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Humanization with the family in an Intensive Care Unit: a descriptive study

Humanização com o familiar em uma Unidade de Terapia Intensiva: estudo descritivo

 Denise de Oliveira Vedootto 1, Rosângela Marion da Silva 1 

1 Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil. 

Abstract: The progress in technology offered a lot of benefits and advances in the way health care is provided, but the aspects of human care are very difficult to be practiced and implemented in that sector. The process of the humanization perceived by family members of patients hospitalized in the Intensive Unit Care was analyzed and identified in order to create a relationship. It is a descriptive and exploratory research, with a qualitative approach. The research was realized in a University Hospital located in Rio Grande do Sul with patients' families that were select aleatory to participate in a interview. The data was analyzed in the following categories: The way health care was offered, The integration between nurses and doctors, and the process of humanization allied in those families' experiences. It is necessary to revise values, open up for discussion and questions in order to facilitate the implementation of processes of humanization to understand the necessities of the patients' families.

Keywords: Health Services; Nursing service, hospital; Intensive Care Units. 

Resumo: Os progressos tecnológicos propiciaram muitos benefícios e avanços na assistência à saúde, sendo o cuidado humanizado um dos aspectos mais difíceis a ser praticado e implementado. Objetivou-se identificar, analisar e relacionar os processos de humanização percebidos por familiares de pacientes internados em uma Unidade de Tratamento Intensivo. Trata-se de uma pesquisa descritiva-exploratória, com abordagem qualitativa. Foi realizada em um Hospital Universitário localizado no estado do Rio Grande do Sul com familiares de pacientes, convidados aleatoriamente, que participaram de uma entrevista. Na análise dos dados foi utilizada a análise temática que resultou nas categorias: Práticas de cuidado percebidas pelo familiar, Percepção do familiar sobre a integração com a equipe médica e de enfermagem e o Processo de humanização aliado ao contexto vivenciado pelos familiares. É preciso rever valores, realizar discussões e questionamentos para possibilitar a implementação dos processos de humanização voltados às necessidades de pacientes e familiares.

Palavras-chave: Serviços de saúde; Serviços hospitalar de enfermagem; Unidade de Terapia Intensiva. 

Introdução

Nas últimas décadas, o desenvolvimento dos recursos tecnológicos na área das ciências médicas e biológicas têm propiciado avanço na busca da qualificação dos atendimentos assistenciais. Apesar dessa evolução ter auxiliado no atendimento às necessidades do indivíduo, o que pode repercutir na melhoria da qualidade de vida, aspectos como questões psicossociais, ambientais e familiares devem ser consideradas no processo de internação.

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) representa um espaço físico fechado, amparado por recursos tecnológicos, que se propõe a monitorização e vigilância do paciente por 24 horas. Compõe os recursos humanos em UTI uma equipe multiprofissional que presta assistência ao paciente grave (aquele que representa instabilidade de um ou mais sistemas orgânicos, com risco de morte) recuperável e pacientes de risco (que possui alguma condição potencialmente determinante de instabilidade) visando minimizar o risco e a potencialização dos benefícios do tratamento instituído. Por ser constituída por um complexo conjunto de recursos e devido à gravidade do estado de saúde dos pacientes, muitas vezes este local pode ser visto e interpretado pelos trabalhadores como altamente estressante, agressivo e traumatizante para o paciente e familiar. 1, 2

A equipe multiprofissional da UTI, em especial de enfermagem, necessita estar preparada e permanentemente atualizada para gerenciar a multiplicidade das informações e atender com competência a complexidade do cuidado a ser prestado. 2 Além disso, é necessário que essa equipe perceba a manifestação direta ou indireta de pacientes e familiares sobre aspectos emocionais e psicológicos no intuito de buscar estratégias que suscitem resultados que tenham impacto sobre a qualidade da assistência. 

