ARTIGOS ORIGINAIS

 

Sistema de escores para intervenção terapêutica neonatal: estudo descritivo


Gabriela Ramos Ferreira Curan1, Edilaine Giovanini Rossetto1

1Universidade Estadual de Londrina

 


RESUMO
O Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System (NTISS) é um instrumento que estima a gravidade dos pacientes mensurando tecnologias da assistência.
Objetivo: Analisar a aplicação do NTISS na unidade neonatal de um hospital universitário.
Método: Estudo observacional descritivo e prospectivo. Aplicou-se o NTISS por 228 dias, da admissão a alta de cada paciente.
Resultados: Dos 81 neonatos acompanhados, 58,5% eram do sexo masculino, 91,35% prematuros, 87,65% de baixo peso ao nascer, com tempo médio de internação de 16 dias. A média de escore do NTISS nas diferentes ocasiões foi 23 no óbito, 17,2 na admissão, 14,5 durante a internação e 10,5 na alta. A dimensão “monitorização” foi o maior escore médio na internação, seguida de “medicamentos”. “Transfusões” obteve a menor média.
Conclusão: O sistema de escore de fácil aplicação mostrou-se importante ferramenta para o planejamento da alocação de recursos materiais e humanos na assistência por revelar um diagnóstico situacional do contexto.
Descritores: Índice de Utilização de Tecnologias; Enfermagem Neonatal; Downsizing Organizacional e Carga de Trabalho.


 

INTRODUÇÃO

A assistência prestada em unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN) tem se modificado significativamente, sobretudo pela utilização de novas tecnologias, o que tem contribuído para o aumento da sobrevida de recém-nascidos (RN) prematuros cada vez menores em relação à idade gestacional e peso de nascimento. Associa-se ao aumento na sobrevida neonatal, a necessidade de uma assistência estruturada e de qualidade, o que representa um estímulo para que mais investimentos sejam priorizados nesta área(1).

Os RN pré-termo são a população mais frequente dentro das UTIN. É comum aos pacientes de UTIN com maior ou menor gravidade clínica e de alta vulnerabilidade física, devido à precariedade das defesas imunológicas e de barreira cutâneo-mucosa, peso corporal muitas vezes insuficiente, além da grande exposição a procedimentos invasivos e potencialmente lesivos. Essas características geram demandas aumentadas de atendimento médico, enfermagem, equipamentos, materiais e terapêuticas modernas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como prematuros todos os RN com menos de 37 semanas de gestação(2).

Entretanto, a diferença do grau de gravidade dos RN admitidos em UTIN requer uma avaliação de sua condição clínica e da mensuração das tecnologias e intervenções adotadas durante sua internação. Esse conhecimento pode subsidiar a estimativa do prognóstico de cada RN, o planejamento da assistência de enfermagem, o dimensionamento de pessoal e da carga de trabalho da equipe de enfermagem, as aquisições de equipamentos, medicamentos e materiais, visando aperfeiçoar a alocação de recursos diante dos custos operacionais(3,4,5,6).

A partir dessa necessidade, foram desenvolvidos sistemas objetivos de mensuração de gravidade de pacientes e de métodos prognósticos específicos para aplicação em UTI. Em 2005, pesquisadores do Reino Unido apresentaram uma revisão dos métodos existentes de mensuração da gravidade da doença em RN. Dos 12 métodos referidos, o sistema que avaliou o maior número de variáveis foi o Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System (NTISS)(5).

O NTISS resultou de uma adaptação do TISS - Therapeutic Intervention Scoring System - um sistema de medida de gravidade de pacientes adultos internados em UTI e de carga de trabalho de enfermagem.

Para o desenvolvimento do NTISS, o TISS foi modificado em dois estágios por Gray e Richardson(7); a análise feita pelo grupo de especialistas levou à decisão de retirar 42 dos 76 itens originais do TISS e adicionar 28 novos. Assim foi elaborado o NTISS com os 62 itens eleitos pertencentes às dimensões: respiratória, cardiovascular, medicamentosa, monitorização, metabólica/nutricional, transfusão, procedimentos e acesso vascular. O cálculo da gravidade do paciente se dá pela somatória dos pontos que ele recebe em cada item das oito dimensões, sendo um (1) o menor valor e quatro (4) o valor máximo de cada item observado(7).

