as pessoas tentam encontrar inúmeros recursos para serem excluídas do quadro nosológico estabelecido pela medicina. Negar a condição de doença é, aparentemente, um destes recursos utilizados e esta idéia acontece principalmente quando a doença não apresenta sintomas físicos e não ocasiona a privação ou restrições para realizar as atividades diárias2. Este fator pode acarretar problemas na adesão aos tratamentos instituídos para o controle da condição. Neste sentido, torna-se importante que profissionais de saúde invistam em estratégias para que as pessoas visualizem a sua doença, pois é por meio desta conscientização que podem surgir as condições para o enfrentamento de suas enfermidades17.

            Mesmo não sendo considerada como doença, a hipertensão foi destacada pelos participantes como um problema difícil de ser cuidado, devido às oscilações a que está sujeita. Quando o problema é com a criança, as dificuldades são ainda maiores, principalmente quando esta ainda não expressa verbalmente sua dor e mal-estar. Uma mãe que realiza cuidados ao filho com hipertensão referiu:

Eu considero a hipertensão não uma doença, mas uma coisa que é complicado lidar com ela. De repente tá bem, de repente já não ta [...] (Mãe cuidadora - F14).   

            A semelhança dos relatos dos entrevistados sobre ser saudável mesmo possuindo a hipertensão, pode refletir uma consciência geral das pessoas de que ter saúde é estar bem fisicamente, não possuir sintomas físicos perceptíveis que as façam considerarem-se portadoras de uma patologia. Em uma das famílias, o entrevistado mostrou claramente a diferença que as pessoas fazem do estar sadio ou doente, sendo que o fato de apresentar dependência física ocasionada por um AVE fez toda a diferença:

Eu não, eu achava que não era {doente}. Mas agora {Após o AVE} eu tô doente mas, perto dos outros eu tô são (Hipertenso e portador de AVE - F1). 

            Alguns relatos encontrados podem justificar esta posição dos entrevistados de não se considerarem doentes:

Você não pode pôr na cabeça que é doente, porque se você pôr que é, você fica mesmo [...] (Esposa cuidadora e Hipertensa - F1).  

A pessoa se pôr na cabeça que ela é doente, mesmo que ela tenha saúde, ela se torna uma pessoa doente [...] (Hipertenso - F8). 

             Isto pode revelar que as famílias tentam se sobrepor à condição crônica e não se entregar a ela, para que não haja o sofrimento emocional, que dificulta ainda mais o controle dessa condição. Alguns autores também descrevem que é realmente muito difícil das pessoas aceitarem o fato de estar doente, por que esse reconhecimento implica em também admitir o tratamento e a privação de muitos aspectos da vida, ou seja, assumir a doença aglutina outros problemas na vida, muito além da própria doença, com conseqüências tão importantes e restritivas quanto ela própria2.

            A semelhança dos relatos dos entrevistados sobre ser saudável mesmo possuindo a hipertensão, pode refletir uma consciência geral das pessoas de que ter saúde é estar bem fisicamente, não possuir sintomas físicos perceptíveis que as façam considerarem-se portadoras de uma patologia.           

Considerações finais

A convivência da família com doenças crônicas é permeada por crenças, costumes e experiências que geram as concepções sobre o que é ter saúde e doença. Estas concepções recebem interferências das relações com o meio social e fundamentam as práticas de cuidado familiar e suas atitudes diante da doença.

O fato de não se considerar doente tendo hipertensão e não conceber essa condição como doença pode levar o indivíduo a não realizar os cuidados e não entendê-los como necessários para si, o que pode repercutir no tratamento da condição crônica. Por isso estas concepções precisam ser conhecidas e consideradas pelos profissionais de saúde, com vistas a um atendimento que envolva o indivíduo e à sua inserção no meio social.

Conhecer as crenças da família sobre saúde e doença, além de permitir a aproximação e entendimento do cuidado dispensado aos seus membros, possibilita uma assistência mais singular e voltada para as reais necessidades da unidade familiar.  

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- Data da Defesa: 12 de outubro de 2007.

- Instituição: Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá.

- Banca Examinadora: Sonia Silva Marcon (presidente), Maria Ribeiro Lacerda e Maria José Scochi.