Perception of the family that existence the care of child with meningomyelocele: descriptive study
Percepção da família que vivencia o cuidado da criança com mielomeningocele: estudo descritivo
 

Maria Aneuma Bastos Cipriano1, Ana Luiza Paula de Aguiar Lélis1, Maria Vera Lúcia Moreira Leitão Cardoso1, Maria Veraci Oliveira Queiroz2. 

1Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil; 2Universidade Estadual do Ceará, CE, Brasil. 

Abstract: Children with meningomyelocele (MMC) present special needs that require constant family care. We aimed to understand the family perception on the experience with children with MMC. This is a study of qualitative approach carried out with fifteen families from May to June 2008 through semi-structured interviews and non-systematic observations registered in field diary. The categories of analysis were: family daily care of children with meningomyelocele; difficulties in the access to the treatment and follow-up of the disease; and failure in communication. The results show that the needs of children/family extend mainly to physical, psychosocial and financial problems. The dissatisfaction is created by upset in attendance, accessibility and lack of information on the disease. We concluded that in order to minimize the problems provoked by the disease and promote the families’ reception are necessary: interdisciplinary intervention with institutional support; educational actions to improve the care and the quality of life of these patients.  

Keywords: Meningomyelocele; Family; Nursing. 

Resumo: A criança com mielomeningocele (MMC) apresenta necessidades especiais que requerem cuidados familiares contínuos. Objetivou-se compreender a percepção da família acerca da vivência com a criança com MMC. Estudo com abordagem qualitativa realizada com quinze famílias de maio a junho de 2008 por meio de entrevistas semi-estruturadas e observações assistemáticas, registradas em diário de campo. As categorias de análise foram: cuidado familiar diário da criança com mielomeningocele; dificuldades no acesso ao tratamento e seguimento da doença e falha na comunicação. Os resultados denotam que as necessidades das crianças/famílias se estendem, principalmente, aos problemas físicos, psicossociais e financeiros. A insatisfação é gerada pelos transtornos no atendimento, acessibilidade e a desinformação da doença. Concluímos que, para minimizar as adversidades provocadas pela doença e promover o acolhimento das famílias, são necessárias intervenção interdisciplinar com apoio institucional; ações educativas na melhoria do cuidado e na qualidade de vida destes pacientes. 

Palavras-chave: Mielomeningocele; Família; Enfermagem.  

Introdução

A mielomeningocele (MMC) é uma malformação congênita do tubo neural, em que ocorre uma falha na fusão dos elementos posteriores da coluna vertebral e displasia da medula espinhal, que pode produzir disfunção em muitos órgãos e estruturas, como o esqueleto, pele e trato genitourinário, além do sistema nervoso periférico e central. A incidência na população mundial é de 1:1.000 crianças nascidas1.

A causa da referida doença não está bem esclarecida, provavelmente multifatorial, incluindo fatores genéticos e ambientais, deficiência de ácido fólico, azul tripano, salicilatos, insulina, ácido valpróico, carbamazepina e álcool. Sob este aspecto, defendem os autores a idéia de que a deficiência de ácido fólico é um dos fatores de risco mais importante, identificado até hoje, para desencadear a MMC1.

Na Inglaterra, nos anos de 1960, surgiram as primeiras clínicas para atender pacientes com MMC. No Brasil, a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), localizada em São Paulo, inaugurou a primeira clínica em 1978. Na região Sul (Curitiba), existe um grupo integrado para tratamento de crianças com MMC, no Hospital Infantil Pequeno Príncipe, e uma Associação de Pais e Amigos de Crianças Portadoras de Mielomeningocele (APPAM). Sabemos da existência também de outras Associações nas cidades de Ribeirão Preto/SP, Rio de Janeiro, Goiânia, Belo Horizonte, dispomos de serviços integralizados para atender estes pacientes em alguns hospitais públicos do nosso país.  No Estado do Ceará, as crianças nascidas com MMC em hospitais da rede do Sistema Único de Saúde (SUS), que não dispõem de uma equipe especializada no atendimento dessas crianças, geralmente, são encaminhadas para o Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), centro de referência na assistência à criança e ao adolescente, o qual recebe mensalmente, elevado contingente de crianças com MMC.

