The creation`s process of the Specialization Course in Nursing - Residence Modality in Ophir Loyola Hospital (Pará, Brazil): a historical perspective

 

O processo de criação do curso de especialização em enfermagem em modalidade de residência no Hospital Ophir Loyola (Pará, Brasil): uma perspectiva histórica

 

Lucirene Barbosa da Silva1, Tânia Cristina Franco Santos2, Alexandre Barbosa de Oliveira3, Gizele da Conceição Soares Martins4, Maria Angélica de Almeida Peres5, Antonio José de Almeida Filho6

 

1Universidade do Estado do Pará, Doutorado em Enfermagem na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil; 2,3,4,5,6 Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

Abstract: This historical-social study aimed to describe the process of creation of the Specialization Course in Nursing - Residence Modality in the Ophir Loyola Hospital in 1998, and to discuss the strategies used by nurses who participated at the creation of the Specialization Course in Nursing - Residence Modality for their deployment. The historical sources of the study, consisting of written and oral documents, were classified and analyzed in the light of Pierre Bourdieu's Social Theory. The research revealed that the creation of the Residency in Nursing for nurses in the State of Pará has contributed to upgrading the professional habitus of these agents, and to set the game between those who participated in the process of creating the Course.

Keywords: Nursing; History of Nursing; Credentialing

 

 

INTRODUÇÃO

O Pará, segundo maior Estado do Brasil em extensão territorial, está localizado na Região Norte. Sua capital é a cidade de Belém, região metropolitana da Amazônia que conta com cerca de 1,8 milhões de habitantes, sendo a segunda cidade mais populosa da região Norte1.

A estrutura dos serviços de saúde no Estado do Pará não se difere daquela observada no restante da Região Norte do país. O Estado conta com um sistema de saúde também eminentemente público, constituído por rede hospitalar de alta e média complexidade, porem, insuficiente para atender à demanda daquela população, que anseia por soluções para os seus problemas de saúde, desde os mais complexos aos mais simples2.

Além disso, a crescente complexidade observada no campo da saúde, aliada aos avanços científicos e tecnológicos, exige uma qualificação profissional de modo que a prática assistencial, no Estado do Pará, não fique tão distanciada das possibilidades técnicas e terapêuticas disponíveis no Brasil e no mundo3.

Nesse contexto, a Residência em Enfermagem, enquanto modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu destinada aos enfermeiros, configurou-se como a possibilidade de qualificá-los para atender essas demandas no Estado do Pará, uma vez que a residência em enfermagem, caracterizada pelo desenvolvimento das competências técnico-científicas e éticas decorrentes do treinamento em serviço, contribuiria para uma assistência mais qualificada a serviço da cidadania 4.

Diante disso, o presente estudo tem como objeto o movimento dos enfermeiros pela criação da Residência em Enfermagem no Hospital Ophir Loyola (HOL). O recorte temporal compreende os anos de 1997 e 1998, quando acontece o processo seletivo de enfermeiros para o primeiro Curso de Especialização em Enfermagem - Modalidade Residência no HOL e o início do referido curso.

Para elucidar o objeto de estudo desta pesquisa, traçou-se os seguintes Objetivos:

- Descrever o processo de criação do Curso de Especialização em Enfermagem - Modalidade Residência no HOL, em 1998;

- Discutir as estratégias usadas pelos enfermeiros que participaram da criação do Curso de Especialização em Enfermagem - Modalidade Residência para a sua implantação.

A relevância social deste estudo consiste na possibilidade de divulgar a produção científica sobre a história da enfermagem do Pará, em especial, a da criação do Curso de Especialização em Enfermagem – Modalidade Residência. Sendo assim, as justificativas de realizar um estudo sobre este tema (inédito) se pautam tanto na pertinência da discussão sobre os limites e possibilidades das ações de profissionais da enfermagem e de autoridades do Estado do Pará, como na recuperação e valorização de preciosas fontes orais.

 

PERCURSO METODOLÓGICO

O estudo teve como referência teórica o pensamento do sociólogo francês Pierre Bourdieu no que concerne aos conceitos de capital cultural, social e simbólico, além dos conceitos de habitus e de campo. O argumento central de Bourdieu é o de que as práticas sociais são estruturadas, isto é, apresentam propriedades típicas da posição social de quem as produz. Tais práticas são expressas através do habitus, o qual traduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, ou seja, em um conjunto unívoco de escolhas, de bens e de práticas 5, uma vez que o habitus funciona como um conjunto de traços distintivos e separações diferenciais, constitutivas de um sistema mítico-ritual, que simbolizam os indivíduos nos espaços sociais.