Nesse sentido, a humanização no âmbito da saúde é uma necessidade que exige repensar sobre o modo como tem sido empregada no processo de cuidar, sendo necessário englobar a equipe multiprofissional na Unidade de Terapia Intensiva. É de extrema relevância que essa equipe tenha uma visão holística do paciente, que possibilite visualizar o indivíduo na sua totalidade e não a patologia que o acomete.Além disso, considerar o familiar nesse processo é fundamental para ofertar transparência aos cuidados prestados e promover processos de humanização, o que tem influência direta sobre o tratamento.

Nesse contexto, destaca-se que o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) propôs um conjunto de ações com vistas a melhorar a qualidade e a eficácia dos serviços de saúde prestados nos hospitais públicos. Essa foi uma resposta às constantes queixas dos usuários por maus tratos nos hospitais tendo como objetivo fundamental aprimorar as relações entre profissional de saúde e usuário, dos profissionais entre si e do hospital com a comunidade. 4    

A Política Nacional de Humanização (PNH) da Atenção e da Gestão à Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) foi implantada como uma possibilidade de qualificar o sistema de saúde vigente em que a humanização pode ser entendida como a valorização dos diferentes sujeitos envolvidos no processo de produção da saúde. De acordo com essa política, humanizar é ofertar atendimento de qualidade, articulando os avanços tecnológicos com acolhimento. 5

O ato de humanizar deve considerar a comunicação com o outro de forma clara, compreensiva, fundamental para garantir práticas humanizadoras, saber falar, mas também saber ouvir e ter diálogo com os semelhantes. 6 Na implantação da humanização dos serviços de saúde destaca-se a enfermagem, profissão que permanece por mais tempo frente aos usuários e congrega ações assistenciais e de educação em serviço com os membros da equipe ou na gestão dos serviços de saúde. 7

Nesse contexto, delineou-se como objetivo deste estudo identificar, analisar e relacionar os processos de humanização percebidos por familiares de pacientes internados em uma Unidade de Tratamento Intensivo adulto de um Hospital Universitário.  

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa descritiva-exploratória, com abordagem qualitativa. Nessa abordagem são trabalhadas atitudes, crenças, comportamentos e ações, na perspectiva de compreender o ser humano em suas relações com o mundo. 8 

Foi desenvolvida em uma Unidade de Terapia Intensiva adulto de um Hospital Universitário localizado no interior do estado do Rio Grande do Sul. Esta UTI dispõe de 10 leitos para tratamento de pacientes graves recuperáveis e pacientes de risco e os recursos humanos envolvem cinco auxiliares de enfermagem, 26 técnicos de enfermagem, oito enfermeiros, sete médicos plantonistas, dois fisioterapeutas e duas nutricionistas, que estão distribuídos em turnos de trabalho. As visitas nessa unidade são liberadas diariamente nos turnos da manhã, tarde e noite, por uma meia hora em cada turno.

Participaram os familiares de pacientes internados na UTI adulto. Os critérios de inclusão foram: ter mais de 18 anos, possuir familiar internado na UTI adulto, independente do grau de parentesco e concordar voluntariamente em participar da pesquisa. Foram excluídos os familiares que estavam emocionalmente desestabilizados após as visitas.

A técnica de coleta de dados utilizada foi a entrevista semi-estruturada norteada por um roteiro com questões relativas aos objetivos desta pesquisa. Esse tipo de entrevista combina perguntas fechadas e abertas e possibilita ao entrevistado falar sobre o tema em questão sem se prender ao questionamento. Ainda mais, esse método permite a flexibilidade nas entrevistas e absorção de novos temas e questões pelo pesquisador trazidas pelos sujeitos de acordo com a sua relevância. 8

Os familiares foram abordados individualmente, sendo informados sobre os objetivos da pesquisa, o interesse em participar e os possíveis benefícios e riscos. Posteriormente foi solicitada a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em caso de concordância com os termos expostos.

