Implications of cancellation of surgery in a surgery department: a descriptive-exploratory study

Implicações do cancelamento de cirurgias em centro cirúrgico – estudo descritivo-exploratório

Repercusiones de la cancelación de la cirugía en centro quirúrgico – investigación descriptiva-exploratoria 

Willian Morgan1, Elizabeth Bernardino2, Lillian Daisy Gonçalves Wolff3 

1 Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil; 2 Universidade Federal do Paraná (UFPR), PR; Brasil e Université Laval, QC, Canadá, 3 Universidade Federal do Paraná (UFPR), PR, Brasil. 

Abstract: This descriptive-exploratory research aimed to identify the implications of cancellation of surgery in the nursing work process of the Surgery Department of an University Hospital. Data collection was performed by the notice of surgeries in the period of March to April, 2009, and by the application of a questionnaire with open questions to eight Nurses from the sector. Quantitative data was analyzed by distributions of absolute and relative frequencies and the qualitative data was submitted to content analysis. The results show that among 872 programmed surgeries, 214 were cancelled, and 123 of them were replaced. The implications caused by the cancellation of the surgeries are related to costs, interference in the dynamics of the working process and patience’s emotional aspects, as well as to difficulties on planning, organization, and control of human and material resources, which responsibility is assumed by nurses. 

Keywords: Surgical Procedures, Operative; Surgery Department, Hospital; Hospital Administration. 

Resumo: Pesquisa descritiva e exploratória, cujo objetivo geral foi identificar as implicações do cancelamento de cirurgias no processo de trabalho do enfermeiro no centro cirúrgico de um hospital universitário. A coleta de dados foi realizada por meio de avisos de cirurgia no período de março a abril de 2009, e aplicação de um questionário com perguntas abertas para oito enfermeiros do setor. Os dados quantitativos foram analisados por distribuições de freqüência e os dados qualitativos foram submetidos à análise de conteúdo. Os resultados mostram que entre 872 cirurgias programadas, 214 foram canceladas, e entre estas, 123 foram substituídas. As implicações decorrentes do cancelamento de cirurgias são relacionadas com custos; à interferência na dinâmica do processo de trabalho e aos aspectos emocionais dos pacientes; bem como a dificuldades no planejamento, organização e controle dos recursos humanos e materiais, cuja responsabilidade é assumida pelos enfermeiros. 

Palavras-chave: Procedimentos Cirúrgicos Operatórios; Centro Cirúrgico Hospitalar; Administração Hospitalar; Enfermagem.  

Resumen: Investigación descriptiva y exploratoria, cuyo objetivo fue identificar las consecuencias de la cancelación de cirugías en el proceso del trabajo de las enfermeras en el quirófano de un hospital universitario. La recopilación de datos fue realizada por sobre la cirugía de Marzo-abril/2009, y un cuestionario con preguntas abiertas a ocho enfermeras del sector. Los datos cuantitativos fueron analizados mediante distribución de frecuencias y datos cualitativos fueron sometidos a análisis de contenido. Los resultados muestran que entre 872 cirugías programadas, 214 fueron cancelados, y entre estos, 123 han sido sustituidos. Las consecuencias de la cancelación de la cirugía se refieren a costes, la interferencia con la dinámica de trabajo y los aspectos emocionales de los pacientes, y las dificultades en la planificación, organización y control de recursos humanos y materiales, cuya responsabilidad es asumida por las enfermeras. 

Palabras-clave: Procedimientos Quirúrgicos Operativos; Servicio de Cirugía en Hospital; Administración del hospital.

 Introdução 

O Centro Cirúrgico é uma unidade cuja finalidade é realizar procedimentos cirúrgicos, bem como promover a recuperação pós-anestésica e pós-operatória imediata do paciente1, o que requer recursos humanos, físicos, informacionais e tecnológicos compatíveis, além de condições para que as equipes médica e de enfermagem possam planejar e realizar o atendimento as necessidades dos pacientes antes, durante e após a cirurgia 2.

Enfermeiros de Centro Cirúrgico têm o seu processo de trabalho voltado para administrar e gerenciar a unidade e provê-la de equipamentos, com a finalidade de propiciar as melhores condições para o desenvolvimento do processo cirúrgico, em prol da melhoria da condição de saúde do paciente. Para tanto, exercem o planejamento e necessitam do planejamento das equipes cirúrgicas e outros profissionais ou serviços envolvidos. Muitas intercorrências podem acontecer relacionadas ou não ao paciente, mas os enfermeiros contam com certa previsibilidade, principalmente em centros cirúrgicos de grande porte.