Para a validação, aplicou-se o NTISS em 1643 RN admitidos em três UTIN norte-americanas durante 11 meses. Os autores concluíram que o NTISS representa uma medida direta da utilização de recursos, possui capacidade de fornecer prognóstico clínico, além de poder identificar os fatores que influenciam o tempo de permanência hospitalar do neonato e as variações das práticas assistenciais relacionadas ao uso de recursos humanos e terapêuticos(7).  
O NTISS foi considerado como um escore de gravidade de boa acurácia e valor prognóstico, uma vez que testes estatísticos mostraram significância quanto à correlação entre o escore NTISS e marcadores de gravidade da doença, incluindo estimativas de risco de mortalidade por médicos assistentes neonatais (p<0,0001) e taxas de mortalidade hospitalar (p<0,05)(7). 

Pesquisadores(3) observaram 96 RN de duas UTIN, uma pública e outra privada do Rio de Janeiro, e contabilizaram diariamente a utilização de tecnologias aplicando o NTISS e a gravidade dos pacientes no momento da admissão pela aplicação do Score for Neonatal Acute Physiology, Perinatal Extension, Version II (SNAPPE-II).

O acompanhamento periódico do índice de utilização de tecnologias permitiu a detecção de variações nas práticas assistenciais que refletem em custos operacionais e podem orientar a alocação de recursos em terapia intensiva neonatal.

A complexidade observada nos pacientes atendidos na UTI Neonatal do Hospital Universitário de Londrina (PR) concorre com o desconhecimento objetivo da utilização de tecnologias assistenciais durante a internação dos mesmos. Existe a necessidade de utilização de instrumentos específicos para o delineamento tanto do perfil de gravidade dos pacientes quanto da utilização de tecnologias assistenciais, visando conhecer a demanda assistencial desta realidade. O uso de ferramentas desta natureza pode fornecer subsídios para o planejamento organizacional da referida unidade, com vistas a otimizar recursos materiais e humanos e consequentemente a melhoria da assistência.

Assim, este estudo teve como objetivo descrever o grau de gravidade de RN em uma UTIN por meio da utilização do NTISS, de acordo com o perfil desses pacientes, escores de gravidade e tecnologias utilizadas.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional prospectivo cujos sujeitos foram os RN internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) do Hospital Universitário de Londrina (HUL), público, terciário, com 316 leitos, exclusivos do Sistema Único de Saúde. A maternidade do HUL é um serviço de referência para o atendimento a gestações de alto risco, sendo a procedência da grande maioria dos bebês internados na UTIN. A UTIN conta com sete leitos e sua média de ocupação é de 115%, de acordo com o Sistema de Arquivo Médico Estatístico (SAME) do hospital. Isso indica a alocação frequente de leitos extras para o atendimento.

A coleta de dados ocorreu de dezembro de 2011 a julho de 2012, totalizando 228 dias, cuja primeira quinzena foi utilizada como teste piloto. O critério de inclusão foi a permanência na UTIN por pelo menos três dias antes de receber alta para o Alojamento Conjunto, ou permanecer por pelo menos um dia antes de receber alta para a Unidade de Cuidados Intermediários (UCIN). Foram incluídos no estudo todos os pacientes nascidos entre 15 de dezembro de 2011 e 30 de junho de 2012 admitidos na UTIN, que foram acompanhados até o desfecho de sua internação - alta, óbito ou transferência do setor. Nesse período foram admitidos na UTIN 84 RN, sendo excluídos três que receberam alta para o Alojamento Conjunto precocemente, resultando em uma amostra de 81 RN.

O NTISS foi aplicado diariamente para cada paciente internado desde o primeiro dia de sua admissão até o momento da alta da UTIN ou o óbito. Consideravam-se todas as terapêuticas utilizadas nas 24 horas de cada dia para registrar a terapêutica de maior pontuação utilizada em cada modalidade naquele dia.

O NTISS é composto de oito dimensões de tipo de assistência: respiratório, monitorização, cardiovascular, medicamentos, metabólico/nutrição, transfusões, procedimentos e acesso vascular. Cada dimensão possui itens que representam terapêuticas de uso em UTIN, e a quantidade de itens dentre as dimensões é variada. Os itens são pontuados com sub escores que podem variar desde 1 até 4, sendo 1 o valor atribuído à terapêutica menos invasiva, e 4 à mais invasiva.