As entrevistas ocorreram individualmente, no período de julho a setembro de 2010 com um familiar de cada paciente internado na UTI, escolhido aleatoriamente.  Foi conduzida em uma sala disponível na unidade e em horários variados: antes da visita, no período em que o familiar aguardava na sala de espera, e após o horário da visita. As entrevistas foram gravadas com o auxílio de gravador digital após a autorização verbal do pesquisado.

Foi utilizado o critério de saturação da amostra, ou seja, a coleta de dados foi finalizada quando as informações levantadas iniciaram uma sequência de repetição, em que novas falas tinham importância pouco significativa na resposta aos objetivos da pesquisa. 9

Os dados, após transcritos, foram submetidos à técnica de análise temática, uma das modalidades da análise de conteúdo, na tentativa de agrupar as informações por temas que se constituíram nas categorias de análise. Operacionalmente, a análise temática é constituída de três etapas: pré-análise; exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. 10

Esta pesquisa segue os princípios preconizados pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, 11 que normatiza a ética nas pesquisas com seres humanos. Assim, no intuito de respeitar o anonimato, os familiares foram identificados pela letra “F” (Familiar) seguida pelo número cardinal sequencial conforme a realização das entrevistas.

A pesquisa recebeu autorização do Comitê de Ética da Instituição em que o Hospital está vinculado sob número do processo 23081.006625/2010-16, e número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 0064.0.243.000-10 em maio de 2010. 

Resultados e Discussões

            A população que constitui a amostra desta pesquisa foi formada por 15 familiares. Os participantes eram na sua maioria do sexo feminino (9) e residentes na cidade em que se localiza a instituição. A faixa etária variou entre 18 e 65 anos e, com relação à escolaridade, foram identificados familiares com 1º grau incompleto (3), 1º grau completo (5), 2º grau incompleto (1), 2º grau completo (5) e com ensino superior (1). O tempo de internação dos pacientes, conforme o relato dos familiares, variou entre 3 e 29 dias. Dentre os familiares entrevistados, o grau de parentesco variou entre filhos, esposo (a), irmãos, pai, mãe, tia e sogro.

            A análise das entrevistas possibilitou a construção das categorias temáticas: Práticas de cuidado percebidas pelo familiar, Percepção do familiar sobre a integração com a equipe médica e de enfermagem e o Processo de humanização aliado ao contexto vivenciado pelos familiares.

Na categoria temática Práticas de cuidado percebidas pelo familiar observam-se relatos que abordaram os processos relacionados à ambiência, acolhimento e informação. Sobre ambiência, os familiares relataram a percepção sobre a sala de espera, considerada acolhedora:

[...] a sala de espera é bem acessível, acolhedora [...] a gente conversa com outras pessoas que tem o mesmo problema, ou pior[...] não se sente só[...]F3.

 [..] na salinha de espera a doutora vem para a gente conversar, cada familiar que está ali ela atende e esclarece o que está ocorrendo [...]F10.

Os fragmentos abordam questões que ultrapassam os cuidados ao paciente internado na UTI. Na percepção do familiar, a sala de espera, local onde ficam as pessoas que aguardam o horário para visitar o paciente, é acolhedor, pois possibilita o diálogo sobre a dor e a esperança, além de ser o local onde recebem informações da equipe médica que muitas vezes esclarece a situação do paciente.

A Política Nacional da Humanização considera que para qualificar os processos de trabalho é importante o compromisso com a qualificação da ambiência, que pode melhorar as condições de trabalho e de atendimento, e a adequação dos serviços ao ambiente e a cultura dos usuários, respeitando a privacidade e promovendo a ambiência acolhedora e confortável.12

O acolhimento, ainda de acordo com a PNH, implica em práticas de produção e promoção de saúde, o que demonstra a responsabilização do trabalhador e da equipe pelo usuário, desde a sua chegada até a sua saída. 12 No entanto, na percepção do familiar, a prática de acolhimento pelos trabalhadores na UTI ainda perpassa por dificuldades, demonstrado no seguinte relato:

 [...] na UTI não tem essas coisas, essas conversas, são todos fechados, os enfermeiros nem boa tarde, nem bom dia, eles são muito fechados, só entre eles, e eu como sou tagarela [...] F9.