 A suspensão de uma intervenção cirúrgica é uma ocorrência significativa a qual nem sempre é auferida devida atenção por parte da equipe de saúde e da administração do próprio hospital3; muitas vezes ela é naturalizada e entendida apenas como uma intercorrência do cotidiano.

O cancelamento de procedimentos cirúrgicos programados tem sido elemento de averiguação não apenas no Brasil como também em outros países como Reino Unido, Irlanda, Estados Unidos e Austrália4.

Todavia, pode-se analisar a suspensão de uma cirurgia sob duas perspectivas: a primeira, voltada às repercussões para o paciente; e a segunda, às implicações para a instituição de saúde5.

Ao ter sua cirurgia cancelada, o paciente pode sentir-se inseguro, uma vez que já havia feito um investimento emocional, social e familiar para este enfrentamento3. Consequentemente, as repercussões do cancelamento cirúrgico podem incidir desfavoravelmente no vínculo de confiança com a instituição6. Cancelamentos de cirurgias podem também aumentar o tempo de internação de pacientes, os custos hospitalares e o risco de infecção hospitalar7.

Há que se considerar o efeito destes cancelamentos no processo de trabalho dos profissionais envolvidos, com destaque para a Enfermagem, que é responsável por grande parte do trabalho; com aumento de custos conseqüente ao gasto de tempo e recursos materiais, e a diminuição da qualidade da assistência6.

Considera-se que tanto na assistência individual ao paciente, como nas ações voltadas á uma determinada comunidade, o processo de trabalho da enfermagem é parte integrante do processo de trabalho em saúde8 e, portanto, parte complementar de um mesmo trabalho. Neste raciocínio, o cancelamento de cirurgias pelas diferentes especialidades que atuam no Centro Cirúrgico pode afetar não somente o processo de trabalho do enfermeiro, mas também o resultado final do trabalho coletivo que é o atendimento ao paciente.

Por perceber neste contexto que o enfermeiro é responsável pela viabilização das cirurgias e que o cancelamento destas implica conseqüências para o hospital, ao serviço, aos profissionais, aos pacientes e à organização do seu processo de trabalho, a questão norteadora deste estudo é: ‘como o cancelamento de cirurgia afeta o processo de trabalho dos enfermeiros de um Centro Cirúrgico?’

O objetivo geral foi identificar as implicações do cancelamento de cirurgias no processo de trabalho do enfermeiro do Centro Cirúrgico, e os objetivos específicos: levantar o número de cirurgias programadas e canceladas durante o período de um mês; identificar os serviços médicos implicados nestes cancelamentos; identificar os motivos de cancelamento de cirurgias; identificar a quantidade de cirurgias que foram substituídas por outras cirurgias; identificar as conseqüências do cancelamento de cirurgias na perspectiva dos enfermeiros; e, identificar as atitudes dos enfermeiros diante do problema de suspensão de cirurgias. 

Metodologia 

 O estudo caracteriza-se como descritivo-exploratório, de abordagem quanti-qualitativa. A pesquisa exploratória é aquela que tem como objetivo principal o aprimoramento de ideias9, e a descritiva tem como objetivo primordial a descrição das características de determinadas populações ou fenômenos, ou ainda ou estabelecimento de relações entre variáveis, ou seja, que tem como objetivo o levantamento de opiniões, atitudes e crenças10.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital de clínica da Universidade Federal do Paraná, sob registro CEP/SD 667.002.09.01 e CAAE 0310.0.208.091-8. Para o desenvolvimento da pesquisa levou-se em consideração o que preceitua a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde11 no que se refere à participação voluntária do sujeito na pesquisa, à confiabilidade dos dados, ao sigilo das informações, ao uso dos resultados apenas para fins científicos e anonimato dos participantes.

O presente estudo foi realizado em um Centro Cirúrgico de um hospital universitário, que possui 11 salas cirúrgicas. Os dados foram coletados no período de março e abril de 2009, em duas etapas.

A primeira etapa de coleta de dados foi realizada durante um mês típico, representativo da produtividade média da produção cirúrgica, de 16 de março a 14 de abril de 2009. Os dados foram obtidos de mapas e avisos de cirurgia. Estes últimos foram classificados em dois grupos: de cirurgias realizadas e cirurgias canceladas, e para cada um deles preencheu-se um check-list. Destaca-se que o agendamento das cirurgias é feito na véspera de sua realização. Consequentemente, os dados foram coletados no dia posterior ao agendamento. Os dados, de natureza quantitativa, foram tabulados em planilhas eletrônicas, e calculadas médias e distribuições de freqüências absolutas e relativas.