Nesse estudo, o HOL, antigo Hospital dos Servidores do Estado, representa o espaço social onde se estabeleceram relações dialéticas entre os agentes (médicos, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de enfermagem e outros membros da equipe da área de saúde) e as estruturas deste espaço.

 As fontes primárias do estudo estão constituídas de entrevistas com três enfermeiras. Dentre estas, duas atuaram na função de gestoras e uma na de gestora e representante de entidade de classe. Estas agentes foram incluídas no estudo, porque participaram da trajetória do Curso de Especialização em Enfermagem - Modalidade Residência no HOL, no período de 1994 a 1998. Os demais integrantes da equipe de saúde foram excluídos porque não tiveram participação direta ou indireta nesse processo. Os sujeitos foram identificados com a designação de entrevistada, seguido do número ordinal conforme o uso das entrevistas no texto.

A coleta de dados se realizou por meio de entrevista semi-estruturada, auxiliada por um roteiro com perguntas abertas, permitindo discorrer sobre o tema em questão sem perder de vista a indagação formulada 6. As entrevistas foram realizadas nos meses de outubro e dezembro de 2009 e nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2010. As entrevistas aconteceram no dia, hora e local de acordo com o agendamento dos depoentes, e foram desenvolvidas após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecidas.

As fontes secundárias, constituídas de artigos, teses, dissertações e livros, consubstanciaram a análise dos dados derivados das fontes primárias do estudo, as quais constituíram o corpus documental. Estas fontes foram localizadas em bibliotecas públicas e virtuais, tais como: Bib1lioteca Dr. Orlando Costa, Biblioteca Virtual de Saúde Pública do Estado do Pará, Biblioteca Digital de Tese e Dissertação de Mestrado da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Biblioteca Paulo Freire – Centro de Ciências Sociais e Educação – Campus I – UEPA.

Como preconizado pelo método histórico, o estudo comportou as três etapas essenciais: levantamento dos dados, análise crítica desses dados e conclusões. Assim, após a etapa de seleção e classificação das fontes documentais, procedeu-se a determinação da qualidade e relevância da informação contida em tais fontes para o trabalho historiográfico proposto.  Este processo de validação de fontes denomina-se crítica externa e crítica interna. Na etapa de análise dos dados, o conjunto de fatos políticos e sociais foi considerado para a interpretação dos dados históricos, o qual permitiu a exposição histórica a partir da documentação selecionada.

É importante ressaltar que, em cumprimento à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/ Hospital Escola São Francisco de Assis e aprovado através do parecer contido no protocolo de número 087/2009, em 30 de novembro de 2009.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Criação do Curso de Especialização em Enfermagem-Modalidade Residência no Hospital Ophir Loyola

O Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica - Modalidade Residência, primeiro curso criado, tinha como unidade responsável a Divisão de Ensino da Diretoria de Ensino e Pesquisa do HOL. A coordenação coube à Chefe da Divisão de Ensino daquele hospital, enfermeira Zandra da Silva e Mota 7.

O projeto do Curso foi estruturado nos moldes dos demais cursos de especialização da UEPA, seguindo as diretrizes do Conselho Nacional de Educação. O fato de a enfermeira Zandra acumular as funções de chefe da Divisão de Ensino da Diretoria de Ensino e Pesquisa do HOL e também de docente do Curso de Graduação em Enfermagem da UEPA contribuiu para que a mesma pudesse acompanhar a tramitação do Projeto para Residência no âmbito da UEPA, conforme esclarece em suas palavras:

 

[...] Estar nestas funções facilitou muito o processo de criação da Residência, pois, conhecendo todo o regimento da UEPA e tendo acesso à legislação e às instâncias da Universidade, juntamente com o apoio e autonomia enquanto chefe da Divisão de Ensino da Diretoria de Ensino e Pesquisa do HOL, e com a importante contribuição e apoio da professora Edilma Pinheiro, também funcionária do HOL e professora da referida universidade, é que podemos criar o primeiro Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica – Modalidade Residência do HOL [...] (Entrevistada  1).