Compartilhar o calor humano nas relações, principalmente com familiares, pode refletir a dedicação, a afetividade e a atenção individualizada tanto ao paciente quanto ao familiar, elementos indispensáveis nos processos de humanização. Em um ambiente como a UTI, é necessário (re)pensar as práticas de acolhimento, é importante ouvir as queixas, considerando preocupações e angústias, fazendo uso de uma escuta qualificada que possibilite analisar a demanda, colocando os limites necessários para garantir atenção integral, resolutiva e responsável. 12

 Nesse processo, a informação precisa ser efetiva para que possa auxiliar o familiar na compreensão da situação enfrentada. Sobre isso, o relato do familiar esclarece:

[...] informação muito clara, compreendo, explicam direitinho, inclusive se eu não entender algum coisa, me explicam de novo, é bem clara a informação [...] F1.

Para que os processos de humanização possam se concretizar dentro de uma unidade como a UTI, a equipe precisa considerar aspectos importantes do cuidado, dar atenção aos familiares e oferecer informações claras condizentes com o nível sociocultural, o que se constitui um importante requisito para a humanização do cuidado. 1

Os indivíduos são únicos, possuem necessidades, valores e crenças e estão inseridos em um contexto sociocultural que os possibilitou adquirir experiências e é por isso que a equipe que atua na UTI precisa desenvolver habilidade, competência e sensibilidade para favorecer os processos de humanização, principalmente em se tratando do familiar.

Na temática Percepção do familiar sobre a integração com a equipe médica e de enfermagem foram encontrados relatos sobre como acontecem as práticas de cuidado.

 [...] o atendimento é uma perfeição, esse hospital aqui acho que não podemos reclamar de nada, a qualquer momento que a gente precisa eles estão ali[...] agradeço muito até essa equipe, trabalhando muito bem, gostei muito, não temos queixa nenhuma [...]F10.

[...] muito bem [...] a gente nem sabe como agradecer, sendo bem atendido, estão fazendo o possível para ela, não tenho do que me queixar não [...]F8.

De acordo com os familiares, as práticas de cuidado são satisfatórias. A interação da equipe com o familiar são aspectos importantes no processo de humanização, pois quanto mais cedo acontecer, melhor para a família e também para o paciente, já que os familiares também sofrem a situação de hospitalização de seu ente querido, sofrem angústias, medo, desesperança, sendo necessário que a equipe identifique suas necessidades e não apenas do paciente e precisa estar preparada para lidar com essas situações para facilitar o enfrentamento dessa nova experiência. 13

A família pode ser vista como um desconforto para a equipe durante a realização de procedimentos quando, em alguns momentos, faz questionamentos, podendo causar o constrangimento do profissional que pode sentir-se fiscalizado pelo familiar. 3 O relato a seguir retrata o questionamento do familiar sobre o estado de saúde do ente para a equipe de enfermagem:

[...] elas dizem que não podem falar nada, só quem pode dizer sobre o paciente é o médico, se a gente quiser alguma informação deve perguntar para o médico [...] apenas me dizem para que serve quando eu pergunto, como sou muito faladeira, eu pergunto sempre para que serve esse caninho, para que serve aquilo e esse outro[...]F9.

 [...] é só o médico mesmo que passa essas informações, enfermeiras assim nunca dão detalhes, nem eu pergunto, sei que as informações é o médico que fornece [...]F13.

Na UTI pode haver subjetividade nas interações e essa é uma dificuldade vivida pela equipe de enfermagem. No entanto, a equipe deve entender que o diálogo é fundamental para a aproximação com o familiar, porque os processos de comunicação estão inseridos nas práticas de humanização.