A segunda etapa de coleta de dados realizou-se durante o mês de abril, em que foi aplicado um questionário com duas perguntas abertas aos oito sujeitos da pesquisa, num universo de nove enfermeiras. Os critérios de inclusão dos sujeitos foram: ser enfermeiro há mais de um ano; exercer atividades no Centro Cirúrgico; e, aceitar participar voluntariamente da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Uma enfermeira foi excluída devido ao afastamento por licença maternidade, no período de coleta de dados.

Os dados obtidos dos questionários foram analisados de acordo com a proposta de  análise temática proposto por Minayo9, que compreende as fases de: ordenação dos dados, classificação dos dados e análise final.  

Resultados e discussão  

Foram levantados os motivos de cancelamento, dos quais foram calculadas as freqüências absolutas e relativas. Das informações obtidas mediante a análise temática, emergiram três categorias: cancelamento de cirurgias; implicações do cancelamento de cirurgias para os enfermeiros; e, atitudes dos enfermeiros diante do problema de suspensão de cirurgias. 

Motivos de cancelamento

Na Tabela 1 são apresentadas as frequências absolutas e relativas dos motivos do cancelamento de cirurgias que ocorreram no período de 16 de Março a 14 de Abril de 2009, segundo as categorias: equipe, instituição, pacientes e outros motivos.  

Tabela 1. Motivos dos cancelamentos de cirurgias, Hospital Universitário, Curitiba, PR, 2009

Motivos dos cancelamentos (n= 214)

Categorias

Frequência Absoluta

Frequência relativa

Equipe 

32

14,95

 

Mudança no plano de tratamento

14

6,54

 

Cirurgia anterior prolongada

11

5,14

 

Transferência da sala para outro dia

4

1,87

 

Ausência do cirurgião/professor

3

1,40

 

 

 

Instituição

24

11,21

 

Falta de material/medicamento

14

6,54

 

Falta de vaga na UTI

8

3,74

 

Cessão da sala para emergência

2

0,93

 

 

 

 

Paciente

70

32,72

 

Cliente não internou

52

24,30

 

Cliente sem condições

13

6,08

 

Paciente recusou-se

3

1,40

 

Paciente alimentou      

2

0,94

 

 

 

 

Outros motivos

88

41,12

 

Aviso não encontrado

32

14,95

 

Sem justificativa

56

26,17

 

 

 

Total 

214

100

Fonte: Os autores, 2009.

Houve um grande número de cancelamentos sem justificativa e avisos não encontrados (41,12 %), o que demonstra uma falha na programação do mapa cirúrgico. Como por exemplo, algumas equipes cirúrgicas utilizam-se de um artifício para garantir a reserva de salas ou equipamentos, e o fazem preenchendo o aviso de cirurgia com o nome fictício de um paciente. Este fato já foi observado em outro estudo4.

 Entre as demais causas geradoras dos cancelamentos, destacam-se: relacionadas ao paciente, como o não comparecimento ao hospital para a internação (24,30 %); relacionadas à instituição, como a falta de material/medicamento (6,54 %); e, relacionadas à equipe, como a  mudança no plano de tratamento (6,54 %). A mudança no plano de tratamento associada à falta de condições do paciente são relevantes a se considerar, pois poderiam ser evitados cancelamentos de cirurgias mediante uma apropriada avaliação clínica pré-cirúrgica15.

Por sua vez, o paciente muitas vezes não comunica à instituição o não comparecimento, porém quando o faz, a informação não chega aos conhecimentos da equipe multiprofissional do Centro Cirúrgico, o que gera desperdício de material e perda de oportunidade para outros procedimentos. A comunicação é uma ferramenta da administração e está presente em todos os mecanismos tecnológicos.  Este resultado é observado em outros trabalhos científicos que evidenciam motivos de cancelamento de cirurgias relativos aos pacientes totalizando 53,4 %4 e à ausência de internação de paciente num total de 25,27 %16.

A equipe multiprofissional é o motivo de 14,95 % dos cancelamentos, que poderiam ser evitáveis com uma avaliação primária ao agendamento (médica e de enfermagem) e a observação dos cirurgiões à subestimação do tempo para a realização da cirurgia. 