Atribui-se valor zero quando o item não é utilizado no paciente naquele período.

No cálculo do NTISS total foram considerados entre os itens análogos, por exemplo, uso de CPAP nasal e uso de ventilação pulmonar mecânica, o valor referente ao item que reflete maior complexidade tecnológica. Ou seja, considerou-se sempre a terapêutica mais invasiva utilizada com o paciente em cada dia. A pontuação total pode variar entre zero e 99, considerando-se todas as terapêuticas computadas pelo sistema de escore passíveis de utilização concomitante. Embora não tenham sido validados escores indicativos de prognóstico, sabe-se que quanto maior o escore, maior a gravidade do paciente e consequentemente pior o prognóstico.

Na dimensão respiratória, considerou-se oxigênio suplementar a utilização de capacete, cateter nasal, oxigênio na incubadora e nebulização proximal com oxigênio. No item “outros”, na dimensão medicamentosa, investigou-se o uso de aminofilina, cafeína, sulfato ferroso, polivitamínico, dexametasona, midazolam, citrato de fentanila e gluconato de cálcio.

Simultaneamente à aplicação do NITSS foi utilizado um diário para registro das percepções do pesquisador mediante sua utilização, e de possíveis inadequações observadas.

Os dados foram inseridos no programa EpiInfo – versão 3.2.2, também utilizado para análise descritiva.

A máscara elaborada no programa EpiInfo contemplou todas as dimensões do NTISS, apresentadas no Quadro 1, além de dados para a caracterização dos pacientes: número da ficha na pesquisa, número do prontuário, sexo, iniciais da mãe, data da coleta, data de nascimento, gemelaridade, peso e idade gestacional de nascimento.

Quadro 1: Dimensões avaliadas pelo NTISS, seus itens e seus respectivos subescores.

Itens Sub-escores Itens Sub-escores
Respiratório   Metabólico/ Nutrição  
O2 suplementar 1(a) Gavage 1
CPAP 2(a) Fototerapia 1
IMV 3(a) Lipídio EV 1
IMV + relaxante 4(a) Aminoácido EV 1
IMV alta freqüência 4(a) Insulina 2
Surfactante 1 Infusão de potássio 3
Intubação 2 Transfusões  
Cuidados traqueostomia 1(b) Gamaglobulina EV 1
Colocação traqueostomia 1(b) Exsanguineo Total 3
Oxigenação extracorpórea 4 Exsanguineo Parcial 2
Monitorização   Hemácias ≤ 15 ml/kg 2(g)
Sinais vitais 1 Hemácias > 15 ml/kg 3(g)
Flebotomia (5/10) 1(c) Plaquetas 3
Flebotomia (>10) 2(c) Leucócitos 3
MonitorizaçãoCardioRespiratória 1 Procedimentos  
Ambiente Termoregulado  1 Transporte 2
Monitorização O2 Não Invasiva 1 Diálise 4
Monitorização PA 1 Dreno Torácico Simples 2(h)
Monitorização Invasiva PA 1 Dreno Torácico Múltiplo 3(h)
Cateter Vesical 1 Toracocentese 3
Balanço Hídrico 1 Dreno Pericárdico 4(i)
CardioVascular   Pericardiocentese 4(i)
Indometacina 1 Pequena Cirurgia 2(j)
Expansor ≤ 15 ml/kg 1(d) Grande Cirurgia 4(j)
Expansor > 15 ml/kg 3(d) Medicamentos  
Vasopressor (1) 2(e) Antibióticos ≤ 2 1(k)
Vasopressor (2) 3(e) Antibióticos > 2 2(k)
Ressuscitação 4 Diurético VO 1(l)
Marca Passo Standby 3(f) Diurético EV 2(l)
Uso Marca Passo 4(f) Anticonvulsivante 1
Acesso Vascular   Aminofilina 1
Periférico  1 Corticóide  1
Cateter Arterial 2 Resina de Troca de K 3
Cateter Venoso Central 2 NaHCO3 3
    Outras drogas 1
       
NTISS TOTAL = _____
       


*As letras entre parenteses representam as variáveis nas quais só foram computadas as de maior pontuação(7).
Fonte: elaboração dos autores.