Além disso, esse recurso possibilita o cuidar mais humanizado. O enfermeiro pode prestar informações e realizar ações educativas que visem diminuir a ansiedade e o desconforto dos familiares. É necessário que a equipe da UTI estabeleça uma relação de empatia e confiança com a família, podendo satisfazer suas necessidades de informação, minimizando a angústia e o sofrimento de todos que estão envolvidos com esta experiência. 13

A empatia empregada na assistência implica em se importar com o usuário, o que remete ao estabelecimento de vínculos solidários entre os diferentes atores envolvidos no processo de produção de saúde, mencionado na PNH como importante fator para a Humanização do SUS. 12

A equipe de enfermagem, ao abordar o paciente e seus familiares, deve manter linguagem simples e objetiva, considerar a singularidade, a história de vida e as necessidades, no intuito de minimizar interpretações errôneas, que se constituem barreiras na comunicação e portanto, fontes de insegurança.14

Além disso, a falta de informação e a incerteza sobre o estado do paciente podem causar ansiedade e apreensão nos familiares que esperam o momento da visita para questionar e sanar suas dúvidas quanto ao prognóstico. 13 Com relação ao processo diário de comunicação com a equipe médica o familiar relata:

 [...] todos os dias, não, vamos ver se falamos agora após o horário de visitas, mas sempre que possível [...] ontem eu vim e falei com o médico no horário da manhã [...]F4.

A interação da equipe médica e de enfermagem com o familiar envolve práticas de comunicação que devem ser estabelecidas. A relação saudável entre a equipe de enfermagem e o familiar precisa ser de respeito e confiança, pois ao estabelecer vínculo de confiança por meio da comunicação e atitudes frente ao paciente e familiar, a equipe de enfermagem poderá ter reconhecimento do seu trabalho, o que contribuirá para a satisfação pessoal e profissional dos trabalhadores envolvidos. 14

É necessário repensar os processos de acolhimento, pois acolher o paciente e o familiar, bem como buscar compreender a dor e o sofrimento são aspectos importantes e necessários no contexto das ações em saúde com vistas à humanização do atendimento hospitalar. Salienta-se que os processos de humanização devem estar relacionados à dinâmica do contexto de trabalho, à organização dos saberes e das práticas, aos mecanismos de gestão, à flexibilização administrativa e à própria política institucional que regulamenta as ações de cuidado no ambiente hospitalar.15 A comunicação com o familiar é construída mediante o respeito, o compromisso e a intenção em querer ajudar.

Na categoria temática O processo de humanização relacionado ao contexto vivenciado pelos familiares, os mesmos relataram como são os processos de humanização relacionados ao contexto da internação hospitalar, no qual a família vivencia momentos de fragilidade e preocupação, acompanhados pelo temor do desconhecido, pois este ambiente pode remeter insegurança e ansiedade, gerando sofrimento e angústia.

Estar com o paciente e auxiliar no cuidado são fatores que contribuem para a humanização da assistência. Todavia, isso torna-se contraditório diante do relato do familiar que aborda a inflexibilidade nos horários de visita na UTI:

[...] são apenas esses horários mesmo, de manhã, à tarde e à noite, meia hora cada. Sempre procuro ir ao horário da tarde porque daí consigo informações com o médico, porque eles só nos dão informação pela parte da tarde, mas outro horário não há, até a secretária fica em cima não deixa passar nenhum minutinho a mais[...]F9.

O familiar imprime a sensação de bem estar e segurança, influenciando no processo de recuperação, o que poderá trazer benefícios, diminuindo o sentimento de desamparo e solidão diante de um ambiente que, para o paciente, pode ser agressivo e traumatizante. 16

             É necessário repensar sobre isso pois, para a Política Nacional da Humanização, a visita aberta e acompanhante é um direito instituinte, cujo objetivo é ampliar o acesso dos visitantes às unidades de internação, de forma a garantir o elo entre o paciente, sua rede social e os diversos serviços da rede de saúde. Esse processo mantém latente o projeto de vida do paciente, modifica a ação dos profissionais no espaço hospitalar, resignificando, ainda, o próprio papel da instituição hospitalar. 17 Permitir visitas em horários que não os pré-estabelecidos pela instituição pode amenizar o sentimento de sofrimento e a sensação de afastamento do familiar.