Cancelamento de Cirurgias

No período do estudo, ocorreram 872 programações de cirurgias, sendo 214 procedimentos cancelados (24,54 %). Destes, somente 122 cirurgias foram substituídas (57,48 %). Assim, o total de cirurgias realizadas foi de 780 (urgência/emergência, eletivas, encaixes e substituições). Excluindo-se os sábados, domingos e feriados, a média diária foi de 34,27 procedimentos cirúrgicos/dia.

Pode-se observar que a problemática de cancelamento de cirurgias, nas últimas décadas, começa a ganhar maior atenção pelos pesquisadores da área de saúde. Pesquisadores encontram taxas de 19,97%5, 20,70%12 e 27,33 %13 de cancelamentos. Os estudos sobre cancelamento de cirurgias eletivas, especialmente em hospitais públicos e universitários, indicam taxas que variam de 17,6% a 33%14;6;.

No Centro Cirúrgico pesquisado, as equipes cirúrgicas estão distribuídas nas salas de operação em dias da semana e horários previamente acordados. Obtiveram-se evidências de que dentre as especialidades médicas que tiveram maior freqüência nos cancelamentos de procedimentos cirúrgicos, no período estudado, encontram-se a cirurgia do aparelho digestivo (21,3%), seguida da cirurgia geral (14,8%) e da clínica cirúrgica de otorrinolaringologia (14,4%).

Os prejuízos causados pelos cancelamentos afetam diretamente a instituição, a equipe e, principalmente, a clientela que é atendida3. Para a instituição, o impacto incide principalmente sobre os custos, pois o montante econômico pode chegar a milhares de reais gastos, representando perda de oportunidade e consumo econômico4.

Para a equipe, o impacto está atrelado à operacionalização do trabalho, ao consumo de tempo e aos recursos humanos e materiais. Outro dado relevante que o cancelamento cirúrgico implica é o estresse da equipe de enfermagem, que está diretamente ligado à preparação da sala.

Os pacientes, os mais afetados pelo cancelamento cirúrgico, precisam de assistência tanto quanto se tivessem passado pela intervenção cirúrgica7. Isto porque ocorre uma mudança nas condições cotidianas dos indivíduos, como estado emocional, estrutura familiar e aspectos profissionais12.

Não há garantias que uma substituição será igual à cirurgia planejada com relação ao tipo, porte, complexidade, sala e materiais. A substituição não é desejável, porém, em uma análise custo-benefício, é melhor replanejar e perder algum tipo de material, tempo e recursos humanos do que deixar a sala ociosa e o hospital não receber por nenhum procedimento.  

Resultados relacionados à análise qualitativa dos dados: implicações do cancelamento na perspectiva dos enfermeiros  

Na perspectiva dos enfermeiros, as implicações do cancelamento compreenderam três subcategorias: uma relacionada ao custo, outra relacionada à interferência no processo de trabalho e a terceira mais relacionada aos aspectos emocionais do cancelamento para o paciente.

A suspensão de cirurgia interfere na própria equipe de saúde no que se refere à operacionalização do trabalho, ao consumo de tempo e aos recursos humanos e materiais12. Seus discursos revelam a preocupação com os custos do cancelamento

“[...] quando não tem outro procedimento para entrar, alto custo para a unidade, sendo que a mesma tem que pagar plantão ao anestesista.” (Enf. II)

“[...] custo no reprocessamento de materiais levados para a sala cirúrgica e não usados.” (Enf. IV) 

Os recursos destinados para a saúde pública são escassos. O cancelamento cirúrgico gera custo operacional e financeiro para a instituição, tendo consigo uma repercussão negativa3, principalmente quando se considera que estes prejuízos são pagos com dinheiro de impostos, que em teoria deveriam ser adequadamente empregados.

O planejamento de material descartável ou reprocessado e de medicamentos necessários às cirurgias deve ser observados pelo enfermeiro responsável pela confecção do mapa cirúrgico, a fim de garantir que não ocorra um impeditivo para a realização daquelas. Em caso de seu cancelamento, há uma quebra na dinâmica planejada para a assistência aos pacientes, com desperdícios de materiais que incidem em aumento de custos para a instituição, como pode-se observar nos depoimentos: 

“[...] desperdícios de materiais muitas vezes já abertos [...]”  (Enf. VII)

“Geralmente os inconvenientes geram desperdícios de medicamentos diluídos [...]”  (Enf. IX) 

Considera-se que a qualidade da assistência de enfermagem pode ser influenciada diante do elevado número de cirurgias canceladas e o processo de trabalho de enfermagem pode ser afetado devido à substituição e ao cancelamento de cirurgias. Com relação à interferência na dinâmica do processo de trabalho, parte-se do princípio de que os enfermeiros planejam recursos humanos e materiais para atender aos procedimentos, e que isto implica desprender tempo e energia consideráveis em estratégias que viabilizem a sua implementação. Os enfermeiros relatam os efeitos dos cancelamentos no processo de trabalho de sua equipe, nas falas que se seguem. 