 

Assim, tal condição conferia autoridade sobre o grupo àquela enfermeira docente, cuja legitimidade era extraída do mesmo grupo sobre o qual a autoridade era exercida, mediante o reconhecimento de sua competência, de sua identidade social com base em um capital profissional que a destacava naquele espaço social. Não obstante, foram inúmeras as dificuldades enfrentadas pelo grupo de enfermeiras docentes envolvido com a criação desse curso de especialização, no que diz respeito ao apoio financeiro. No relato do depoimento da enfermeira Zandra pode ser constatada algumas dessas dificuldades:

 

[...] O primeiro curso teve início com a Modalidade Residência em Enfermagem Cirúrgica em 1998. Nestes 4 anos (1998 a 2002) encaminhamos o projeto do referido Curso, em busca de financiamento, para a Secretaria de Estado de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente (SECTAM), para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), e também para a UEPA. A SECTAM respondeu que o projeto era muito bom, mas que não havia verba para cursos, e sim para pesquisa. Na UEPA o projeto a princípio, ficou como dissemos, engavetado no Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, sem resposta. [...]  (Entrevistada  1).

 

         As dificuldades ou entraves aparentemente burocráticos, comumente observados tanto no âmbito das instituições públicas quanto das privadas, estão relacionados, em grande parte, com o capital simbólico (reputação, prestígio) acumulado pelos agentes envolvidos, o qual define as posições ocupadas por cada um no espaço social. Em outras palavras, este capital se refere ao modo como o indivíduo (agente) é percebido pelos outros e essa percepção tem estreita relação com a posse dos diferentes capitais, pois quanto maior o volume de capital possuído e investido pelo agente em determinado mercado (espaço social), maiores serão as possibilidades de um bom retorno 8. Dessa forma, as possibilidades de resolver as dificuldades administrativas relativas à criação do curso, dependeram, em parte, dos diferentes tipos de capitais acumulados pelos agentes envolvidos.

         No que se refere ao processo de criação do Curso de Residência, o grupo envolvido enfrentou dificuldades em obter informações precisas sobre a tramitação do processo nas instâncias da UEPA. O excerto do relato de um dos entrevistados é exemplar no sentido de evidenciar que, ao longo do tempo, os agentes ou grupos sociais, em função de suas posições no campo, incorporam um conhecimento prático sobre o que é possível ou não de ser alcançado, desenvolvendo estratégias mais seguras para o alcance dos objetivos:

 

[...] Nós encaminhávamos o projeto, e na verdade não sabíamos por onde tramitava. De tanto falar na reunião de Departamento de Enfermagem Hospitalar sobre a falta de atenção, tanto por parte do campus IV (Curso de Enfermagem da UEPA), como da UEPA, dada á importância do Curso para a Enfermagem [...] então, tivemos informação que o projeto estava na casa de um dos Conselheiros e, após muita luta, conseguimos que este projeto voltasse a tramitar na UEPA (Entrevistada  1).

 

Não obstante as dificuldades administrativas, o Curso de Residência foi criado no HOL, no ano 1998, o que equivale dizer que, naquele momento, o mesmo não contava ainda com a aprovação e, portanto, com o apoio institucional da UEPA. Para que isso acontecesse, foi fundamental o desejo e empenho do então diretor da Diretoria de Ensino e Pesquisa, o médico Luiz Cláudio Chaves, a quem coube liderar as articulações necessárias no sentido de obter apoio para a criação do referido curso. Os motivos apresentados para este empreendimento, ainda sem a aprovação da UEPA e sem o apoio de qualquer órgão de fomento, podem ser observados no trecho a seguir:

 

[...] se fez necessário convencer um gestor de hospital, totalmente assistencial, de que ele tinha que investir um valor de recursos importantes para a capacitação da especialização médica e de enfermagem[...] (Entrevistada  2).

 

O reconhecimento acerca dos lucros materiais e simbólicos advindos do acúmulo de capital social e simbólico contribuiu para que as enfermeiras docentes percebessem a necessidade de estabelecer alianças para que o desejado Curso de Especialização em Enfermagem – Modalidade Residência continuasse a tramitar na UEPA, pois, assim, seria possível reduzir o impacto desfavorável das relações de força vigentes. Para o acompanhamento da organização e planejamento das atividades iniciais de criação e funcionamento do Curso de Especialização em Enfermagem – Modalidade Residência, o médico Luis Cláudio Chaves convidou a enfermeira Zandra Mota para ocupar o cargo de Chefe da Divisão de Ensino. Assim, estaria diretamente subordinada ao diretor da Divisão de Ensino e Pesquisa, representada pelo próprio Luiz Chaves. Os argumentos utilizados pelo diretor desta Divisão foram os seguintes:

 

[...] Para isso, tinha convidado a enfermeira Zandra Mota para ser Chefe da Divisão de Ensino, e na ocasião disse-lhe: Zandra Mota, está na hora da Enfermagem também ter uma residência [...]. Nós fizemos um Curso de Especialização em Enfermagem chamado Modalidade Residência com duas mil horas, porque neste curso valorizava a prática, o aprender fazendo, sem descuidar da teoria, e, assim, fomos evidenciando as áreas que possuíam uma estrutura organizacional de enfermagem favorável para fazer o primeiro curso [...] (Entrevistada  2).

 

         A indicação da enfermeira Zandra Mota para o cargo de Chefe da Divisão de Ensino agregava-lhe o capital simbólico necessário para a sustentação de um projeto de monta para a enfermagem, dando visibilidade a Divisão de Ensino de Enfermagem daquele hospital e, por extensão, àqueles que ingressassem no referido curso. Esta condição evidencia que os diferentes espaços sociais se configuram como espaço de consagração de uma nova ordem, a qual é reproduzida com a ajuda dos agentes e instituições 9.

Tanto assim que, no final do segundo semestre de 1997, já foi publicado o edital de concurso público em Diário Oficial do Estado. As inscrições ocorreram no período compreendido entre 1º a 20 de dezembro de 1997, e os candidatos tiveram que apresentar: diploma de enfermeiro, curriculum vitae devidamente comprovado, formulário e pagamento de taxa de inscrição 10. O processo seletivo ocorreu no período correspondente entre 21 e 28 de janeiro de 1998. Sobre o desenvolvimento do processo, tem-se o seguinte relato:

 

Para esta Residência, o processo seletivo adotado foi de uma prova escrita, currículo e, por último, entrevista, que averiguava se o candidato tinha realmente intenção e condições de chegar até o final do curso, mesmo sabendo do não reconhecimento pela Universidade. Tudo sempre foi bem esclarecido para o candidato. [...], havia a prova escrita, os candidatos que conseguiam passar eram entrevistados juntamente com a avaliação dos currículos e, neste processo, criava-se também uma reserva caso houvesse desistência de candidatos. (Entrevistada  3).

 

         Depreende-se do depoimento acima que, além da necessidade de apresentar o diploma de enfermeiro, o qual garante a posse de uma competência, os candidatos tiveram que demonstrar esta competência através dos exames (prova escrita, análise do currículo e entrevista). Sendo assim, os portadores de diplomas de enfermeiro, candidatos à vaga no Curso de Residência tiveram que demonstrar a posse dos atributos que, estatutariamente, lhes foram conferidos 11. Desse modo, se destacariam aqueles candidatos com maiores condições de concorrer pelo cargo profissional em disputa, e que, diretamente, os elevaria a uma distinção entre o grupo de profissionais postulante ao respectivo cargo. 

Uma vez concluído o processo seletivo, o Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica – Modalidade Residência teve início em 4 de fevereiro de 1998. O curso tinha como objetivos: ampliar e aperfeiçoar os conhecimentos técnicos, científicos, éticos e humanísticos do enfermeiro, visando capacitá-lo para o desenvolvimento de suas atividades assistenciais, administrativas, de ensino e de pesquisa, centrada em uma visão holística e na Teoria das Necessidades Humanas Básicas; aperfeiçoar a assistência de Enfermagem Cirúrgica prestada à clientela do HOL através da atuação dos enfermeiros residentes nas diversas áreas, nas instâncias preventivas, curativas e de reabilitação; oferecer ao mercado de trabalho profissionais especializados na assistência ao indivíduo em peri-operatório de cirurgias oncológicas, neurológicas, uro-nefrológicas, torácicas, cardiovasculares e outras 12.

O regulamento do Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica - Modalidade Residência define que o referido curso ficaria vinculado com o HOL e a UEPA, sendo que, ao HOL, através da Divisão de Enfermagem e, no que tange à UEPA, sob os auspícios do Departamento de Enfermagem Hospitalar, e articulado à Pró- Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, por intermédio da Diretoria de Ensino e Pesquisa do HOL 12.