Por tratar-se de dados secundários, não houve a necessidade de obtenção do consentimento livre e esclarecido individual, pois o trabalho foi realizado após a aprovação do diretor superintendente da instituição, chefia da unidade e aprovação do Comitê de Ética em pesquisa sob o parecer n° 157/2011 com CAAE 0127.0.268.000-11.

Utilizou-se o teste estatístico não paramétrico de Mann-Whitney para testar a igualdade das medianas entre dois grupos não pareados, com amostras independentes sem distribuição normal.

 

RESULTADOS

Foram acompanhados 81 RN, sendo 58,5% do sexo masculino. A média de peso foi de 1405g, sendo 575g o peso mínimo e 4120g o peso máximo. A média de idade gestacional de nascimento foi de 29,3 semanas, sendo a idade mínima 23 semanas e a máxima 40 semanas. A maioria da população (91,4%) era de RN prematuros, e 50,6% do total possuíam idade gestacional de nascimento inferior a 32 semanas; 87,7% apresentaram baixo peso ao nascer, 42,7% do total apresentaram peso ao nascimento menor que 1500g, e 28,0% menor que 1000g, sendo estas categorias de peso não excludentes. A incidência de gemelaridade foi de 12,2% e a média de internação foi de 16 dias. A mais curta internação durou um dia, e a mais longa 68 dias.

Com relação ao desfecho da internação, 56 pacientes (69,1%) tiveram alta para a Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal (UCIN), sete (8,6%) tiveram reinternação na UTIN em algum momento; 16 (19,8%) foram a óbito, um paciente (1,2%) foi transferido para a pediatria e outro seguiu internado na UTIN no término da coleta de dados.

Alguns itens que constam no NTISS não foram utilizados em nenhum dos pacientes acompanhados no período do estudo: ventilação mandatória intermitente de alta frequência, colocação e cuidados com traqueostomia, oxigenação extracorpórea, monitorização invasiva de pressão arterial, uso de marca-passo, marca-passo em stand by, resina de troca de potássio, gamaglobulina, leucócitos endovenosos e pericardiocentese.

A Tabela 1 apresenta os escores médios, mínimos e máximos da população do estudo durante todo o período observado, bem como, segundo sexo, peso e idade gestacional. Os recortes de peso ao nascer e de idade gestacional adotados para a análise dos dados foram definidos devido às características da população de estudo já mencionadas, ou seja, média de peso de 1405g e média de idade gestacional de nascimento foi de 29,3 semanas. Assim, comparamos os nascidos menores de 32 semanas com os demais, e os nascidos com muito baixo peso ao nascer com os demais.

 

Tabela 1 – Média da pontuação do escore NTISS segundo sexo, idade gestacional e peso. Londrina, 2012. 
Variável Média Variação Desvio Padrão Valor de p (Mann-Whitney)
SEXO       0,003*
   Sexo masculino 14,8 7 a 37 4,62
   Sexo feminino 14,2 6 a 33 4,65
IDADE GESTACIONAL       0,002*
   ≥32 sem 14,1 7 a 37 4,87
  <32 sem 14,7 6 a 34 4,54
PESO DE NASCIMENTO (g)       0,006*
         
   ≥1500 14,2 6 a 37 4,92
   <1500 14,7 7 a 34 4,47  
Fonte: elaboração dos autores


O escore médio do NTISS obtido diariamente no período de coleta de dados foi de 14,5, sendo seis o escore mínimo e 37 o máximo.  As médias de escores pelo NTISS de pacientes do sexo masculino, de idade gestacional de nascimento menor que 32 semanas e de muito baixo peso ao nascer foram significativamente maiores do que dos demais pacientes, de acordo com o teste Mann-Whitney aplicado na análise estatística.

Considerando o escore de cada paciente no momento da admissão na UTIN, obtiveram-se os dados apresentados na Tabela 2. Os escores médios de admissão foram maiores do que os escores médios da internação.