“Ociosidade da equipe quando não tem outro procedimento para entrar, [...]” (Enf. II)

“[...] recursos humanos são efetuados baseando-se no tipo e número de cirurgias. Portanto há gasto de tempo e ociosidade da sala quando cancela ou substitui qualquer cirurgia no mapa.” (Enf. IX) 

Com relação à quebra na dinâmica do processo de trabalho em si, destacam-se as seguintes falas: 

“[...] provisão de recursos [...], se há um cancelamento seja qual for o motivo gera quebra na dinâmica planejada e é claro um desperdício de tempo gasto desnecessário para esta provisão, [...].” (Enf. I)

“Atrasos nos próximos procedimentos a serem realizados interferindo na otimização da rotina de trabalho.” (Enf. III)

“Tempo perdido pela equipe de enfermagem para o transporte do paciente, trocar todo o material da sala já montada, [...]. “ (Enf. VII) 

O cancelamento cirúrgico interfere na dinâmica do processo de trabalho ao mesmo tempo em que interfere na qualidade da assistência. A preocupação dos enfermeiros em relação a esta questão justifica-se porque avaliar alternativas e interferências possibilitará a definição de novos fluxos e modelos para melhorar a utilização dos recursos empregados17.

Logo, o cancelamento cirúrgico impõe, ao enfermeiro, a priorização de sua ação para buscar soluções a este fato, em detrimento de outras questões relativas à assistência de qualidade ao paciente, tornando-se um obstáculo para sua prática gerencial eficaz em Centro Cirúrgico. Com relação aos aspectos emocionais do cancelamento, um estudo mostrou que os estressores em Centro Cirúrgico originam-se de: relações interpessoais; falta/insuficiência de materiais,   equipamentos, pessoal, aliados a aspectos administrativo-gerenciais; qualificação da equipe; demanda cirúrgica; e,condição do paciente18. Pode-se constatar nos discursos abaixo a  preocupação  dos entrevistados com esta temática, 

“Estresse da equipe de enfermagem que montaram a sala para o procedimento cancelado. “Estresse do paciente.” (Enf. III)

“[...] excesso de cirurgias em determinados horários interferindo diretamente na qualidade da assistência.” (Enf. VI)

“Mapa não é seguido leva ao estresse do paciente pelo jejum, pela ansiedade.” (Enf. VII) 

Entretanto, o paciente também pode vivenciar estresse ao preparar-se para uma cirurgia devido ao enfrentamento do desconhecido e, ao receber a informação da suspensão cirúrgica, ele pode experienciar frustração diante de transtornos para sua vida particular19. Autores 3,12 apontam que a cirurgia é um fator de estresse para o paciente, concomitantemente o cancelamento pode gerar uma nova crise que se sobrepõem à primeira ou aglutina-se com ela. Portanto a equipe de saúde deverá ter uma maior atenção ao cliente, e neste caso a enfermagem merece especial destaque, por atuar diretamente no cuidado.

Quanto às atitudes dos enfermeiros diante do problema de suspensão de cirurgias, os discursos das enfermeiras permitiram apreender três categorias: tentar minimizar os efeitos do cancelamento; estudar as causas para prevenir outros cancelamentos; e, implantar estratégias para minimizar o cancelamento.

Na primeira, tentar diminuir os efeitos do cancelamento no processo de trabalho da sua equipe, as enfermeiras demonstram que atitudes de envolvimento traduzem a predisposição para a ação, ou seja, procuram saber o motivo, possuem atitude pró-ativa na resolução do problema20. Novas soluções nas rotinas de trabalho podem permitir benefícios por meio da diminuição da ociosidade das salas, administração do tempo dos intervalos, diminuindo assim o atraso das cirurgias21. Percebe-se que os enfermeiros primeiramente tentam contornar a situação e minimizar os prejuízos, tanto financeiros como relacionados ao seu processo de trabalho. 