Diante das necessidades da criança com MMC, a família, representada especialmente pela mãe, possui a responsabilidade de fornecer a atenção básica de nutrição, higiene, estímulos ao crescimento e ao desenvolvimento, além de cuidados específicos resultantes da deficiência orgânica, como micção, evacuação e movimentação, dependendo do comprometimento neuromotor da criança.  Para efetivar adequadamente o tratamento e a manutenção da saúde de um bebê com MMC, há necessidade de acompanhamento contínuo com uma equipe multidisciplinar, composta de pediatra, neurocirurgião, ortopedista, urologista, geneticista, nefrologista, fisioterapeuta, enfermeiro, psicólogo e assistente social, os quais devem trabalhar de maneira integrada, pois esta criança precisa ser assistida em seus diversos aspectos2.  

 Nesse contexto, a criança com necessidades especiais, que foi tratada no hospital e com equipe de especialistas e equipamentos sofisticados, sofre um grande impacto ao chegar em casa.  Além de suas debilidades, poderá encontrar uma família afetada em sua capacidade de desempenho, em particular os pais, inclusive com sua condição de saúde prejudicada pelos reflexos dessa situação estressante3.

 A família no enfrentamento da doença do filho e na responsabilidade de prover cuidados, às vezes passa por situações de desesperança, pois, em virtude das dificuldades, torna-se desmotivada a continuar o tratamento nos serviços de saúde e assim o cuidado da criança fica incompleto4.

Estes pacientes apresentam muitas necessidades que envolvem várias dimensões, por ser uma doença crônica, que compromete vários sistemas e requer tratamento e cuidados contínuos de alto custo durante toda a sua vida. Pautadas em nossa experiência, observou-se que as famílias cujos filhos nasceram com MMC, reclamam freqüentemente das condições de atendimento, da falta de conhecimentos sobre a doença e de como será o tratamento e os cuidados no seu dia-a-dia. Tais situações contribuem para aumentar os desconfortos, os conflitos intrafamiliares em virtude da demanda de cuidados com esta criança.

Portanto, a família como um todo precisa ser cuidada e apoiada para lidar com a nova situação que se apresenta. Assim, ressalta-se a importância de o profissional de enfermagem estar capacitado para atender as demandas de cuidado da família numa perspectiva de integralidade, utilizando como ferramentas a escuta qualificada, a atenção singular às demandas de cuidado e a construção de redes sociais de apoio5.

Nossa prática profissional em hospital pediátrico, e vivenciando ocorrências de crianças com MMC, cujas famílias apresentavam desinformações sobre a patologia, dificuldades na assistência à saúde, inúmeras queixas e dúvidas ante o cuidado da criança, motivou-nos a compreender como a família vivência o cuidado de um filho com MMC, pois muitos bebês com MMC saem dos hospitais sem o planejamento adequado do tratamento e do seguimento da doença. Alguns não voltam mais ao serviço, talvez por falta de orientações e sensibilização de responsabilidades compartilhadas entre o serviço e a família no cuidado com a criança4.

Ressalta-se a relevância deste estudo, sendo indispensável à atuação do enfermeiro em atividades tanto na assistência hospitalar quanto ambulatorial junto à família e a criança com MMC. Desse modo, colaborar com sugestões para a atuação de uma equipe interdisciplinar que venha amenizar as dificuldades enfrentadas para prover o cuidado com a criança. Objetivamos compreender a percepção da família acerca da vivência com a criança com MMC. 

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa.

O estudo foi realizado no ambulatório especializado de neurocirurgia de um hospital infantil público da rede SUS, referência na assistência terciária à criança e ao adolescente, localizado em Fortaleza-CE. O hospital dispõe de três Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), que assistem crianças maiores de dois meses a dezoito anos, e o Centro de Terapia Intensiva (CTI), destinado aos recém-nascidos de zero a trinta dias.

A escolha do local decorreu do fato de serem atendidas ali, em grande número, crianças com MMC, as quais são procedentes da capital e das unidades de saúde do restante do Estado, onde são acompanhadas tanto no ambulatório especializado como na unidade de internação. A criança é atendida por várias especialidades médicas, como: Nefrologia, Ortopedia, Urologia, Neurocirurgia, Genética, Fisioterapia e Enfermagem, dentre outras.

Os participantes do estudo foram quinze famílias que acompanhavam os filhos no ambulatório especializado de neurocirurgia. A escolha dos sujeitos ocorreu de modo intencional tendo as seguintes características: acompanhar a criança no atendimento ambulatorial desde o 1º mês até o 5º ano de vida.