 

Tabela 2 – Escores na admissão na UTIN segundo sexo, peso e idade gestacional de nascimento. Londrina, 2012.
População /Escore n Média Mediana Variação Valor de p
(Mann-Whitney)
SEXO         0,67
      Sexo masculino 48 17,4 17 09 a 35
      Sexo feminino 33 16,9 15 11 a 30
PESO DE NASCIMENTO (g)         0,09
     ≥1500g 35 16,5 15 09 a 35
     <1500g 46 18,1 18 12 a 30
IDADE GESTACIONAL         0,02*
     ≥32 sem 40 16,2 15 09 a 35
     <32 sem 41 18,1 18 12 a 30  
 


Considerando os escores parciais das dimensões no momento da admissão na UTIN, durante o transcorrer da internação e nas ocasiões de alta ou óbito, obtivemos os dados apresentados na Tabela 3.

 

Tabela 3 - Escores por dimensões: nas admissões, durante a internação, nas altas e nos óbitos. Londrina, 2012.
  MÉDIA DE ESCORE ATINGIDO DE CADA DIMENSÃO
  Escore máximo Na admissão Na internação Na alta No óbito
 
DIMENSÕES
Acesso Vascular 5 1,3 1,6 1,2 1,9
Monitorização 9 5,5 5,7 5,2 6,1
Metabólico/Nutrição 9 3,2 2,3 1,6 1,9
Respiratório 13 2,5 0,9 0,5 0,9
Transfusões 13 0,2 0,3 0,1 1,2
Medicamentos 14 2,3 2,6 1,5 6,6
Cardiovascular 15 1,4 0,6 0,1 3,3
Procedimentos 24 0,6 0,3 0,3 0,2
TOTAL 102 17,2 14,5 10,5 23
 

 

Houve uma variação na pontuação específica das dimensões do NTISS nos diferentes momentos, com destaque para o óbito e admissão. As proporções apresentadas nos parênteses referem-se ao escore atingido em relação ao escore máximo de cada dimensão, apresentado na primeira coluna. 

O registro das percepções do pesquisador no diário de pesquisa revelou a existência de variáveis não contempladas pelo NTISS, como o uso de albumina, de BiPAP e de dois acessos vasculares, além da inadequação da pontuação de gravidade aos pacientes que recebem dieta enteral por gavagem em um serviço que promove o aleitamento materno evitando o uso de copos para a oferta da dieta.

 

DISCUSSÃO

O conhecimento do perfil e da gravidade dos pacientes em uma UTIN pode ser utilizado como uma ferramenta importante de gestão em saúde, tanto em uma perspectiva local quanto ampliada. A mensuração das tecnologias usadas nos pacientes pode direcionar o planejamento de obtenção e alocação de recursos humanos e materiais, assim como da assistência de modo geral. Além disso, a partir do conhecimento do perfil dos pacientes e das terapêuticas mais utilizadas, as unidades neonatais de diferentes cenários poderiam ser comparadas e analisadas a fim de compreender os determinantes das diferentes assistências e realidades.

Autores de um estudo de coorte desenvolvido em UTIN(8) afirmam que o escore pelo NTISS é facilmente extraído dos prontuários, apresenta alta consistência interna e gera informações além daquelas disponíveis em determinantes tradicionais de risco por estar associada a procedimentos.

Pesquisadores que desenvolveram estudo de metodologia semelhante(9) apontam ainda outras características do escore NTISS:

Uma das vantagens do NTISS é justamente a possibilidade de coleta retrospectiva de dados. Embora esse escore tenha uma acurácia diminuída em relação àqueles que utilizam dados fisiológicos para prever óbitos, é um bom marcador de gravidade e está associado à ocorrência de infecção hospitalar.

O NTISS foi considerado um dos cinco determinantes de risco mais utilizados para a avaliação da gravidade da doença em RN de muito baixo peso, juntamente com o Clinical Risk Index for Babies (CRIB), o Score for Neonatal Acute (SNAP), o Score for Neonatal Acute Physiology Perinatal Extension (SNAP-PE) e o Escore Berliner10. Ambos podem ser aplicados para diferentes objetivos, como prever risco de mortalidade e morbidade grave, garantir uma avaliação mais precisa dos resultados entre diferentes UTIN e estabelecer uma base confiável para randomização dos pacientes em estudos multicêntricos e longitudinais(10).