O programa era desenvolvido em dois anos, com treinamento em serviço, com regime de tempo integral correspondendo inicialmente 40 a 48 horas semanais, contemplando uma carga horária total mínima de 2.800 horas, sob orientação de enfermeiro qualificado 12. O primeiro ano era constituído por um tronco comum de conhecimento e o segundo ano era desenvolvido por um tronco específico. Ao término do curso, o residente deveria apresentar uma monografia na área de concentração escolhida com contribuição efetiva para a assistência de Enfermagem.

A Comissão de Residência do Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica que coordenava o curso era constituída por um coordenador, por um sub-coordenador, um coordenador de cada área de concentração, um representante dos coordenadores de disciplina, um representante dos preceptores, um representante da educação continuada de enfermagem, dois representantes dos residentes, sendo um para cada ano (R1 e R2). A comissão tinha como competências: planejar, coordenar, avaliar e implementar o referido Curso; aprovar anualmente as propostas dos programas e cronograma do Curso; deliberar criação de novos cursos; elaborar critérios para avaliação de desempenho dos enfermeiros residentes; discutir e propor soluções para qualquer encaminhamento com vínculo ao referido Curso, entre outras 12.

Os residentes eram designados por R1 e R2, sujeitos ao regime integral de dedicação exclusiva, sem nenhum vínculo empregatício, subordinados ao preceptor, coordenador e colegiado do Curso, bem como usufruíam de férias, licença saúde, licença maternidade e outros, como também ficavam sujeitos às sanções disciplinares como: advertência; repreensão; desligamento do Curso e outras 12.

Ao Hospital caberia proporcionar aos residentes: alimentação, biblioteca com acervo atualizado e adequado a cada curso, e uma bolsa de estudo. Ao final de cada módulo de treinamento em serviço, os residentes eram submetidos ao processo de avaliação, sendo-lhes atribuído nota em uma escala de 0 a 10, admitindo-se nota mínima de 7,0, com obrigatoriedade de 75% de freqüência mínima da carga horária das atividades previstas. Em caso de reprovação em até duas disciplinas, o residente poderia repetir a disciplina ou módulo em período a ser definido pelo coordenador. Porém, se já houvesse reprovação em mais de duas disciplinas ou módulos, o mesmo era desligado do Curso. Neste caso, era estabelecido que o mesmo deveria devolver o valor recebido (bolsa) 12.

Cabe destaque no regulamento a obrigatoriedade de desenvolvimento de uma monografia. Esta exigência vai ao encontro do defendido nos cursos de pós- graduação latu e stricto sensu, evidentemente com graus de complexidade acadêmica distintos. Assim, é importante destacar que a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, aprovada pela Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, definiu, dentre as funções da educação superior, o estimulo ao desenvolvimento da pesquisa científica, com vistas ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, além da divulgação do conhecimento, produto do investimento na produção científica 13.

O corpo docente responsável por ministrar o conteúdo teórico do curso em tela era, em sua grande maioria, detentor de título de mestre ou de doutor, portanto, com acúmulo de experiências acadêmicas capazes de reatualizar seus habitus profissionais. Isso retrata também, diretamente, a concentração, ainda que em graus distintos, de capital científico por esse grupo, o que corrobora para obtenção ou ratificação do reconhecimento dos mesmos naquele espaço social, ou seja, a consagração de propriedades de objetivação que se encontram associadas ao grupo à medida que ocupam uma posição determinada na estrutura social 14.

Embora não tenha sido possível localizar, até o momento, o parecer da Coordenadora de Estudos Técnico-Científicos da SECTAM acerca do Projeto do Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica, o relato da Chefe da Divisão de Ensino da Diretoria de Ensino e Pesquisa do HOL e, coordenadora do referido Curso informa que, a despeito dos elogios atribuídos ao projeto, o parecer emitido pela SECTAM foi desfavorável e, portanto, permanecia o Projeto sem apoio financeiro de órgão externo ao Hospital. 

         Diante desse parecer desfavorável, uma grande dificuldade se impôs à coordenadora do Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica – Modalidade Residência, enfermeira Zandra da Silva e Mota, pois essa situação significava a ausência de financiamento do referido curso. Assim, uma questão crucial se apresentava: como custear a função inerente ao cargo de coordenadora e a hora-aula dos profissionais da saúde de diferentes instituições, embora com predominância de docentes da UEPA envolvidos no Projeto da Residência? O recorte a seguir expõe tal situação:

 

[...] Naquela época, os processos se davam em regime de cooperação e boa vontade, apostando no empenho e no sonho de todos que vislumbravam um Curso que fosse capaz de preparar profissionais mais conscientes com a realidade onde nós atuávamos. Estes profissionais eram movidos por um ideal, pois não havia recebimento de honorários, não havia como serem pagos. Nem o preceptor, nem o coordenador de disciplina e nem o próprio professor que vinha ministrar aula... Tudo era feito com sentimento de doação e contribuição. [...] (DP2).