O processo de interação entre pesquisador e participantes do estudo, deu-se mediante a realização de encontros que aconteceram nos meses de maio a junho de 2008, nas sextas-feiras pela manhã, momento em que foram realizadas orientações sobre saúde/doença e a troca de experiências no cuidado e tratamento das crianças com MMC.

Para coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada, constituída por duas partes: caracterização dos sujeitos referente aos dados sociodemográficos e questões norteadoras: Como as famílias percebem o cuidado da criança com MMC? Quais as principais necessidades vivenciadas em relação ao cuidado prestado? Para complementação das informações, foram realizadas observações assistemáticas com registros em diário de campo, instrumento de coleta de dados que permite o registro detalhado das informações.

Surgiram questionamentos e reflexões no decorrer das atividades como o cuidado específico com a criança de MMC; as condições do atendimento/acolhimento da família e as relações interpessoais no ambulatório; as instalações físicas do hospital para atender as necessidades daquela criança e a acessibilidade dos pacientes à consulta, conforme relatado pelas famílias.

 Os dados foram submetidos à técnica de análise de conteúdo6, utilizando a análise temática categorial, conforme as seguintes etapas: leitura flutuante e atenta, seguido de recortes de trechos de falas extraindo as unidades de sentidos e formando as subcategorias. Estas foram agrupadas por semelhanças nas seguintes categorias: cuidado familiar diário da criança com mielomeningocele, dificuldades no acesso ao tratamento e seguimento da doença, falha na comunicação.

O estudo foi norteado pela Resolução nº. 196/96, das Diretrizes e Normas Reguladoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos, do Conselho Nacional de Saúde - Ministério da Saúde7. O projeto foi aprovado na instituição onde ocorreu a pesquisa com o registro no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) nº. 53/06. Os sujeitos foram informados sobre a pesquisa - objetivos, justificativa e a forma de participação e, antes de iniciar os encontros, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.  

 Apresentação e Análise dos Resultados

Com suporte na leitura e análise das entrevistas associadas às observações realizadas, foram percebidas as experiências relatadas pelas mães no cuidado à criança com MMC, suas necessidades e a responsabilização do serviço no atendimento da criança.

Caracterização das famílias

            De acordo com os dados, registra-se o fato de que a mãe era a representante principal no acompanhamento e cuidados das crianças, pois estavam em todas as situações de consultas e outros atendimentos. A escolaridade desses participantes configura-se como baixa, considerando que somente duas concluíram o ensino médio e os demais estavam entre saber ler e escrever.

         O grau de escolaridade interfere tanto no conhecimento sobre a doença quanto na sua aderência aos cuidados preconizados. A educação tem o impacto de perpetuação do ciclo de pobreza entre gerações, uma vez que os pais com baixa escolaridade têm dificuldades de garantir melhor escolaridade para seus filhos. Isto também reflete com maior intensidade na criança com necessidades especiais, pois muitas vezes a sociedade e os pais não investem nesta criança, em virtude das dificuldades na locomoção que a doença impõe e ainda os óbices financeiro8.

            A idade dos participantes variou de 19 a 42 anos, tendo predominância a faixa etária entre 30 e 38 anos. A principal fonte de renda familiar provém do marido/companheiro e/ou do benefício que a criança recebe, que corresponde a um salário mínimo, valor vigente na época do estudo R$ 415,00. As mães têm predominância em atividades do lar, pois, segundo relatam, o tempo maior é para cuidar da criança. Com relação ao estado civil, embora a maioria seja casada, essa condição conjugal não parece influenciar na ajuda que recebe do companheiro para cuidar da criança, pois, de fato, quem assumia a maior responsabilidade era a mãe. As famílias eram provenientes da Capital e de vários municípios do Estado do Ceará, sendo uma das dificuldades relatadas no tocante à locomoção. Predominou ainda a religião católica, sendo a espiritualidade fonte de sustentação para lidar com a doença do filho.

             De acordo com as informações expostas sobre as famílias, percebeu-se que a mãe estava representada em todas as situações, pois tivemos apenas a presença de um pai que acompanhava a consulta do seu filho, no entanto, era a mãe que conversava sobre a doença do seu filho.

             Os resultados foram organizados nas seguintes categorias: cuidado familiar diário da criança com MMC, dificuldades no acesso ao tratamento e seguimento da doença, desinformação da doença. 