O NTISS difere dos demais índices por quantificar apenas procedimentos e terapêuticas para estimar a gravidade dos pacientes, não considerando suas variáveis clínicas e fisiológicas(10-11). Apesar disso, o NTISS utiliza o maior número de variáveis, já que 62 itens são considerados como possíveis intervenções.

O que também diferencia o NTISS da maioria dos outros sistemas de escore de gravidade neonatais é que ele possibilita o acompanhamento longitudinal da gravidade dos pacientes e uso das tecnologias assistenciais utilizadas. O uso do NTISS permite a análise do panorama de uma UTIN de forma progressiva (o que não foi objeto de estudo neste artigo), além da gravidade de cada paciente ao longo de sua internação, sendo capaz de apontar quais tecnologias são mais implementadas em diferentes momentos do paciente: internação, no momento da alta e nos óbitos, por exemplo. Além disso, fornece um diagnóstico da própria unidade, permitindo a visualização de seu desempenho a partir do recorte desejado - mensal, semestral ou anual.

Evidenciou-se que há tipos de terapêuticas que são mais intensamente implementadas na admissão, assim como há outras cujo uso se intensifica do decorrer da internação, e ainda intervenções especialmente mais aplicadas nos momentos de óbito. Ao se identificar os picos de demanda de cuidados em uma UTIN e mensurá-las, percebe-se a necessidade de uma reorganização do processo de trabalho, que deve ser feita por meio do dimensionamento de recursos humanos, especialmente em enfermagem.

Essas diferenças detectadas em momentos específicos podem ser gerenciadas com a formação e o treinamento de times de atendimentos especializados, como um time de admissão de pacientes e um time de assistência a pacientes com escores indicativos de risco de óbito. A padronização da assistência prestada pelos elementos destes times contribuiria com uma otimização do processo de trabalho e com a qualidade do cuidado prestado em momentos críticos na UTIN. Este assunto foi bem explorado em outro estudo derivado deste, que mostrou que a equipe de enfermagem da unidade neonatal estudada possui formação qualificada, o que pode determinar uma assistência diferenciada, mas não atende as normas para dimensionamento profissional preconizado para a assistência nessas unidades (12).

Observou-se que as dimensões terapêuticas do NTISS foram pontuadas de formas distintas nos diferentes momentos do paciente hospitalizado em UTIN (admissão na unidade, período de internação e momento da alta ou óbito), ou seja, as dimensões que mais pontuaram na admissão não foram necessariamente as que mais pontuaram no óbito, conforme tabela 3. As diferenças entre as dimensões terapêuticas podem ser analisadas tanto observando suas médias de escores, quanto o percentual de escore máximo atingido por cada uma.

A dimensão do escore monitorização manteve-se como o mais elevado nos quatro diferentes momentos analisados neste estudo. Isso se explica pela característica do local de estudo, uma unidade de terapia intensiva, espaço onde todos os pacientes são intensamente monitorizados durante todo seu período de internação. As terapêuticas de monitorização também foram as que mais pontuaram nas populações de dois estudos observacionais descritivos(3,13), tendo um aplicado o NTISS a 22 RN(13), e o outro a 96(3).

A dimensão do fator respiratório, que possui o quarto maior percentual atingido no escore de admissão, é apenas o menos atingido (oitavo escore) no óbito. Explica-se essa diferença pelo fato de que algumas das intervenções relacionadas ao escore respiratório são mais comuns na admissão, como a intubação e a administração de surfactante, por exemplo, enquanto o paciente que evolui para o óbito, justamente pela sua gravidade clínica, na maioria das vezes já está intubado e sofre principalmente intervenções medicamentosas e cardiovasculares. Esse fato é exemplificado quando se analisa o escore medicamentos, que é o quarto colocado no momento da admissão, mas o segundo nos óbitos, apenas menor que o escore de monitorização.

São, portanto, diferentes as demandas de cuidados e de tecnologias no decorrer da assistência ao paciente de uma UTIN, e essas peculiaridades devem ser consideradas no planejamento de alocação de pessoal e de obtenção e reposição de materiais. Isso pode sugerir rotinas e/ou a formação de times de atendimentos específicos para determinadas situações, bem como pode justificar a implantação de dispensação de medicamentos por dose unitária, o que resultaria no redimensionamento de custos, de pessoal e qualidade da atenção.