 

Cabe destacar que as bolsas destinadas aos alunos residentes eram asseguradas pelo HOL, bem como os demais custos envolvidos no Projeto de Residência em Enfermagem, como é possível constatar com o trecho a seguir:

 

[...] a Diretoria de Ensino e Pesquisa [do HOL] é quem garantia a bolsa dos residentes. Nestes quatro anos, a única verba disponibilizada foi a bolsa. Toda a equipe pedagógica e demais membros não receberam nenhum tipo de remuneração. [...]  (Entrevistada  1)

 

Assim, é possível constatar que, apesar dos interesses sociais, sanitários, políticos e acadêmicos, a realização dos Cursos de Especialização em Enfermagem – Modalidade Residência enfrentariam muitos desafios para sua implantação e consolidação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Residência em Enfermagem, enquanto modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, destinada aos enfermeiros no Estado do Pará, configurou-se como um importante espaço profissional que, ao tempo em que contribuiu para atualizar o habitus profissional do enfermeiro da região, também atendeu, em parte, a demanda de profissionais qualificados no cotidiano da assistência hospitalar 15. Além disso, representou também a oferta, para os enfermeiros, de agregação de valor ao seu diploma de enfermeiro, mediante a aquisição de um título de especialista.

Não obstante as vantagens inerentes a esse empreendimento no Estado do Pará, os agentes (enfermeiros) envolvidos com o processo de criação do curso de residência empreenderam estratégias no sentido de dar visibilidade ao seu capital profissional para se fazerem ver e se fazerem reconhecer e, com isso, lograr êxito na criação e implantação do Curso.

Nesse contexto, os enfermeiros reconheceram que o volume do capital social de um indivíduo ou grupo é determinado em função da amplitude dos contatos sociais e, principalmente da qualidade desses contatos, ou seja, da posição social daqueles que ocupavam posições estratégicas, como no caso da enfermeira que acumulava uma função importante no Hospital e na Universidade.

 

REFERÊNCIAS

1.    Ministério da Saúde (BR). Saúde Amazônia 2004. Relatório de processo, pressuposto, diretrizes e perspectivas de trabalho para 2004. 2.ed. Brasília: DF; 2004.

2.    Brasil. Secretaria Especial de Estado de Proteção Social (Pará). Relatório Trajetória de saúde: oito anos de Governo (1995 a 2002). Humanizar sempre.  Belém: Secretaria Especial de Estado de Proteção; 2002.

3.    Rosa IM, Cestari ME. A relação com o aprender de enfermeiras e estudantes de enfermagem. Online Braz J of Nurs. 2007 [cited 2011-02-02]; 6(2). Available from http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2007.752/193

4.    Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº 259, de 3 de abril de 2001. Estabelece padrões mínimos para registro de enfermeiro especialista, na modalidade de residência em enfermagem. Brasília (DF), 3 abr 2001.

5.    Bourdieu P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2005.

6.    Minayo MCS, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criativamente. 26.ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2007.

7.    Brasil. Universidade do Estado do Pará. Formulário do Projeto Pedagógico do Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica - Modalidade Residência; 1998.

8.    Bourdieu P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk; 2007.

9.    Bourdieu P. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk; 2002.

10. Secretária Estadual de Saúde (Pará). Hospital Ophir Loyola. Diretoria de Ensino e Pesquisa. Curso de Pós Graduação.  Divulgação do Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica: Modalidade Residência (folder). Belém: Secretária Estadual de Saúde; 1998.

11. Bourdieu P. Razões e práticas: sobre a teoria da ação. 8ª ed. São Paulo: Papirus Editora; 2007.

12. Brasil. Estado do Pará. Regulamento do Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica -Modalidade Residência; 1998.

13. Brasil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acesso em: 26 jul. 2009.

14. Bourdieu P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva; 1999.

15. Correia L.Souza N.Mauro M.Silva R. Repercussions of the work organization in the health and the quality of life of the coordinators of the nursing. A qualitative study Online Brazilian Journal of Nursing [serial on the Internet]. 2006 dezembro 16; [ 2011 abril 26]; 5(3): available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/531