 Cuidado familiar diário da criança com mielomeningocele

As dificuldades referidas pelas mães com o cuidado da criança no seu dia-a-dia exigem dos seus membros familiares disponibilidade de tempo, havendo uma sobrecarga no trabalho doméstico, pois elas assumem sozinhas estas responsabilidades9.

 Para se cuidar de criança com seqüelas motoras é necessário um esforço físico intenso por parte do cuidador como também condições financeiras para manter o tratamento. De acordo com o relato: 

Também os recursos para vir é difícil, às vezes eu perco muitas consultas dele, porque a prefeitura, não é toda vida que ela pode me dar passagem (E6).

As famílias pesquisadas são procedentes de uma classe econômica de baixa renda e na maior parte delas somente o pai tem trabalho remunerado, portanto, a renda familiar tem origem única. É comum entre essas famílias sobreviverem financeiramente do benefício que a criança recebe. Em razão de alguns comentários feitos pela entrevistada, podemos perceber que a situação financeira interfere na realização do tratamento e na qualidade de vida e saúde de toda a família.

Importa informar que a renda familiar provém do marido com ajuda do benefício que a criança recebe do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS (01 salário mínimo). As mães têm uma predominância quanto à ocupação em atividades domésticas e relatam que não têm condições de trabalhar fora do lar, porque se dedicam de forma integral ao cuidado do filho, pois é uma criança que necessita de atenção especial.

O tratamento e as ações de cuidados em doenças crônicas são de alto custo e muitas famílias não têm como manter as despesas com transporte, medicamentos e dietas especiais10.

A doença é uma ocorrência que influencia o contexto familiar. Nesta pesquisa, as mães mostram as dificuldades para cuidar de si em virtude da dedicação exclusiva ao filho. As narrativas expressam as condições vividas:

 Eu tenho uma cirurgia para fazer mais eu não faço por causa dela (criança), os médicos tentaram fazer uma cirurgia na bexiga para o “xixi” passar pelo umbigo, mas não deu certo, erraram três vezes e voltaram para a uretra de novo e na uretra tem que ser eu, ela não sabe tirar (E3).Agora o que a gente está enfrentando é que ele está crescendo né? Perdi a consulta porque eu não controlava ele sozinho, o peso dele (E9). 

O cuidado familiar da criança com MMC pode se iniciar logo após o nascimento, caso a criança não esteja grave, mas os cuidados mais específicos relacionados aos distúrbios neurológicos, como a incontinência urinária e fecal, e as desordens neuromotoras, perduram por toda a vida11.

Para os profissionais da saúde, torna-se importante conhecer o quando a  família é acometida em suas várias dimensões da vida humana. O apoio recebido pela equipe de saúde e pelos membros da família ajudará no enfrentamento dos problemas e assim as mães se tornarão mais fortalecidas e com possibilidades de cuidar da criança.

Enfim, desenvolver o autocuidado significa ter direito a atividades básicas de sobrevivência, como alimentação, sono, repouso, moradia e estilos de vida saudáveis. O discurso a seguir mostra as inúmeras dificuldades e a impotência em desenvolver esses cuidados, uma realidade expressa no coletivo, pois atinge outras famílias:

Eu não tenho tempo, pois eu tenho duas crianças e tem aquela correria, ninguém me ajuda e o pai dela trabalha, tem a minha irmã que fica com os meninos pra eu vir pra cá, só esta ajuda (E12).

Outras situações retratam as dificuldades enfrentadas pelas crianças e pela família no convívio social, em decorrência das seqüelas da doença. Há dificuldades das escolas em cumprir a legislação referente ao cuidado com crianças especiais, talvez pela falta de estrutura institucional e despreparo da equipe. As mães expõem o fato, mostrando que fica a desejar a inclusão de crianças com necessidades especiais:

Os coleguinhas chamam ela de tudo, diz que ela fede, aí estas são as dificuldades que eu passo mais, eu vou no colégio, eu reclamo,  porque eu não tenho condições de colocar no colégio particular, e as pessoas não dizem o que tem que ser  dito né?(E2).

 As relações dessas famílias estão determinadas pelos preconceitos da sociedade, tornando-se difícil propor mudanças em relação à forma de organização do cotidiano10.

Os professores precisam ser informados das condições reais da criança e participar de estratégias de superação das limitações, oferecendo apoio à criança e a sua família. Vale ressaltar que o sistema educacional brasileiro prevê a inclusão das pessoas com necessidades especiais na sociedade e no sistema regular de ensino12.