“Tento reorganizar as salas, [...].” (Enf. VII)

“Adiantar outros procedimentos já agendados e emergências.” (Enf. III) 

Após as primeiras providências, os enfermeiros tentam estudar as causas para prevenir outros cancelamentos, tal como revelam a seguir: 

“Depende dos motivos da suspensão. Há de ser observado as se este número de suspensão é grande, quais são os motivos, quais as disciplinas que mais suspendem, [...].” (Enf. I) 

Uma vez identificadas as prováveis causas de cancelamento, os enfermeiros buscam estratégias para minimizá-los, sejam interpelando as equipes implicadas sobre as razões dos cancelamentos ou orientando-as quanto às possibilidades de impedir que eles ocorram. 

“Solicitar a equipe médica para que se certifique que o paciente realmente esteja em condições físicas de ser submetido ao procedimento agendado no mapa.” (Enf. II)

“Justificativa adequada do cirurgião, dando ciência dos custos que tal atitude gera.” (Enf. IV)

“Conscientização da equipe cirúrgica ao agendamento e preenchimento dos avisos cirúrgicos. [...] Visita pré-operatória.” (Enf. VI)

“Perda do horário/sala; Notificação a chefia do serviço; Suspensão temporária do cirurgião.” (Enf. IX) 

Pode-se observar que as estratégias são, em sua maioria, direcionadas aos profissionais médicos, o que não impede que as enfermeiras busquem soluções, mesmo temporárias, em respeito à instituição e aos pacientes. É possível inferir que as enfermeiras não são neutras a esta situação, porém, não foi possível, neste estudo, perceber quais estratégias coletivas de defesa elas lançam mão, uma vez que estas podem permitir que elas continuem trabalhando sem adoecerem física e psiquicamente, resistindo às pressões da organização22.

Considerações finais 

Neste estudo apresentaram-se aspectos do cancelamento cirúrgico e discutiu-se sobre suas implicações no processo de trabalho do enfermeiro na Unidade de Centro Cirúrgico de um hospital universitário. Foram contabilizadas as cirurgias programadas, canceladas, substituídas e realizadas durante o período de um mês; os serviços médicos implicados nestes cancelamentos; os motivos de cancelamento de cirurgias; as conseqüências destes na perspectiva dos enfermeiros, e, suas atitudes diante deles.

Assim, o estudo mostrou-se revelador para a compreensão da amplitude das conseqüências para o processo de trabalho do enfermeiro no âmbito assistencial, gerencial e como parte do processo de trabalho da equipe multiprofissional em saúde.

Uma vez que o enfermeiro é quem planeja, organiza e controla recursos humanos em enfermagem, materiais/medicamentos e equipamentos utilizados no Centro Cirúrgico, ele acaba sendo, por extensão, o responsável pelos desperdícios decorrentes dos cancelamentos cirúrgicos, De forma muito clara, o enfermeiro, assume, nos discursos, esta responsabilidade e preocupação. Pode-se inferir que, embora o trabalho em saúde seja coletivo, é o profissional enfermeiro que responde institucionalmente (porque a ele é atribuída esta função), e pessoalmente (porque aceita e acha que esta função lhe pertence), pelos prejuízos materiais, psicológicos e do processo de trabalho causados pelos cancelamentos das cirurgias.

Espera-se que o estudo possa auxiliar o grupo diretivo do hospital universitário a traçar estratégias que favoreçam seus objetivos, sem comprometer sua qualidade e produtividade. A preocupação dos administradores da área da saúde, particularmente dos serviços cirúrgicos, em aperfeiçoar as atividades com a máxima qualidade, passa pela conscientização de que todos os profissionais, sem exceção, são co-responsáveis tanto pelos resultados positivos de um procedimento bem sucedido como pelos desperdícios, prejuízos e re-trabalho de suas equipes. 

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Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Willian Morgan, Elizabeth Bernardino. Análise e interpretação: Willian Morgan, Elizabeth Bernardino . Escrita do artigo: Willian Morgan, Elizabeth Bernardino, Lillian Daisy Gonçalves Wolff. Revisão crítica do artigo: Elizabeth Bernardino, Lillian Daisy Gonçalves Wolff. Aprovação final do artigo: Elizabeth Bernardino, Lillian Daisy Gonçalves Wolff. Pesquisa bibliográfica: Willian Morgan

Endereço para correspondência: Elizabeth Bernardino. Rua Francisco Querino de Lima 199 casa 09 São Bráz – CEP: 82015-360 – Curitiba, PR. elizaber@ufpr.br