            Com relação ao questionamento de permissão para ajudar nos cuidados físicos do paciente os relatos dos familiares informam:

[...] nunca tive a oportunidade para realizar isso, talvez em algum momento até permitissem, mas nem perguntei [...]F13.

[...] não, até porque eles nem permitem que a gente mexa no nosso familiar, uma vez estava arrumando os cobertores dele e me disseram que eu não podia mexer[...] eu gosto de cuidar dele, as vezes olho para os pés para ver se está inchado, ver como está, e elas já dizem para não mexer [...]F9.

             Os fragmentos demonstram que há uma deficiência no processo de comunicação dos trabalhadores da UTI com os familiares que desejam ajudar, porém sentem-se impedidos ou impotentes diante da situação. A presença do familiar na inserção do cuidado ao paciente internado em UTI é uma questão a ser estudada e discutida na esfera da enfermagem e saúde, uma vez que se acredita que a comunicação efetiva e a compreensão por parte dos familiares das informações sobre o paciente transmitem o sentimento de confiança na equipe. 

            Ainda mais, promover a autonomia do familiar no processo de cuidar é um fator que pode influenciar decisivamente no tratamento. Contudo, é necessária a disponibilidade daqueles que cuidam, iniciativa, resgate de valores, enfim, os trabalhadores precisam envolver os familiares no processo de cuidar. Diante da sua família, o paciente pode sentir-se autoconfiante e mais tranquilo, o que auxilia na minimização do medo e da angústia. 3

            Para humanizar em UTI, é necessária atitude individual, iniciativa e atualização em relação a um sistema tecnológico que influencia as ações profissionais. 18 Às vezes, fornecer uma palavra de estímulo ou proporcionar espaço para a escuta são ações que podem transmitir ao familiar o sentimento de atenção, confiança e respeito da equipe.

            Os familiares referiram que a equipe da UTI não demonstra interesse em conhecer os sentimentos em relação ao momento vivenciado por eles, observado nos relatos a seguir:

[...]não,  é só mesmo o atendimento a ela [...]F5.

[...]não em nenhum momento, nunca me perguntaram  nada a respeito disso, essa parte aí não [...]F9.

            O contexto vivenciado pelos familiares pode ser traduzido por sentimentos e comportamentos por vezes difíceis de ser compreendidos. Assim, o suporte aos familiares necessita estar inserido no contexto de trabalho dos profissionais, sendo o diálogo, a escuta e o acolhimento aspectos relevantes nos processos da humanização. O relato a seguir evidencia o processo de humanização:   

 [... ] no primeiro dia eu fui encaminhada para um albergue porque eu não sou daqui e o médico mesmo me perguntou se eu tinha aonde ficar se eu tinha algum parente aqui, até tem uma enfermeira que venho me perguntar, e ela disse que qualquer coisa que eu precisar ela estava ali, o que eu precisasse ela estaria as ordens[...]F15.  

Proporcionar aos familiares de pacientes de uma UTI a humanização nas ações é possível por meio de vivências. A reflexão sobre as experiências que envolvem a doença, assim como as evidências de que estas experiências podem servir de recursos para o trabalho com famílias, constitui-se em uma tecnologia a ser desenvolvida e utilizada na capacitação dos profissionais. 19

Discutir experiências ajuda a entender e oferecer o melhor tratamento ao ser humano, dentro das circunstâncias peculiares vivenciadas em cada momento do hospital. 13

Nesse sentido, a humanização dos serviços de saúde transcendem aspectos relativos às condições do espaço físico e da cordialidade, vislumbram também ações voltadas às necessidades dos familiares que aguardam ansiosos pela recuperação do paciente.