É na família que se iniciam a educação e o respeito pelos seres humanos, principalmente em desenvolver atitudes de amor e respeito ao outro, mas o ambiente escolar é o grande formador de opiniões e comportamentos de respeito e solidariedade no convívio social e na própria família. Para alcançar a sobrevivência infantil com qualidade de vida, crescimento e desenvolvimento saudável é necessário melhorar os conhecimentos e as oportunidades de inclusão das próprias famílias no contexto social de cuidados.

Outro aspecto destacado é em relação aos cuidados que a criança requer na sua rotina diária, como realizar o cateterismo intermitente limpo, várias vezes ao dia. As pessoas encontram dificuldades em buscar apoio, fazer ligações de elos com outras pessoas, grupos, movimentos e instituições13. 

Dificuldades no acesso ao tratamento e seguimento da doença

        São destacadas em diversos aspectos, desde o transporte para chegar ao local da consulta e até mesmo o acesso à consulta com o especialista:

 Quanto à marcação de exames, porque a gente mora em Quixadá, mora distante e pra vir pra cá é difícil a viagem, a gente não encontra vagas no carro (E4); Está com um ano e três meses que o neurologista não ver (E6). É difícil a questão de marcar consulta, é muito difícil (E8).

       Perante o infortúnio e a necessidade de conviverem com uma doença neurológica, que exige retornos e hospitalizações com freqüência, e ainda a condição de morar longe da Capital do Estado, aumentam as dificuldades para realizar e dar continuidade ao tratamento. O deslocamento de sua cidade até chegar ao hospital se torna muito dispendioso, pois não há um transporte público adequado que possa atender estas famílias. Nota-se o quase total despreparo dos municípios em relação à oferta de condições de acesso para as pessoas com dificuldades de locomoção.

Alcançar a acessibilidade evidencia o papel decisivo das políticas públicas nesse processo, salientando que se torna fundamental a promoção da conscientização sobre essa questão e a conseqüente mudança da sociedade14. Nessa situação especial da criança com MMC, tal condição é difícil, haja vista a especificidade do caso, que requer uma equipe de profissionais e exames especializados.

No decorrer do tempo, vai havendo um desgaste físico e emocional. As dificuldades financeiras atrapalham e muitos pais e mães não sabem a quem recorrer; muitos nem reconhecem os seus direitos. Tudo fica mais difícil quando os filhos têm algum tipo de deficiência e necessitam receber cuidados especiais10.

        Quando, porém, a família tem conhecimento e alguns recursos que facilitam o tratamento seus níveis de estresse e ansiedade podem diminuir significativamente.

As transformações ocorridas na política econômica do Brasil produziram profundas mudanças na vida econômica, social e cultural da população. O fator socioeconômico foi o que mais contribuiu para a desestruturação da família15.

As mães revelaram em suas falas o quanto há uma interferência sobre a situação financeira da família na realização do tratamento, consoante os seguintes depoimentos:

Também os recursos para vir é difícil, às vezes eu perco muitas consultas dele, porque a prefeitura, não é toda vida que ela pode me dar passagem (E6) Eu tenho que pagar ônibus dela, eu tenho que pedir dinheiro emprestado, se eu não tiver o dinheiro pra pagar o meu e o dela, a dificuldade que eu passo é muito grande (E10).

Doenças infantis crônicas são doenças de alto custo. As famílias enfrentam muitas outras despesas; como os custos de transporte, medicamentos, telefonemas e dietas especiais16.

 As dificuldades relatadas pelas mães foram mais relevantes no tocante à locomoção destes pacientes até ao hospital de referência. Os pacientes ficam submissos a favores políticos”, pois muitas delas demonstraram não reconhecer o direito que possuem sobre as condições de acesso à saúde. As pessoas ainda são submetidas a favores de prefeituras, no entanto, esta situação interfere no seguimento e tratamento destas crianças.

Falha na comunicação

É fundamental que as famílias obtenham respostas, ao apresentarem as necessidades da criança; sejam esclarecidas sobre a situação de saúde dela, pois necessitam de informações claras, para que possam compreender os aspectos positivos e negativos da doença17. Um aspecto ressaltado na insatisfação dos usuários é identificado na falta de comunicação com os profissionais. A falta de informações sobre a doença e/ou falha na comunicação são relatadas pelas famílias:

Aqui eu não recebi informações certas sobre a doença (E9); Não sei não o que é, eu queria saber o que era que significava, o povo me pergunta e eu não sei explicar a causa desta doença (E1).