Neste estudo, a média de escore apresentada pelos pacientes no decorrer da internação foi de 14,5, pontuação mais elevada do que o escore médio de 12,3 reportado em estudo semelhante anteriormente descrito(13). Também se encontram média de escore na admissão mais elevada (17,2) que as médias obtidas nas duas unidades avaliadas em um estudo realizado no Rio de Janeiro, sendo 15,2 na unidade pública e 13,2 na privada(3). Essas diferenças podem ser explicadas pelos diferentes perfis das quatro unidades, lembrando que os estudos comparados(3,13) apresentaram dados referentes apenas ao escore de admissão do paciente na unidade(3) e ao escore médio do período de internação dos pacientes(13).

O  cenário deste estudo foi a UTIN, enquanto no estudo da Colômbia(13) participaram tanto os pacientes da UTIN quanto da Unidade de Cuidados Intermediários (UCIN), o que certamente contribuiu para a redução do escore médio de gravidade. O autor(13) refere ainda que a instituição acompanhada adota uma política de invasividade mínima na assistência aos neonatos. Em comparação às duas instituições do estudo do Rio de Janeiro(3), embora fossem unidades referenciadas para a formação de profissionais na área médica, não eram parte de um hospital universitário, como a unidade da presente pesquisa. Embora não tenham sido encontrados estudos que explorem a influência das características institucionais da UTIN sobre o uso de terapêuticas, inferiu-se que limitar as intervenções assistenciais seja um desafio maior no contexto de um hospital universitário, tendo em vista sua característica de ser campo de formação profissional para diversas áreas da saúde.

Em estudo semelhante a este(3), no item outros da dimensão Medicações, observou-se o uso de cafeína e citrato de fentanila, também percebido nesta análise, além de eritropoietina e estimuladores imunológicos de medula, substâncias não utilizadas neste serviço. Dessa forma, o item outros teve maiores chances de ser assinalado durante a aplicação do escore aos pacientes do estudo de comparação do que nesta pesquisa, contribuindo para uma elevação daquele escore em relação a este.

Em outro estudo(13), a segunda dimensão mais pontuada na escala foi “acesso vascular”, cuja média de escore no período de internação para esta pesquisa foi apenas a quarta mais pontuada. Em ambas as unidades acompanhadas pelos pesquisadores do Rio de Janeiro(3), a segunda dimensão mais pontuada no escore de admissão foi o respiratório, que no presente estudo ficou em terceiro lugar entre as médias de escore na admissão, com um escore bem mais baixo. Possivelmente o baixo escore na dimensão respiratório apresentado pelo presente estudo esteja relacionado à prática do uso de CPAP nasal precoce, em detrimento da intubação, conforme recomendações internacionais(14,15), tendo em vista o menor valor atribuído no escore pelo uso de CPAP nasal (2 pontos) do que o uso de ventilação pulmonar mecânica invasiva (3 pontos). Além disso, por ser uma modalidade respiratória não invasiva, o CPAP não requer intubação endotraqueal, que por si só atribui mais 2dois pontos ao escore.

Além das avaliações em diferentes unidades e em diferentes momentos da internação, o NTISS também pode ser analisado em diferentes populações, como, por exemplo, segundo peso de nascimento. Estudo recentemente realizado na Turquia avaliou o poder de predição de gravidade do NTISS em populações de muito baixo peso ao nascer (MBP) e de extremo baixo peso ao nascer (EBP)(16). Constatou-se que o NTISS utilizado com todos os seus parâmetros parece ser menos preditivo em bebês com peso extremamente baixo, provavelmente relacionado com a utilização de algumas intervenções. Os autores sugeriram que o NTISS possa ser modificado para adaptar-se melhor às diferentes populações segundo peso de nascimento.

O presente estudo também apontou algumas considerações relacionadas ao conteúdo do instrumento. Na dimensão medicamentos, destacou-se a ausência da opção albumina, cujo uso pode não ser raridade e não foi pontuado nos escores de gravidade.

Na dimensão acesso venoso, seria útil a opção “dois acessos vasculares centrais”, assim como há a opção “dreno de tórax múltiplo” na dimensão procedimentos, uma vez que a necessidade de manter mais de um acesso vascular central indica maior utilização de infusões e, consequentemente, maior gravidade do paciente além de maior vulnerabilidade para infecção.