Considerações Finais

O estudo possibilitou identificar, analisar e relacionar a percepção dos familiares de pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva sobre os processos de humanização.  Sobre as práticas de cuidados, os familiares sinalizaram questões sobre a ambiência, referindo que o ambiente é acolhedor e que a sala de espera é um local onde podem compartilhar a dor, a esperança e receber informações da equipe médica. Também referiram que a informação sobre o estado de do paciente é transmitida de maneira efetiva, clara e compreensível, fator importante para que os processos de humanização possam se concretizar.

Sobre o processo de humanização relacionado ao contexto vivenciado pelo familiar, houve destaque para a inflexibilidade e rigidez nos horários de visita, o que é contraditório com as políticas governamentais que norteiam a humanização nos serviços de saúde. O enfermeiro, como gerente do cuidado, necessita acolher os familiares, responsabilizá-los pelo cuidado e inserir a equipe de enfermagem nos processos de humanização, fornecendo apoio e transmitindo segurança e conforto.

É necessário entender que a humanização no cuidado trata-se de um processo abrangente, necessitando ser implementada de acordo com a singularidade das pessoas. É preciso rever valores, realizar discussões e questionamentos para a abertura desses novos processos.

Nesse sentido, os resultados desta pesquisa fornecem subsídios para que as práticas de cuidado na unidade estudada sejam revistas, para que estratégias de educação permanente sejam elaboradas em conjunto com os gestores, e, mais ainda, estimula outros estudos a explorar o olhar do familiar sobre os processos de humanização nos serviços hospitalares.

Como principal peculiaridade do estudo destaca-se a subjetividade dos dados, fator intrínseco ao ser humano e que é influenciado pelo contexto e pelos sentimentos, sofrendo variações no decorrer de um dia, mas que precisam ser investigados.

É necessário buscar alternativas baseadas em valores pessoais e humanos para melhorar a assistência ao paciente e estendê-las ao familiar, para atingir a totalidade do cuidado, sendo necessário unir os recursos disponíveis a outros fatores como sensibilidade e respeito. 

REFERÊNCIAS

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9 Turato ER. Tratado da Metodologia da Pesquisa Clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis, RJ: Vozes; 2008.

10 Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. 9. ed. São Paulo: Hucitec; 2007.

11 Conselho Nacional de Saúde (Brasil). Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa em seres humanos. Resolução N. 196/96, de outubro de 1996. Brasília; 1996.

12 Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Atenção a Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: documento base para gestores e trabalhadores do SUS. 4. ed. Brasília; 2008.

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14 Silva RM, Beck CLC, Lopes, LFD, Magnago TSBS, Prestes FC, Tavares JP. Patient satisfaction in the postoperative of fracture as nursing care: descriptive study. Online Braz J of Nurs [serial on the Internet]. 2010 [cited 2010 Out 2]; 9(2). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2010.2951/html_137

15 Pinho L, Santos S. Fragilities and potentialities in the humanization attendance process in the intensive care unit: a qualitative and dialectic based-study.  Online Braz J of Nurs [serial on the Internet]. 2007 [cited 2010 out 2]; 6(1). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/853

16 Inaba LC, Silva MJP, Telles SCR. Paciente crítico e comunicação: visão de familiares sobre sua adequação pela equipe de enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP. 2005; 39(4):  423-9.

17 Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: visita aberta e direito a acompanhante / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.

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19 Bousso RS, Silva L, Mendes-Castillo AM. The art of therapeutic letters in caring for grieving families. Online Braz J of Nurs [serial on the Internet]. 2010  [cited 2010 Dec 18]; 9(2). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2010.2988/668

 

Contribuições dos autores:

Pesquisa bibliográfica: Denise de Oliveira Vedootto e Rosângela Marion da Silva. Coleta dos dados: Denise de Oliveira Vedootto. Concepção e desenho: Denise de Oliveira Vedootto e Rosângela Marion da Silva. Análise e interpretação: Denise de Oliveira Vedootto e Rosângela Marion da Silva. Revisão crítica do artigo e aprovação final: Denise de Oliveira Vedootto e Rosângela Marion da Silva.

 

Contato: Denise de Oliveira Vedootto, e-mail: dvedootto@bol.com.br.