A atenção que prevalece nos ambulatórios ainda é acompanhada da tradição autoritária, distanciada e hierarquizante nas inter-relações de profissionais e sujeitos, dificultando os encaminhamentos adequados e a resolubilidade dos problemas dos clientes.

 A maioria dos profissionais não se encontra preparada para realizar esse trabalho da forma recomendada, o que é coerente com uma sociedade mecanicista que privilegia a eficiência e o aproveitamento do tempo18.

A formação de profissionais da área de saúde parece oferecer aos alunos pouca preparação para o desenvolvimento de habilidades de comunicação, principalmente, ao se tratar de notícias difíceis19.

Considerando as prerrogativas sobre a humanização da assistência do Ministério da Saúde, que se destina a promover uma mudança na cultura de atendimento à saúde no Brasil, uma das atividades essenciais é o aprimoramento das relações entre profissionais, usuários e famílias, a fim de melhorar a qualidade e a eficácia dos serviços prestados, nas instituições. Nesse sentido, há que se respeitarem crenças e valores e compreender o binômio criança-família em seus aspectos biológicos, psicossociais e espirituais.

Considerações Finais e Implicações para Enfermagem

A pesquisa retrata as necessidades de atividades educacionais em serviços destinados a familiares no cuidado da criança com MMC, que apresenta condições especiais em virtude da doença. As mães narram suas experiências no cuidar diário e as dificuldades encontradas no percurso de idas e vindas à procura dos serviços de saúde, que se estendem aos problemas físicos, psicossociais e financeiros.

As condições da acessibilidade estendem-se desde o transporte para chegar ao hospital até no relacionamento interpessoal, havendo um bloqueio na comunicação com os profissionais no atendimento das necessidades desta criança. A problemática vai aumentando à proporção que as crianças vão crescendo, principalmente com relação às dificuldades de locomoção em virtude das mudanças corporais e aumento de peso, e requerem um ambiente de privacidade durante os cuidados. Nesse sentido, conseguiu-se identificar algumas dificuldades para cuidados mais específicos e o próprio desconhecimento daquela família sobre a doença e sua evolução, denotando a falta de atenção dos serviços em preparar e apoiar essas famílias para o cuidado diário com um filho em situação especial.

Extraí-se dos resultados algumas reflexões que poderão subsidiar propostas de ação junto à equipe de saúde, principalmente as enfermeiras, que atendem estas famílias, significando um despertar para o compromisso social e político, e que seja possível uma assistência de enfermagem adequada através do desenvolvimento de práticas educativas e humanizada, na qual os relacionamentos interpessoais se tornem mais acolhedores. Sugere-se a formação de uma rede social, por membros da família e profissionais de saúde, de modo a fortalecer a capacidade das famílias no cuidado, iniciando com a criação de um programa especial para pais e mães, promovendo a troca de experiências no cuidado e melhorando a consciência de seus direitos como cidadãos.

Para a efetivação de tal proposta, faz-se necessário que a assistência seja desenvolvida em equipe interdisciplinar e que esta busque junto aos órgãos competentes (Direção, Secretaria de Saúde) melhores condições estruturais no ambulatório especializado, para atender as necessidades das famílias/crianças com MMC. A equipe de saúde poderá desenvolver estratégias que facilitem o aprendizado das famílias, capacitando-as para os cuidados específicos, nesta perspectiva o enfermeiro tem um papel intrínseco ao lidar com as questões educacionais em saúde, colaborando no desenvolvimento de uma assistência a estas famílias através de ações educativas grupais. Dessa forma, acredita-se que será possibilitado à família e a criança um atendimento que se aproxima da integralidade e da humanização proposta no SUS. 

 Em virtudes das demandas e necessidades apresentadas pelas famílias, a equipe multiprofissional e os gestores necessitam se conscientizar na contradição entre o direito à saúde e a realidade enfrentada pelas famílias cujos filhos têm necessidades de cuidados contínuos e dependem do serviço público. É preciso pensar na reorganização desse serviço, estruturando-se com recursos humanos e materiais, de forma a atender a família e a criança nas suas necessidades básicas e nas condições essenciais para obter saúde.

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