Na dimensão respiratório, a inexistência da opção “BiPAP” (Bilevel Positive Pressure Airway) foi uma falha encontrada, uma vez que os pacientes em uso de BiPAP são mais dependentes da participação do respirador mecânico que aqueles em uso de CPAP (Continuous Positive Airway Pressure), mas apenas este último está disponível no escore como opção de ventilação não invasiva com pressão positiva. Assim, pacientes em CPAP ou em BiPAP receberam indevidamente a mesma pontuação no escore respiratório, pois no presente estudo o uso de BiPAP foi pontuado como o uso de CPAP.

Na dimensão metabólico/nutrição, a administração de dieta por sonda via gavagem implica em pontuação no escore, indicando gravidade do paciente, mas não existe a opção “jejum”, tampouco a opção “dieta por bomba”. Na coleta de dados, dietas que estavam sendo administradas por bomba de infusão foram consideradas simplesmente como gavagem, e as situações de jejum não se enquadravam em nenhum item, e não eram pontuadas. Assim, pacientes que necessitaram de infusão lenta da dieta através de bomba de infusão obtiveram os mesmos pontos no escore nutricional do que um paciente que recebeu normalmente a dieta por sonda via gavagem, e aqueles ainda mais graves que entraram em jejum obtiveram indevidamente escore menor, pois o jejum não é pontuado no NTISS. Trata-se de uma inadequação tanto do ponto de vista da mensuração da gravidade do paciente, considerando que necessitar de infusão mais lenta ou necessitar de jejum é indicador de gravidade, quanto para efeito de dimensionamento de pessoal, uma vez que a administração da dieta por gavagem ocorre pelo efeito da gravidade e a instalação da bomba de infusão de dieta requer mais tempo e demanda cuidado diferenciado.

Destaca-se que a oferta da dieta por gavagem nem sempre indica gravidade. Na unidade onde foi realizado o estudo presente, visando favorecer o aleitamento materno dentre os prematuros, prioriza-se a transição da alimentação da sonda diretamente ao seio, sem o uso de bicos ou de copos(17), o que implica em uso de sonda e administração de dieta por gavagem por praticamente todos os pacientes internados na UTIN até a sua alta para a UCIN. Essa observação de que a administração de dieta por sonda poderia não ser um bom preditor de gravidade em UTIN também foi apontada em outro estudo(15).

O uso de drenagens valvuladas unidirecionais para tratamento de hidrocefalia, embora tenha incidência relativamente importante em neonatologia(18,19) e remeta a uma maior gravidade clínica, não é abordado no NTISS. Poderiam ser apresentadas na dimensão outros procedimentos as opções “derivação ventricular externa” e “derivação ventricular peritoneal”. Essa situação ocorreu com um paciente no período deste estudo, porém não foi pontuada em seu escore.

 

CONCLUSÃO

As médias de escore de gravidade pelo NTISS diferiram conforme o perfil de sexo, idade gestacional de nascimento e peso, sendo em geral mais graves os pacientes do sexo masculino com menor peso e idade gestacional de nascimento, especialmente os menores de 1000g e 32 semanas.

As variações nas médias das dimensões do NTISS conforme o momento de hospitalização na UTIN – admissão, durante a internação, na alta e nas ocasiões de óbito - apontam para uma necessidade de reorganização de recursos humanos e materiais, direcionado para momentos específicos da hospitalização que representam picos de demanda de cuidado.

O NTISS é um sistema de escore de fácil aplicação, que pode ser utilizado tanto prospectivamente como retrospectivamente, e permite o estabelecimento de um diagnóstico situacional completo de unidades neonatais, considerando tanto o perfil de gravidade dos pacientes quanto à variação das práticas assistenciais e das terapêuticas no decorrer do tempo e dos momentos da hospitalização - admissão, internação, alta ou óbito.

A sua utilização nas unidades neonatais permite, além de um acompanhamento longitudinal da gravidade dos pacientes e das terapêuticas utilizadas, uma comparação equânime entre diferentes serviços em diferentes contextos.

 

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Recebido: 14/01/2014
Revisado: 3/11/2014
Aprovado: 3/11/2014